Técnicas diagnósticas e relação médico-paciente na medicina tradicional chinesa – Parte I

A medicina tradicional chinesa (MTC) representa um sistema médico milenar com um paradigma diagnóstico distinto, fundamental para a compreensão holística da saúde e da doença.

Este artigo explora as quatro bases do diagnóstico na MTC – inspeção, ausculta e olfação, interrogatório e palpação – detalhando suas metodologias e implicações clínicas para a identificação de padrões de desarmonia energética.

Aborda também a centralidade da relação médico-paciente durante o processo de anamnese, destacando a importância da escuta ativa, empatia e construção de confiança para um diagnóstico preciso e uma aliança terapêutica eficaz.

Para médicos integrativos, a compreensão desses princípios oferece uma lente complementar valiosa para a avaliação do paciente e a formulação de planos de tratamento individualizados.

Por fim, são discutidas a relevância e os desafios da validação científica dessas técnicas, propondo oportunidades para futuras pesquisas que facilitem a integração da MTC na prática médica baseada em evidências.

Paradigma diagnóstico da medicina tradicional chinesa

A medicina tradicional chinesa (MTC) é um sistema médico com mais de dois milênios de história, que se distingue por uma compreensão intrinsecamente holística do ser humano.

Nessa perspectiva, o indivíduo é concebido como um microuniverso interconectado com o macrocosmo, em que a saúde é definida como um estado de equilíbrio dinâmico entre as forças yin e yang, e a doença como uma manifestação de desarmonia nesse equilíbrio ou no fluxo de Qi (energia vital), sangue e fluidos corporais.

O tratamento na MTC é profundamente individualizado, visando não apenas à supressão de sintomas, mas à identificação e correção da raiz da desarmonia energética, restaurando a capacidade inata de autocura do corpo. Essa abordagem contrasta significativamente com o modelo biomédico ocidental, que frequentemente se concentra na identificação de patologias específicas e na intervenção direcionada aos sintomas.

Na medicina tradicional chinesa, a precisão diagnóstica é um pilar fundamental e diferencia-se da medicina ocidental ao buscar a identificação de “padrões de desarmonia” ou “síndromes” (zheng), que descrevem a natureza e a localização do desequilíbrio energético do paciente. Esse processo diagnóstico é essencial para guiar a escolha das estratégias terapêuticas mais adequadas, como acupuntura, fitoterapia, dietoterapia e tuiná.

A importância da precisão reside no fato de que um mesmo sintoma pode ter diferentes padrões subjacentes, exigindo abordagens terapêuticas distintas. Por exemplo: uma dor de cabeça pode ser diagnosticada como um padrão de “ascensão de yang do fígado” ou “deficiência de sangue”, cada um com um plano de tratamento específico, o que demonstra a necessidade de uma avaliação aprofundada para a eficácia da terapia.

O paradigma diagnóstico da MTC, com seu foco em padrões de desarmonia, representa uma abordagem conceitualmente distinta do modelo biomédico ocidental, que prioriza o diagnóstico de doenças, com base em alterações anatômicas, fisiológicas ou patológicas.

Essa diferença fundamental no objeto do diagnóstico – uma síndrome energética versus uma entidade de doença – não é meramente uma questão semântica, mas reflete quadros epistemológicos distintos.

Para médicos integrativos, compreender essa divergência é crucial. Isso significa que o diagnóstico da medicina tradicional chinesa não se propõe a substituir um diagnóstico médico ocidental, mas oferece uma lente complementar para compreender o estado energético geral do paciente e os desequilíbrios subjacentes.

Essa perspectiva exige uma mudança cognitiva de uma visão reducionista da doença para uma abordagem mais sistêmica e holística. A verdadeira integração, portanto, implica em reconciliar e aproveitar os diferentes quadros diagnósticos.

A coexistência desses dois sistemas diagnósticos também levanta a questão da necessidade de um “léxico comum” para a integração. Se a MTC diagnostica “padrões” (como “deficiência de Qi do baço”) e a medicina ocidental diagnostica “doenças” (como “síndrome do intestino irritável”), a comunicação e colaboração eficazes entre os profissionais de ambos os sistemas podem ser desafiadoras.

A exploração detalhada dos métodos diagnósticos da medicina tradicional chinesa neste artigo contribui implicitamente para a construção desse léxico. Sugere-se que futuras pesquisas e educação clínica em medicina integrativa devem focar no desenvolvimento de correlações ou modelos translacionais entre os padrões da medicina tradicional chinesa e as condições/sintomas da medicina ocidental.

O objetivo não é validar a MTC pelos padrões ocidentais, mas criar uma compreensão compartilhada que facilite o cuidado abrangente do paciente e o diálogo interdisciplinar, com possíveis iniciativas educacionais voltadas para médicos com formação ocidental sobre os princípios e a aplicação prática do raciocínio diagnóstico da medicina tradicional chinesa.

As quatro bases do diagnóstico na medicina tradicional chinesa

A medicina tradicional chinesa emprega um sistema diagnóstico multifacetado, conhecido como as “quatro bases” ou “quatro métodos de diagnóstico” (si zhen), que são os seguintes: inspeção (wang), ausculta e olfação (wen), interrogatório (wen) e palpação (qie).

A combinação e a correlação entre os achados de cada método são essenciais para formular um diagnóstico energético preciso e individualizado, que servirá de base para o plano terapêutico.

1 – Método da inspeção (observação)

Inspeção é o método de observação visual do paciente, abrangendo desde a constituição geral até detalhes específicos. É a primeira etapa do diagnóstico, permitindo ao praticante de MTC obter impressões iniciais cruciais sobre o estado de saúde do indivíduo.

Os aspectos observados incluem o “espírito”, a constituição geral e a coloração facial.

A observação do shen, ou “espírito”, é fundamental. Refere-se ao brilho dos olhos, à clareza mental, à expressão facial, à vitalidade geral e à consciência do paciente. Um shen vigoroso indica boa saúde, boa função dos órgãos internos e um prognóstico favorável, enquanto um shen fraco ou perturbado pode indicar deficiência energética ou doença grave.

A avaliação da constituição geral inclui postura, marcha, compleição, pele, cabelo e unhas. Por exemplo: uma compleição pálida pode sugerir deficiência de sangue ou Qi, enquanto uma compleição avermelhada pode indicar calor. A condição do cabelo e das unhas pode refletir o estado do sangue e do rim.

A cor da pele e do rosto é um indicador importante da condição do Qi e do sangue, bem como do estado dos órgãos internos. Por exemplo: uma face pálida pode sugerir deficiência de sangue; uma face avermelhada, calor; uma face azulada, frio ou estagnação de sangue e uma face amarelada, umidade ou deficiência do baço.

Diagnóstico da língua – a observação da língua, que também faz parte do método de inspeção (wang), é uma das ferramentas mais valiosas e complexas da medicina tradicional chinesa, refletindo o estado dos órgãos internos (zang-fu), do Qi, do sangue e dos fluidos corporais.

A língua é considerada um “mapa” do corpo, com diferentes áreas correspondendo a diferentes órgãos, de forma a permitir uma localização topográfica da desarmonia.

No corpo da língua, avaliam-se a cor (pálida, vermelha, vermelha escura, roxa), a forma (inchada, fina, rachada, rígida, flácida) e a umidade. A cor reflete o estado do sangue e do Qi, enquanto a forma indica a condição dos fluidos corporais e a presença de estagnação ou deficiência.

Com relação à saburra (revestimento da língua), observam-se a cor (branca, amarela, cinza, preta), a espessura e a umidade. A saburra reflete o estado do Qi do estômago e a presença de fatores patogênicos externos, como umidade, calor ou frio.

Diferentes áreas da língua correspondem a órgãos específicos, permitindo uma localização mais precisa da desarmonia. Por exemplo: a ponta da língua está associada ao coração e pulmões, o centro ao baço e estômago, as laterais ao fígado e vesícula biliar e a raiz aos rins e intestinos.

Correlações clínicas e padrões de desarmonia são estabelecidos a partir da combinação desses elementos. Uma língua pálida com saburra branca e fina pode indicar deficiência de Qi ou yang. Uma língua vermelha com saburra amarela e espessa pode indicar calor excessivo e umidade. Rachaduras na língua podem sugerir deficiência de yin, enquanto uma língua inchada pode indicar acúmulo de umidade ou fleuma.

A língua atua como um biomarcador visual dinâmico de padrões energéticos. A descrição detalhada do diagnóstico da língua revela-o como uma ferramenta de avaliação visual sofisticada.

Ao contrário de testes diagnósticos ocidentais estáticos (como exames de sangue ou imagem), o diagnóstico da língua oferece um instantâneo dinâmico e em tempo real dos estados energéticos internos.

A correlação de características específicas da língua (cor, saburra, forma) com “padrões de desarmonia” (calor, frio, umidade, deficiência de Qi/sangue) sugere que ela funciona como um “biomarcador” único, não invasivo e em constante evolução para esses padrões complexos. Portanto, seu mapeamento topográfico adiciona outra camada de precisão diagnóstica.

Para médicos integrativos, isso implica que, enquanto a medicina ocidental se baseia em testes laboratoriais para avaliação interna, a medicina tradicional chinesa oferece um correlato visual direto para desequilíbrios internos. Isso pode ser uma camada diagnóstica complementar valiosa, especialmente em condições em que os testes convencionais são inconclusivos ou quando se deseja uma imagem energética mais ampla.

Também aponta para o potencial de futuras pesquisas correlacionarem padrões específicos da língua com mudanças fisiológicas mensuráveis pela ciência ocidental (correlacionar, por exemplo, uma “língua vermelha com saburra amarela” a marcadores inflamatórios ou disbiose microbiana específica), unindo assim os dois sistemas por meio de fenômenos observáveis.

No entanto, a inspeção, especialmente a avaliação do “espírito” (shen), apresenta o desafio da padronização e subjetividade. Embora o diagnóstico da língua possua parâmetros específicos, a inspeção mais ampla, particularmente a avaliação do shen, depende fortemente do olho treinado do praticante de MTC, de sua intuição e da experiência acumulada.

Termos como “vigoroso” ou “perturbado” são inerentemente subjetivos e difíceis de quantificar, padronizar ou replicar entre diferentes praticantes. Isso contrasta fortemente com as medidas objetivas e quantificáveis preferidas na pesquisa científica ocidental e nas diretrizes clínicas.

Essa subjetividade inerente representa um desafio significativo para a validação científica e para o ensino dos diagnósticos da MTC em um ambiente acadêmico ocidental padronizado.

Para médicos integrativos, isso significa que, embora as informações obtidas pela inspeção possam ser profundas para a compreensão individual do paciente, sua reprodutibilidade e integração em modelos baseados em evidências exigem consideração cuidadosa e, potencialmente, novas metodologias para avaliação qualitativa e estudos de confiabilidade interavaliadores.

Isso aponta para a necessidade de protocolos de treinamento minuciosos e padronizados para as habilidades diagnósticas da MTC e, possivelmente, o desenvolvimento de análise de imagem assistida por inteligência artificial para o diagnóstico da língua, a fim de reduzir a variabilidade entre observadores.

A Tabela 1 resume as características da língua e suas implicações diagnósticas na medicina tradicional chinesa, oferecendo uma referência rápida para médicos interessados em compreender esse método.

Diagnóstico da língua na medicina tradicional chinesa
Tabela 1 – Características da língua e suas implicações diagnósticas na medicina tradicional chinesa.

2 – Ausculta e olfação (audição e olfato)

Esse segundo método de diagnóstico envolve a escuta de sons e a percepção de odores emitidos pelo paciente, fornecendo pistas sobre a natureza e localização dos desequilíbrios internos.

A análise de sons inclui a avaliação da voz (fraca, forte, rouca, alta, baixa), respiração (sibilante, superficial, profunda, ruidosa), tosse (seca, produtiva, latente, com catarro) e outros sons corporais (arrotos, flatulências, gemidos, soluços).

Esses sons podem indicar a condição do Qi, dos pulmões, do baço e de outros órgãos. Uma voz fraca, por exemplo, pode indicar deficiência de Qi, enquanto uma tosse produtiva pode sugerir fleuma.

A percepção de odores envolve a identificação de odores corporais (suor, urina, fezes, hálito) e secreções (escarro, corrimento vaginal).

Odores fortes ou fétidos geralmente indicam padrões de calor, umidade, toxinas ou excesso. A ausência de odor ou um odor fraco pode indicar deficiência ou frio. Por exemplo: um hálito fétido pode indicar calor no estômago, enquanto um suor com odor forte pode indicar umidade-calor.

3  Interrogatório (anamnese detalhada)

Considerado por muitos o método diagnóstico mais importante na medicina tradicional chinesa, o interrogatório permite ao médico coletar uma vasta gama de informações subjetivas e históricas diretamente do paciente. É através de uma escuta aprofundada que o praticante de MTC constrói um quadro completo do paciente, indo além dos sintomas isolados.

As “dez perguntas” (shi wen) constituem um guia estruturado para a anamnese, abordando sistematicamente diversos aspectos da saúde e do estilo de vida do paciente.

Embora a lista completa dessa anamnese seja extensa, é possível identificar como parte dessa abordagem abrangente e sistemática os itens descritos a seguir.

Calafrios e febre – indicam a natureza do fator patogênico (frio ou calor) e a resposta do corpo.

Transpiração – avalia a regulação térmica, o estado do yin e yang e a presença de fatores patogênicos.

Dor – por meio de sua caracterização detalhada (localização, natureza – aguda, surda, em pontada, queimação –, intensidade, fatores agravantes/atenuantes) é possível identificar estagnação e deficiência de Qi ou sangue, frio e umidade.

Apetite e sede – refletem a função do baço e estômago, o estado dos fluidos corporais e a presença de calor ou frio interno.

Sono – a qualidade, a quantidade e os distúrbios do sono (insônia, sonolência excessiva, pesadelos), indicam o estado do shen, do yin/yang e do sangue.

Urina e fezes – a frequência de eliminação, a cor, a consistência e os odores revelam a função dos rins, bexiga e intestinos e o estado dos fluidos corporais.

Ginecologia/andrologia – para mulheres, devem ser observados o ciclo menstrual (regularidade, fluxo, dor), presença de corrimento e gravidez. Para homens, questões urogenitais e sexuais.

Ouvido e olho – problemas de audição, visão, zumbido, tontura.

História médica e familiar – doenças preexistentes, cirurgias, medicamentos em uso, histórico familiar de doenças.

Nível de energia e emoções – fadiga, humor, estresse, ansiedade, depressão são aspectos cruciais para o diagnóstico de padrões emocionais e energéticos.

Estilo de vida e dieta – hábitos alimentares, rotina diária e ambiente de trabalho devem ser observados como fatores que influenciam diretamente a saúde e a manifestação dos padrões.

Na medicina tradicional chinesa, a anamnese vai além dos sintomas físicos, buscando entender o paciente em seu contexto de vida e incluindo aspectos emocionais, psicológicos e sociais.

É um processo de escuta ativa e empática, em que o médico busca construir um quadro completo do desequilíbrio energético, que não se limita a uma lista de queixas, mas abrange uma narrativa de vida e saúde.

A ênfase detalhada nas “10 perguntas” e a inclusão explícita de fatores como estilo de vida, estado emocional e histórico pessoal como componentes centrais do processo diagnóstico demonstram que a anamnese da MTC serve como um modelo exemplar de medicina centrada no paciente.

Ela busca compreender a pessoa que vivencia a doença em seu contexto de vida único, em vez de meramente identificar uma patologia. Essa abordagem alinha-se perfeitamente com os conceitos modernos de cuidado holístico, tomada de decisão compartilhada e medicina centrada no paciente, que são cada vez mais defendidos nas práticas integrativas.

Isso sugere que o modelo de anamnese da MTC oferece lições valiosas e um arcabouço prático para profissionais de medicina ocidental, especialmente para aqueles que atuam em medicina integrativa, sobre como conduzir uma história clínica mais abrangente, empática e terapeuticamente benéfica.

Sublinha a importância dos dados subjetivos e da narrativa na composição do diagnóstico, fatores que são frequentemente subestimados em uma abordagem diagnóstica puramente objetiva e baseada em testes. Esse pode ser um ponto de forte ressonância para o público-alvo, demonstrando como os princípios da medicina tradicional chinesa podem aprimorar os aspectos humanísticos da prática médica.

Contudo, a subjetividade inerente à anamnese da MTC, embora valiosa para o cuidado personalizado, apresenta um desafio para a replicabilidade em pesquisa.

Embora as “10 perguntas” forneçam um guia estruturado, a interpretação das respostas do paciente em relação a experiências subjetivas (como, por exemplo, “qualidade do sono”, “nível de energia”, “humor”) permanece altamente subjetiva e dependente tanto da percepção do paciente quanto das habilidades interpretativas do praticante de MTC.

Essa subjetividade inerente, embora inestimável para o cuidado personalizado, dificulta a padronização, quantificação e replicação dos achados em diferentes estudos ou praticantes, representando um desafio significativo para a validação científica feita com desenhos de pesquisa convencionais.

Para a medicina integrativa, isso significa que, embora os ricos dados qualitativos obtidos da anamnese da MTC sejam inestimáveis para a atenção personalizada ao paciente, sua integração em diretrizes baseadas em evidências exige consideração cuidadosa de metodologias que possam contabilizar e analisar experiências subjetivas.

Isso pode envolver a adoção de métodos de pesquisa qualitativa, o desenvolvimento de medidas padronizadas dos resultados relatados pelos pacientes (PROMs) que capturem sintomas relevantes para a MTC ou a exploração de desenhos de pesquisa com métodos mistos para preencher a lacuna quantitativa-qualitativa. Isso aponta para a existência de uma fronteira metodológica para a pesquisa integrativa.

4 – Palpação

A palpação é o método de sentir o corpo do paciente para identificar desequilíbrios, sendo o diagnóstico do pulso o mais proeminente e complexo.

O diagnóstico do pulso é uma arte e ciência complexa na medicina tradicional chinesa, considerado como um dos pilares mais importantes e exigindo anos de prática e sensibilidade tátil apurada.

Através da palpação da artéria radial em ambos os punhos, o praticante avalia o estado dos órgãos internos (zang-fu), do Qi, do sangue e dos fluidos corporais.

A avaliação do pulso é realizada em três posições em cada punho. Cada uma dessas posições corresponde a diferentes órgãos e sistemas, refletindo a circulação do Qi e do sangue nos meridianos associados.

Cun (posição do polegar) – pulmão (punho direito) e coração (punho esquerdo).

Guan (posição média) – baço/estômago (punho direito) e fígado/vesícula biliar (punho esquerdo).

Chi (posição proximal) – rins (punho direito e esquerdo), com o direito associado ao ming men (portão da vida, que inclui a energia yang do rim) e o esquerdo ao yin do rim.

Em cada posição e profundidade, o pulso é avaliado de acordo com os diversos parâmetros descritos a seguir.

Profundidade – superficial (fu), média (zhong), profunda (chen). Indica se a patologia é externa/superficial ou interna/profunda.

Frequência – lento (chi), normal (ping), rápido (shuo). Indica calor ou frio.

Ritmo – regular ou irregular. Indica desarmonias mais graves ou estagnação.

Força/amplitude – forte (shi), fraco (xu), cheio (man), vazio (kong). Indica a força do Qi e do sangue ou a presença de excesso/deficiência.

Qualidades específicas – existem dezenas de qualidades de pulso, cada uma com significados diagnósticos distintos. Exemplos: flutuante (fu mai) – indica condições exteriores (invasão de patógenos externos) ou deficiência de yin, profundo (chen mai) – indica condições interiores ou estagnação, escorregadio (hua mai) – indica umidade, fleuma, estagnação de alimentos ou gravidez, tenso (jin mai) – indica frio, dor intensa ou retenção de alimentos, fino (xi mai) – indica deficiência de sangue ou yin e vazio (xu mai) – indica deficiência de Qi ou sangue.

A combinação da localização, profundidade e qualidade do pulso permite ao médico identificar padrões complexos de desarmonia, como estagnação de Qi do fígado, deficiência de yang do rim ou calor nos pulmões.

O pulso é considerado uma janela para a fisiologia energética, embora sua avaliação dependa de uma sensibilidade tátil apurada. A descrição detalhada do diagnóstico do pulso destaca sua incrível complexidade e profundidade, indo muito além de uma simples verificação da frequência cardíaca.

A capacidade de discernir qualidades específicas (como, por exemplo, escorregadio, tenso, fino) em diferentes profundidades e posições e de correlacioná-las com estados de órgãos internos e padrões de desarmonia sugere que o pulso não é apenas uma medida da função cardiovascular (como na medicina ocidental), mas um reflexo dinâmico de todo o estado energético e fisiológico do corpo.

O diagnóstico do pulso é apresentado como um “escaneamento energético” em tempo real e não invasivo. No entanto, isso depende fortemente da sensibilidade tátil altamente desenvolvida do praticante de MTC, que é difícil de quantificar ou padronizar.

Para médicos integrativos, isso representa uma fascinante ferramenta diagnóstica alternativa que oferece informações sobre a dimensão “energética” da saúde, frequentemente negligenciada pelos diagnósticos convencionais.

Embora represente um desafio quanto à validação científica, devido à sua natureza subjetiva e ao extenso treinamento exigido, sugere uma rica área para pesquisa.

Isso poderia envolver o uso de tecnologia avançada de sensores para medir objetivamente qualidades sutis do pulso e correlacionar essas medidas objetivas com padrões da MTC e marcadores fisiológicos ocidentais.

Dessa forma, o diagnóstico do pulso seria transformado de uma “arte” em uma ciência mais mensurável, o que o tornaria potencialmente mais acessível e baseado em evidências para praticantes integrativos.

A arte e a experiência são fatores críticos no diagnóstico do pulso, o que levanta um dilema na transmissão do conhecimento. O grande número de qualidades de pulso e a necessidade de interpretá-las em múltiplas posições e profundidades implicam que o diagnóstico do pulso não é meramente uma habilidade técnica, mas exige anos de prática dedicada, refinamento sensorial e compreensão intuitiva – semelhante a uma “arte” transmitida por meio de aprendizado.

Essa dependência de habilidades altamente desenvolvidas do praticante e de conhecimento tácito torna a padronização, a validação empírica em larga escala e a transmissão eficiente desse conhecimento extremamente difíceis.

Isso destaca uma tensão fundamental entre o aprendizado tradicional da MTC e as demandas da medicina moderna baseada em evidências, que prioriza métodos padronizados e replicáveis.

Para médicos integrativos, isso significa reconhecer que a “evidência” para o diagnóstico do pulso frequentemente reside na eficácia clínica por praticantes altamente qualificados, em vez de estudos científicos facilmente reproduzíveis do próprio método diagnóstico.

Isso exige uma abordagem matizada para a integração, talvez focando nos resultados do diagnóstico e tratamento da MTC em ambientes clínicos, em vez de apenas na validação objetiva do método diagnóstico isoladamente. Também aponta para a necessidade de metodologias pedagógicas inovadoras para ensinar essas habilidades sutis.

A Tabela 2 apresenta algumas das qualidades de pulso mais comuns e seus significados clínicos na medicina tradicional chinesa.

Diagnóstico do pulso na medicina tradicional chinesa
Tabela 2 – Qualidades do pulso na medicina tradicional chinesa e seus significados clínicos.

Além do pulso, a palpação do abdômen pode revelar áreas de tensão, dor, massas ou distensão, indicando estagnação de Qi e sangue ou acúmulo de umidade.

A palpação de pontos específicos de acupuntura (pontos ashi, pontos de alarme, pontos de transporte) também pode revelar sensibilidade e mudanças na temperatura ou na textura, fornecendo informações adicionais sobre o estado dos meridianos e órgãos.


Jurema Luzia Cannataro – Jornalista com especialização na produção de conteúdo sobre bem-estar, saúde e medicina, responsável pela edição da Revista Medicina Integrativa e diretora da Scribba Comunicações.

 

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