Meditação e credibilidade – Parte final

A prática meditativa, além dos efeitos fisiológicos já analisados no artigo anterior (Meditação e credibilidade – Parte II), produz também resultados cognitivos, psicológicos e neurofisiológicos.

Aspectos cognitivos da prática de meditação

Os efeitos da meditação podem ser notados também em relação aos aspectos cognitivos e sensoriais.  

Há uma maior “abertura” das capacidades e percepções resultante da possibilidade de estar presente – não mais com a mente no futuro, ansiosa, ou com a mente no passado, melancólica, mas sim calmamente no presente, lúcida e perspicaz, propícia aos insights, que são a compreensão sobre o objeto meditado.

As melhoras cognitivas obtidas com a meditação são facilmente percebidas nas escolas que adotam a prática. Crianças capazes de deixar a mente aberta ao aprendizado conseguem um grau de evolução espantoso e atingem conhecimentos plenos em pouco tempo, porque alguns fatores estão a seu favor, como foco, atenção e preocupação em entender o processo e buscar a aprendizagem como um todo.  

Em São Paulo, um centro de apoio a crianças e adolescentes carentes iniciou, em 2014, a inclusão da yoga e da meditação diariamente, durante 20 minutos para cada uma dessas práticas.

Os 40 minutos que foram acrescentados à carga horária diária da escola fizeram grande diferença no comportamento dos alunos. “Antes, eles tinham muitos problemas de relacionamento. Hoje, convivem melhor”, conta Glenir Monte, orientadora do centro, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo. Segundo ela, as notas também melhoraram muito, uma vez que os alunos estão mais concentrados.

A Sociedade Internacional de Meditação recomenda a prática nas escolas, porém a carga horária muitas vezes torna-se um empecilho.

Também em uma escola de Sete Lagoas/MG, há o momento do silêncio, durante o qual os alunos escolhem ou não meditar.  

Aspectos psicológicos da prática de meditação

Mens sana in corpore sano – expressão latina que significa mente sã num corpo são e traduz a ideia de saúde associativa entre mente e corpo.

É inegável que um corpo, para permanecer saudável, depende de emoções bem equilibradas.

Sentimentos complexos, como por exemplo medo, angústia, tristeza e ansiedade, podem facilmente culminar em doenças muito comuns nos dias de hoje: depressão, síndrome do pânico, compulsões e tantos outros transtornos emocionais. Sabe-se que um corpo exposto a situações de estresse apresenta alterações fisiológicas evidentes, comprometendo de maneira leve à grave várias funcionalidades do organismo.  

De acordo com Carolina Baptista Menezes, mestre e doutora em Psicologia, “sintomas de estresse, em particular, tem apresentado resultados bastante significativos após o uso da meditação com populações clínicas, e não clínicas, como apontam as medidas de sofrimento (distress) psicológico e marcadores biológicos”.

Várias pesquisas apontam a prática regular da meditação como uma aliada nos tratamentos psicológicos, constatando-se inclusive a diminuição do uso de medicamentos em pacientes que também passavam por tratamento psiquiátrico.

Dentre os efeitos da meditação sobre os aspectos psíquicos, Roberto Cardoso, médico, doutor em Ciências pela UNIFESP e organizador de um curso de formação de facilitadores de Meditação em Saúde, do Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina, cita os seguintes: relaxamento psíquico (o paciente experimenta um estado de relaxamento que, de modo frequente, ainda não conhecia), vivência positiva (quase sempre a meditação é um momento agradável, que dá prazer ao se recordar), sensação de paz interna, sensação de felicidade, mesmo sem motivo aparente, satisfação e saciedade (algumas ânsias consumistas diminuem), impressão de harmonia com o mundo, menor tendência à perda de controle, distorção temporal e tátil, sensação de experiência espiritual e mudanças no sono.

Percebem-se, então, alterações que a princípio poderiam ser apenas passageiras, momentâneas, resultantes da ocasião da prática. Porém, com a frequência da atitude meditativa, essas características podem começar a influenciar a personalidade da pessoa, de maneira positiva, pois sua posição em relação ao ambiente, que continua o mesmo, muda. O que antes a perturbava em excesso pode ser diminuído com o centramento adquirido.

Carolina Menezes ressalta que, para além de simples sensações, alguns estudos apontam que a meditação pode proporcionar o desenvolvimento de características psicológicas positivas por meio da redução de pensamentos ruminativos e de distração. A consciência não ruminativa desenvolve-se através de um processo metacognitivo característico da meditação, uma vez que ela trabalha fundamentalmente a auto-observação dos processos mentais.

Em razão dessa relação entre meditação e aspectos psicológicos positivos, muitos autores a concebem como uma técnica útil para tratamentos psicoterápicos. Sendo a meditação uma prática que busca a evidenciação dos potenciais humanos, eliminando as barreiras do ego pelo não julgamento e através da observação, torna-se sobremaneira uma forte parceira nos tratamentos psicológicos.

Aspectos neurofisiológicos da prática de meditação

As alterações fisiológicas geradas no corpo humano através da meditação são significativas e resultam numa situação de homeostase, pois envolvem os principais sistemas, iniciando-se pelo nervoso e, por meio desse, influenciando beneficamente os sistemas respiratório, imunológico, cardiovascular e endócrino.

Segundo Yusaku Soussumi, médico, neurocientista e psicanalista, inúmeros cientistas estão preocupados em entender a neurofisiologia da homeostase, a neuroquímica do sistema nervoso autônomo, os mecanismos de regulação endócrina ou a inter-relação entre o sistema nervoso, o sistema endócrino e o sistema imunológico.

Os estudos que comprovam os benefícios da meditação coincidem com recentes constatações da existência da plasticidade cerebral. Já é comprovado que, quando se aprende, por exemplo, a fazer malabarismo, o cérebro passa por mudanças não apenas na dinâmica como também em sua anatomia.

Técnicas de imageamento cerebral são recursos definitivos e evidenciadores da neuroplasticidade por decorrência da meditação.

Neurocientistas utilizaram exames como a ressonância magnética para verificar as alterações que ocorriam no cérebro durante o ato meditativo em diversas técnicas de meditação, como a atenção plena, compaixão budista e atenção focada.

Numa dessas pesquisas, a neurocientista Sara Lazar, PhD do Hospital Geral de Massachusetts e da Escola de Medicina de Harvard, usou tomógrafos na meditação de atenção plena. Ela constatou diferenças no volume do cérebro nos praticantes de meditação em apenas oito semanas meditando 40 minutos por dia, aproximadamente.

Nesse estudo, Lazar cita alterações em várias regiões cerebrais e o que ocorreu nessas áreas durante a pesquisa.

Córtex pré-frontal: área importante na tomada de decisões e memória. Os meditadores de 50 anos tinham o mesmo tamanho de córtex do que os de 25 anos, o que sugere que a prática meditativa desacelera ou previne o declínio natural da estrutura do córtex relacionado com a idade.

Hipocampo: área importante para a aprendizagem e memória, assim como para a regulação da emoção. Também apresentou aumento.

Junção temporoparietal: região importante para perspectiva, empatia e compaixão.

Amígdala: regula a reação de estresse agudo do cérebro (luta ou fuga). Houve uma diminuição de massa cinzenta, que teve correlação com a mudança em relação ao estresse. Quanto maior a redução de estresse relatada, menor a amígdala.

Em paralelo a essa pesquisa com humanos, foi realizada uma semelhante com animais roedores. Os animais foram tirados de um ambiente tranquilo e colocados em situação de estresse por 10 dias. Ao final, notou-se um aumento das amígdalas. Retornaram então para seu ambiente. Porém, após três semanas, continuavam estressados e com o aumento da amígdala evidente.

Em comparação aos humanos, houve reação oposta, já que o meio ambiente dos humanos não mudou, pois todos continuavam, durante a pesquisa, em empregos estressantes e na mesma rotina com problemas e tudo o que já estavam passando antes da realização do estudo. Porém, durante a meditação a amígdala diminuiu e foi relatado menor estresse.

Com base nessas constatações, Sara Lazar conclui que “a mudança na amígdala não responde à mudança no meio ambiente, mas representa a mudança de reação no relacionamento das pessoas ao seu meio ambiente”. E acrescenta: “Não apenas o fato de dizerem: – Eu me sinto melhor, ou que era uma resposta placebo, ou que tentavam nos agradar, havia uma razão neurobiológica para o fato de reportarem que se sentiam menos estressados”. Ela partilha, com isso, a ideia de que a meditação pode literalmente mudar o cérebro.


Valéria Nunes de Oliveira – Pós-graduada em docência e prática da meditação pela USCS – Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Autora da monografia Meditação e Credibilidade: estudos científicos.

Leia também Meditação e credibilidade – Parte I

Meditação e credibilidade – Parte II