A paralisia facial de Bell, condição aguda e temporária que causa fraqueza ou paralisia dos músculos faciais, é uma desordem neurológica que, apesar de comum, ainda gera inúmeras dúvidas quanto ao seu manejo e tratamento.
A medicina ocidental e a medicina tradicional chinesa (MTC) oferecem abordagens distintas, mas potencialmente complementares, para o diagnóstico e tratamento dessa condição.
Este artigo visa a explorar as características, diagnóstico e tratamento da paralisia facial de Bell através da lente dessas duas tradições médicas, com base em fundamentos reconhecidos pelas sociedades científicas.
A paralisia facial de Bell é caracterizada pela fraqueza repentina ou paralisia dos músculos de um lado do rosto. A causa exata é desconhecida, mas acredita-se que esteja associada à inflamação do nervo facial (nervo craniano VII), possivelmente devido a uma infecção viral, como o herpes simples.
Seus sintomas incluem fraqueza ou paralisia súbita em um lado do rosto, dificuldade em fechar o olho do lado afetado, alterações no paladar, aumento ou diminuição da produção de saliva e lágrimas e/ou dor ou desconforto ao redor da mandíbula ou atrás da orelha do lado afetado.
Diagnóstico na medicina ocidental
Na medicina ocidental, o diagnóstico da paralisia facial de Bell é clínico e baseia-se na exclusão de outras causas possíveis de paralisia facial, como acidente vascular cerebral, tumores ou infecções.
E, para isso, esses diagnósticos podem incluir exames físicos e neurológicos para avaliação da fraqueza facial, fechamento do olho e simetria facial, exames de imagem como ressonância magnética (RM) ou tomografia computadorizada (TC) para descartar outras causas e eletromiografia (EMG) para avaliar a atividade elétrica dos músculos faciais.
Diagnóstico na medicina tradicional chinesa
Na medicina tradicional chinesa, a paralisia facial de Bell é frequentemente referida como “Zhong Feng” ou “ventos perversos”, que causam obstrução nos meridianos (também conhecidos por canais de energia) do rosto.
Seu diagnóstico é feito através de cuidadosa observação com o exame visual dos sintomas, incluindo a análise da língua e o pulso, da mesma forma que a análise da história clínica em que serão avaliados os padrões de desarmonia subjacentes, como deficiências de Qi (energia vital) e Xue (sangue), bem como a presença de fatores patogênicos externos, como vento, frio e umidade.
Definição de vento perverso na MTC
O conceito de vento perverso na medicina tradicional chinesa, ou Feng Xié, é uma noção central na MTC e fundamental para compreensão de várias doenças e desequilíbrios do corpo.
Ele é considerado uma das seis energias climáticas patogênicas (Liú Yin) que podem invadir o corpo e causar desarmonias.
O vento perverso tem como características a mobilidade e rapidez. Por sua natureza, pode causar sintomas que aparecem e desaparecem repentinamente, como dor migratória, rigidez ou paralisia, sendo a principal causa de doenças que se movem de um lugar a outro no corpo.
Tende a afetar principalmente a parte superior do corpo, incluindo a cabeça, o rosto e a pele, e inclusive pode causar a abertura dos poros e sudorese.
Também se relaciona com outras energias perversas, como o frio (Hán), calor (Rè), umidade (Shi) e secura (Záo), em que, por exemplo, a associação entre “vento e frio” pode causar sintomas de resfriados comuns e a associação de “vento e calor” pode causar febre e dores de garganta.
Além disso, geralmente provoca sintomas externos, como aversão ao vento, febre, dores de cabeça, transpiração e sensação de coceira na pele.
Tratamento na medicina ocidental
O tratamento na medicina ocidental, conforme escolha do médico, pode incluir o uso de corticosteroides, como prednisona, para reduzir a inflamação do nervo facial, de antivirais, como o aciclovir, em casos suspeitos de infecção viral, de fisioterapia com exercícios faciais para melhorar a força muscular e a coordenação e de proteção ocular com o uso de lágrimas artificiais e tampões oculares para proteger o olho afetado.
Tratamento na medicina tradicional chinesa
A medicina tradicional chinesa utiliza uma abordagem extensiva e integral do ser humano, combinando várias modalidades terapêuticas a fim de expulsar esse vento e restaurar o equilíbrio, como a acupuntura, em que é feita a inserção de agulhas finas em pontos específicos dos meridianos para restaurar o fluxo de Qi e Xue, sendo que os pontos comumente usados são o Yangbai (GB14), Hegu (LI4) e Jiache (ST6); a fitoterapia, com ingestão de cápsulas com preparos de ervas chinesas para fortalecer o Qi e Xue e eliminar fatores patogênicos, sendo que as fórmulas mais comuns incluem Bu Zhong Yi Qi Tang e Xiao Feng San; a moxabustão, que consiste na aplicação de calor em pontos de acupuntura através da queima de moxa (bastão de artemísia) para aquecer os meridianos e dispersar o frio e também a massagem tuiná, com técnicas de manipulação para estimular os pontos de acupuntura e melhorar a circulação de Qi e Xue no rosto.
A integração das abordagens da medicina ocidental e da medicina tradicional chinesa pode proporcionar um tratamento mais completo e eficaz para a paralisia facial de Bell.
Enquanto a medicina ocidental concentra-se na redução da inflamação e na proteção do nervo facial, a MTC visa a restaurar o equilíbrio energético do corpo e fortalecer a constituição do paciente.
Este artigo tem como objetivo encorajar a colaboração entre diferentes tradições médicas, destacando a importância de uma abordagem integrada para o benefício dos pacientes.
Alberto Pereira Lima Vianna – Biomédico, acupunturista e estudante de Medicina – UNE.
Gabriel Maluf – Estudante de Medicina – UNE.
Mari Uyeda – Professora Assistente da Saint Francis University, Pensilvânia/EUA e estudante de Medicna – UNE.
Maria Graziela de Fátima Alvarez Kenupp – Biomédica e estudante de Medicina – UNE.
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