Diabetes, hipertensão e distúrbios da tireoide na visão da psicossomática e metafísica

Neste artigo, pretende-se apresentar a interpretação que a metafísica da saúde e a psicossomática fazem de algumas patologias. Como objetos de estudo, foram elencados o diabetes, a hipertensão e alguns distúrbios da tireoide.

Para conceituar cada uma dessas doenças, foi utilizada a perspectiva da racionalidade médica da biomedicina.

No final, espera-se construir um esboço de crítica às visões que essas duas abordagens (metafísica e psicossomática) têm do processo de saúde e doença, considerando os pressupostos de inseparabilidade entre corpo e mente e impermanência dos fenômenos.

Madel T. Luz e Nelson Filice de Barros ensinam que a racionalidade médica da biomedicina “possui como cosmologia a mecânica clássica e sua noção cartesiana de universo e corpo humano como máquinas, em que prevalece a proposição de leis de aplicação geral e ignora-se a multicausalidade em benefício de causas lineares (as patologias seriam causadas por um micro-organismo, um vírus ou um defeito genético na ‘máquina’). Essa racionalidade assume como foco central a diagnose das doenças (dos defeitos da máquina), tendência crescente com os avanços tecnológicos em medicina dos últimos 50 anos, deixando a terapêutica para segundo plano”.

A metafísica, na definição de Aristóteles, discute o que existe e é real, além de buscar qual é a essência das coisas. Séculos mais tarde, essa concepção foi questionada por levar em consideração apenas aquilo que convencionamos chamar de realidade e que é mediado pelas percepções dos sentidos. Para Kant, a metafísica trata daquilo que se pode apreender por meio do conhecimento, sendo que isso seria a realidade em si das coisas.

A metafísica contemporânea ou ontologia aborda a relação originária entre o mundo e o ser humano. Já, a metafísica da saúde, que é um conceito recente, considera que o corpo demonstra por meio de sinais e sintomas aquilo que emocionalmente o afeta, como se fosse possível acessar o cerne, a essência da doença e o que a faz real.

A psicossomática, por sua vez, é uma especialidade médica que surgiu em meados do século XX e pressupõe que fenômenos psíquicos são a causa de adoecimentos que se expressam por meio de sintomas físicos. Apesar dos conceitos da psicossomática defenderem a inseparabilidade entre corpo e mente, há uma hierarquização que delega à mente a responsabilidade de permitir o adoecimento do corpo. Portanto, na prática a psicossomática aborda os corpos por uma perspectiva cartesiana.

Diabetes

Segundo a biomedicina, o termo diabetes abrange um grupo de doenças caracterizadas por elevados níveis de glicose sérica no organismo e alteração do metabolismo de carboidratos, proteínas e gorduras, devido à deficiência de insulina e/ou distúrbios funcionais desse hormônio.

A glicose é o alimento prioritário do corpo humano e a insulina, produzida pelo pâncreas, é o hormônio responsável por carrear esse nutriente para dentro das células. Quando a glicose não consegue entrar na célula, por baixa produção de insulina ou disfunção desta ou ainda porque a parede celular não reconhece esse hormônio, há um sinal de fome e o organismo começa a utilizar outros nutrientes disponíveis para obtenção de energia – as gorduras e em último caso as proteínas.

As variações mais difundidas dessa doença são o diabetes tipo I (destruição das células do pâncreas responsáveis pela produção de insulina) e o diabetes tipo II (resistência à insulina, que faz com que, apesar da quantidade de hormônio produzido, não haja aporte suficiente para as células).

Para a metafísica, o terreno propício para desenvolvimento do diabetes é formado por fatores como uma vida sem doçura, tristeza dissimulada por uma postura brincalhona e divertida e baixa autoestima. É como se a dificuldade de absorver o doce da vida se transformasse em uma dificuldade de absorver o açúcar do sangue.

Hipertensão

A hipertensão consiste em pressão sistólica e diastólica iguais ou superiores a, respectivamente, 140 mmHg e 90 mmHg.

Pode ser primária (de causas desconhecidas) ou secundária (em consequência de outra doença), além de ser classificada como sal sensível ou sal resistente, dependendo do fato de ser ou não afetada pela ingestão de sal.

Problemas de pressão arterial, segundo a metafísica, ocorrem devido a uma fuga de emoções traumáticas. Quando a pessoa precisa lidar com questões afetivas difíceis, prefere criar mecanismos para conviver de forma acrítica com a situação problemática, em vez de encarar e resolver a questão exteriorizando seus sentimentos e pontos de vista e/ou rompendo relações conflituosas.

Distúrbios de tireoide

A tireoide é uma glândula que produz os hormônios tireoidianos T3 e T4. Esses hormônios participam do metabolismo de quase todos os tecidos e são controlados pelo eixo hipotalâmico-hipofisário por meio de feedback negativo.

Distúrbios da tireoide são interpretados pela metafísica como dificuldades para lidar com escolhas feitas a contragosto na vida.

A tireoide é responsável por uma série de adaptações do corpo humano às mudanças do meio em que vive e durante as fases de seu desenvolvimento e poderá ser comprometida quando a pessoa toma atitudes que aparentemente afrontam sua liberdade de ser o que quiser.

Podemos dizer que a tireoide adoece quando há má fé, considerada por Sartre como a culpa que colocamos no outro por nossas próprias decisões. Já que toda escolha que fazemos, em última instância, é tomada por nós mesmos, trata-se de má fé responsabilizar outrem por nossas ações.

Inseparabilidade, singularidade e impermanência

Para o filósofo Espinosa, corpo e pensamento são formas dinâmicas e de expressão da substância única do Universo. Não há hierarquia entre eles e sua separação serve apenas como recurso didático, pois o corpo se produz a partir dos encontros com outros corpos e o pensamento se produz junto com o corpo durante esses encontros.

Portanto, quando se fala em corpo e mente não há primeiro ou segundo, não há como delimitar quem vem antes e não há como seccioná-los, senão por meio de nossa ilusão de separação (princípios da inseparabilidade e da indemarcabilidade).

A partir dessa concepção, cada corpo, ao encontrar outros corpos, pode ganhar ou perder potência de vida (capacidade de se manter na existência de maneira pujante). Considerando-se aqui como corpos toda e qualquer substância presente no ambiente em constante movimento e transformação: comidas e bebidas que se ingere, ar que se respira, estados de espírito das pessoas com quem se convive, música que se ouve, etc.

Portanto, seria importante experimentarmos o máximo de encontros com diferentes corpos, para podermos conhecer o que pode nosso corpo e assim sermos capazes de priorizar os encontros que nos trazem potência de vida (mais saúde) e afastar-nos dos encontros que reduzem nossa potência de vida (mais doença).

Saúde e doença, nesse sentido preconizado por Espinosa, não podem ser entendidas como categorias estanques e padronizadas para todos os corpos. Ao contrário, devem ser problematizadas como formas de expressão singulares dos corpos que, durante seus encontros, produzem afetos diversos também singulares (princípio da singularidade).

Isso nos remete a outro princípio fundamental, o da impermanência. Se consideramos que tudo está em permanente movimento, é improvável identificar quando um corpo está doente e quando ele está saudável, visto que, durante os inúmeros encontros entre os corpos, eles estão em constante transformação e o que agora tira potência de um corpo daqui a pouco pode lhe trazer potência, já que nada é igual em momento algum.

Para Madel Luz, o grande trunfo do modo de produção capitalista foi, ao longo dos séculos, ter conseguido transformar a concepção da relação entre homem e natureza. Se, até a Idade Média, o ser humano considerava-se integrante da natureza, a partir do mercantilismo e das revoluções industriais, ele começa a tomar a natureza como sua propriedade privada, dominando-a e usufruindo dela conforme suas necessidades.

Mais do que uma nova noção de separação entre homem vs. natureza, Descarte teria explicitado e sistematizado o domínio que o ser humano passou a exercer sobre a natureza. Desde então, a natureza é apenas mais uma das mercadorias à disposição do homem.

Nesse sentido, a biomedicina, a metafísica da saúde e a psicossomática são lógicas que analisam o ser por meio de uma ilusão de separação entre corpo e mente, criando uma hierarquia entre eles e o domínio de um sobre o outro.

Na biomedicina, o corpo tem primazia sobre a mente. Na metafísica e psicossomática, a mente é capaz de controlar o corpo.

Por isso, considero insuficientes as formas de análise da biomedicina, psicossomática e metafísica da saúde. Elas não são capazes de apreender o indivíduo em todas as suas idiossincrasias e impermanências. Criam estruturas estagnadas, como se tentassem compreender a realidade por meio de fotos e não pelo movimento constante da vida e, portanto, geram também a ilusão de que há entidades mais importantes que outras.

O desafio de superar a ilusão da dicotomia

Como pensar então, por exemplo, o diabetes, a hipertensão e os distúrbios da tireoide por meio dos princípios da impermanência e inseparabilidade?

Samuel Hahnemann, criador da homeopatia, talvez tenha tentado um diálogo próximo a esse ao criticar como os médicos de sua época priorizavam nomes de doenças, padronizando-as como entes absolutos, em contraposição a como exatamente cada alteração apresentava-se de maneira única e idiossincrática em cada indivíduo.

Ele tentou abordar o corpo como único e inseparável, ao considerar que um adoecimento não estaria restrito a apenas uma parte do corpo, mas sempre tomava conta de todo o ser, mesmo que se expressando de formas aparentemente localizadas. Também não hierarquizava sintomas mentais ou físicos, dando importância aos sintomas mais singulares e excepcionais que se apresentassem.

Hahnemann contribuiu com essa discussão ao defender que um medicamento deve ser modificado a cada dose, já que nem o doente nem o medicamento podem ser os mesmos.

Esse médico alemão também abordou a questão dos encontros dos corpos ao retomar a ideia de que uma substância pode ser veneno ou remédio a depender da dose.

Um desafio lançado por Espinosa e retomado por Hahnemann e tantos outros, mas que devemos exercitar sempre se quisermos superar a ilusão de dicotomia vigente em nossos tempos.


Patricia Stumpf – Nutricionista, pós-graduada em acupuntura, shiatsuterapeuta, homeopata, coordenadora do Curso de Acupuntura da ASBAMTHO – Associação  Sino Brasileira de Acupuntura, Moxabustão e Terapias Holísticas e coordenadora das PICs nas Academias da Saúde do SUS, em Petrópolis, no Rio de Janeiro.

 

 

Fontes

Caleri, D. C. Espinosa e zen-budismo: uma política contemporânea – tese de doutorado. UFF, Niterói. 2014.

Chaui, M. Convite à filosofia. Ed. Ática. São Paulo, 2000.

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Hahnemann, S. Exposição da doutrina homeopática ou Organon da arte de curar. São Paulo. Ed. GEHSP Bento Mure, 2013.

Kimura, E. T. Glândula tireoide. Disponível em http://rfi.fmrp.usp.br/pg/fisio/cursao2012/glantir.pdf. Acessado em 26/02/2017.

Luz, M. T. Natural, racional, social: razão médica e racionalidade científica. São Paulo, Ed. Campus, 1988.

Luz, M. T., Barros, N. F. de. Racionalidades médicas e práticas integrativas em saúde: estudos teóricos e empíricos. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2013000400022. Acessado em 17/02/2017.

Mahan, L. K., Stump, E. S. Krause: alimentos, nutrição e dietoterapia. 10ª ed. São Paulo, Ed. Rocca, 2002.

Valcapelli & Gasparetto. Metafísica da saúde. Vol. 1, 2 e 3. Disponível em https://blogbrasileirodeosteopatiaeterapiamanual.wordpress.com/2012/08/02/metafisica-da-saude-valcapelli-gasparetto-vol-1-2-e-3/. Acessado em 16/02/2017.