Uso de fitoterápicos durante tratamento antineoplásico e perigos da interação medicamentosa

Atualmente no Brasil, o câncer é a doença que representa a segunda causa de morte em adultos. Uma das áreas médicas que mais evolui e mobiliza a sociedade é a oncologia. Com o controle das doenças agudas, o desafio está sendo administrar as crônico-degenerativas, entre as quais predominam os cânceres e as doenças cardíacas.

O corpo humano possui um mecanismo preciso que controla o crescimento de diferentes órgãos, para que atinjam um tamanho específico. Na maior parte dos órgãos, podemos encontrar um mecanismo de reparo e suporte, cuja função é reparar e recuperar o tecido do órgão caso ele seja danificado em decorrência de alguma lesão. As células sobreviventes proliferam-se, substituindo as lesadas, e o processo cessa assim que o dano é reparado. Esse mesmo mecanismo funciona também para a substituição constante das células que vão envelhecendo e morrendo naturalmente.  

O câncer pode ser definido como um processo lógico em que células normais, por sofrerem modificações, passam a ter capacidades especiais. Essas células modificadas são conhecidas como cancerígenas e dividem-se de maneira sucessiva formando assim um agrupamento de células malignas que são idênticas, causando mutações que vão determinar um novo comportamento delas, como um crescimento mais acelerado. Essas células têm a capacidade de criar novos vasos sanguíneos, que vão nutri-las, mantendo a sua atividade de crescimento. Podem também se disseminar através de vasos sanguíneos ou linfáticos, atingindo órgãos distantes do local de sua origem, fenômeno conhecido como metástase. Assim, conforme os tecidos vão sendo invadidos, eles vão perdendo as suas funções e, por isso, uma pessoa que desenvolve um câncer tem fortes sintomas que são característicos de acordo com o local atingido.

Tumores benignos e malignos

O acúmulo de células é a formação de tumores, que podem ser benignos ou malignos. Um tumor benigno é aquele cujas células são semelhantes às de seu tecido de origem e apresentam um crescimento lento. Esse tipo de tumor raramente representa um risco de morte para o indivíduo, podendo, quase sempre, ser completamente removido por cirurgia. Já um tumor maligno tende a ser mais agressivo e apresentar características particulares, como a anormalidade celular e a metástase, o que torna o seu diagnóstico mais fácil. Mudanças como variação no tamanho e na forma da célula, aumento do tamanho nuclear e da densidade da coloração e perda da distribuição regular das células são indicativos desse tipo de tumor.

Hoje em dia, o tratamento dos cânceres, em sua grande maioria, é considerado como um dos problemas mais desafiadores da medicina. A partir do momento em que a neoplasia primária metastiza-se pelo corpo do hospedeiro, o prognóstico torna-se ruim, sendo a radioterapia uma das alternativas mais eficazes de tratamento.

Eficácia dos fitoterápicos e perigo de certas interações medicamentosas

O interesse por tratamentos complementares para o câncer tem crescido atualmente. O uso de plantas medicinais para o tratamento, cura e prevenção de doenças e agravos configura-se como uma das mais antigas formas de cuidado. Sua utilização no tratamento do câncer é corroborada também por estudos que comprovam que determinadas plantas detêm ação quimiopreventiva, imunomoduladora ou até mesmo antineoplásica.

Algumas plantas têm demonstrado efeitos quimiopreventivos e antineoplásicos promissores, no entanto, o principal problema ocorre quando elas são consumidas simultaneamente com os medicamentos convencionais prescritos, pois muitas vezes podem ocorrer interações medicamentosas perigosas.

Levando-se em conta que o índice terapêutico dos quimioterápicos antineoplásicos por vezes é estreito e que os fitoterápicos e as plantas medicinais podem alterar a expressão de diversas enzimas relacionadas à biotransformação de medicamentos, as interações medicamentosas na terapia do câncer devido ao uso concomitante de fitoterápicos podem ter consequências indesejáveis, chegando, em alguns casos, até mesmo a comprometer a vida do indivíduo. É importante ressaltar o fato de que muitos pacientes com câncer omitem a utilização concomitante de fitoterápicos durante seu tratamento com a quimioterapia antineoplásica convencional.

Fitoterápicos mais usados pelos pacientes

A relação a seguir mostra alguns dos fitoterápicos mais utilizados pelos pacientes em tratamento antineoplásico.

Alho (Allium sativum) – Está entre as primeiras especiarias cultivadas no mundo, sendo facilmente identificado pelo seu odor característico. O conhecimento sobre ele na medicina popular se deu através de séculos, sendo utilizado para tratamento de diversos problemas, como gripe, queimaduras, feridas, dores de cabeça, doenças respiratórias, diabetes, desordens cardiovasculares e câncer. Muitos pesquisadores têm relatado provas farmacológicas, sustentando a sua utilização como um agente anticancerígeno. Uma série de compostos do enxofre, extraídos e identificados a partir do alho, tem demonstrado possuir essas propriedades. Por meio de muitos estudos, relatou-se que os mecanismos de supressão da iniciação e do desenvolvimento do câncer têm relação com esses componentes isolados e que são realmente poderosos agentes antineoplásicos. O alho também possui atividade antioxidante que, atualmente, vem sendo bastante estudada.

Aroeira (Schinus terebinthifolius) – É uma árvore pequena, de ramos foliosos e que possui frutos globulosos, avermelhados e pequenos. É indicada para combater febres, reumatismo e sífilis. Seu uso também é aconselhado em casos de atonia muscular, distensão de tendões, artrite, reumatismo, fraqueza dos órgãos digestivos e tumores linfáticos.

Babosa (Aloe vera) É uma planta de folhas carnosas, que também pode ser encontrada nas partes secas da África e nas montanhas da África Tropical. O suco de suas folhas é emoliente e resolutivo, podendo ser usado em inflamações e queimaduras, e as folhas despidas são indicadas para contusões e dores reumáticas. Atualmente, é utilizada na medicina moderna em muitos lugares do mundo, além de estar presente na indústria cosmética, farmacêutica e alimentar.

Barbatimão (Stryphnodendron adstringens) – É uma árvore elevada e de casca áspera. Possui flores miúdas e folhas bipinadas. É utilizada em casos de hemorragia, leucorreia e blenorragia. Externamente pode ser aplicada em úlceras e ferimentos.

Boldo (Peumus boldus) – Originário do Chile é muito utilizado para combater a má digestão, fortificando o estômago e os nervos. Também é indicado para hepatites, congestões do fígado, distúrbios gástricos, tonturas, insônia, cólicas intestinais e várias outras enfermidades.

Camomila (Matricaria chamomilla) – É utilizada na medicina popular em forma de infusão ou de chá tônico amargo, possuindo a propriedade de ser calmante, digestiva, febrífuga, antirreumática, antiespasmódica e emenagoga.

Capim-santo (Cymbopogon citratus) – É uma planta herbácea da família das gramíneas, oriunda da Ásia, de fácil cultivo e que possui ampla distribuição no Rio Grande do Sul. O chá de suas folhas frescas é muito utilizado na medicina popular, sendo também possível delas extrair-se o óleo essencial, que apresenta atividade contra as células leucêmicas. É citado como fortificante, digestivo, antigripal, analgésico, antitérmico, diurético, calmante, etc.

Cajueiro roxo (Anacardium occidentale) – Possui diversas propriedades medicinais e é estimulante do organismo. Combate o diabetes, é anti-hemorrágico e pode ainda ser utilizado em gargarejos para curar inflamações da garganta e aftas.

Erva-doce (Pimpinella anisum) – É uma erva anual que tem sido amplamente cultivada no mundo todo. Suas folhas frescas são utilizadas para temperar ou enfeitar comidas e por meio das sementes é possível fabricar-se um óleo, que pode ser utilizado como medicamento e em perfumes, sabonetes e outros. Essa erva possui reputação considerável como medicamento para tosses e doenças peitorais, sendo muito utilizada em forma de pastilhas. O óleo possui ação benéfica nos brônquios, combatendo a asma e a bronquite. Também é muito usada para combater cólicas infantis.

Ginseng (Panax ginseng) – É um dos gêneros mais importantes no Oriente, onde tem sido utilizado como fonte de medicina. Diversas espécies são encontradas no hemisfério norte. A raiz do ginseng vem sendo usada há milhares de anos nos países da Ásia, onde é tradicionalmente utilizada como tônico para restauração da força. Estudos sugerem que o ginseng também possui atividade contra o desenvolvimento do câncer, sendo usado em tabletes.

Ipê-roxo (Tabebuia avellanedae) – É uma árvore muito empregada na medicina popular. Sua casca é utilizada em forma de infuso, possuindo propriedades anti-inflamatórias, anticancerígenas, cicatrizantes e antibacterianas.

Jatobá (Hymenaea courbaril) – É uma árvore grande e copada, com flores miúdas e madeira vermelho-escura. A casca e a resina são vermífugas e estomáquicas. O seu chá é indicado para cistite aguda ou crônica. Também pode ser utilizado em casos de blenorreia, bronquite, tosse, dores diversas e inflamações.

Romã (Punica granatum) – Vem sendo bastante citada em diversos trabalhos científicos. É muito utilizada popularmente e apresenta atividade anti-inflamatória, antimicrobiana, hipoglicemiante e antioxidante. Pesquisadores têm investigado a sua utilização como agente quimioprotetor e adjuvante no tratamento do câncer, em que tem se mostrado bastante promissora.

Medicamentos antitumorais à base de plantas

A utilização de plantas como agentes antitumorais começou com a medicina popular e, através dos anos, foi se incorporando na medicina tradicional e alopática. Muitas drogas que são atualmente usadas em quimioterapia foram isoladas de determinadas espécies de plantas ou derivadas de um protótipo natural.

Podem ser citados como exemplos a vimblastina, vincristina, etoposídeo, teniposídeo, irinotecan, topotecano e taxanos. A vimblastina e a vincristina são alcaloides isolados da planta Catharanthus roseus, que possui diversos nomes populares como pervinca de Madagascar, vinca rósea e outros. Inicialmente, essas drogas foram pesquisadas como hipoglicemiantes orais, já que a planta era usada popularmente para o tratamento de diabetes. Embora os estudos dos pesquisadores não confirmassem a sua eficácia nessa área, eles acabaram verificando que esses agentes eram capazes de reduzir os glóbulos brancos e causar depressão da medula óssea em camundongos, podendo então ser utilizados em tratamentos de leucemias com significativos resultados.

Além disso, esses alcaloides são de fase específica do ciclo celular, onde se ligam a proteínas microtubulares durante a metáfase, interrompendo então a mitose. Assim, a célula perde a capacidade de se dividir e morre.

A vincristina é mais potente em casos de leucemia linfoblástica aguda, produzindo remissões completas em cerca de 70% dos pacientes. A vimblastina, utilizada em combinação com outros medicamentos, é indicada para as leucemias, linfomas, câncer testicular avançado, câncer de mama e de pulmão.

Outro princípio ativo é o etoposídeo, que é um glicosídeo semissintético produzido a partir de extratos da raiz do podófilo (Podophyllum peltatum). Estudos demonstram que as podofilotoxinas atuam como inibidores da topoisomerase II nuclear, causando quebras no filamento de DNA. Possuem também a capacidade de inibir o transporte de nucleosídeos e o transporte mitocondrial de elétrons. O medicamento à base desse princípio ativo é indicado, em combinação com outros, principalmente para o tratamento de câncer testicular. Pode também ser utilizado contra o câncer de pulmão, linfomas e leucemia monocítica.

O irinotecan é um semissintético solúvel em água, derivado da camptothecina, que é um alcaloide isolado da casca de uma árvore chinesa (Camptotheca acuminata Decne).

Os estudos clínicos sobre a camptothecina avançaram nos anos 70 mas, mesmo apresentando alguma atividade antitumoral, era insolúvel em água e possuía efeito tóxico imprevisível, o que levou à interrupção de sua futura avaliação. O interesse renovado na camptothecina foi motivado pela identificação da topoisomerase I como alvo principal nos anos 80. A descoberta desse novo mecanismo de ação estimulou esforços dirigidos para a síntese de análogos mais solúveis em água, tendo um perfil tóxico mais favorável e consistente atividade antitumoral.

O irinotecan exibe significativa atividade contra os carcinomas gástrico, pulmonar, pancreático e cervical e ainda contra tumores do sistema nervoso central de grau elevado, linfomas e leucemia.

Os taxanos são agentes antineoplásicos derivados da casca do Taxus brevifolia Nutt e incluem o paclitaxel e o docetaxel. Eles se ligam aos microtúbulos das células modificando a dinâmica de equilíbrio e resultando em uma paralisação do ciclo celular entre a metáfase e a anáfase.

O paclitaxel é indicado principalmente para tratamento do câncer de mama e de ovário, mas também pode ser utilizado em tumores epiteliais, como o do pescoço, esôfago e pulmão.

O docetaxel é um análogo semissintético do paclitaxel e também é aprovado para o uso contra câncer de mama e de pulmão.

Segurança vs. uso inadequado

O uso das plantas medicinais como medicina não convencional é muito antigo e apresenta um aumento significativo, por se constituir em uma forma de tratamento mais barata e de fácil acesso. Devido ao fato de ser uma forma natural de tratamento, tendo como base informações transmitidas de pessoa a pessoa e, coloquialmente, por amigos, parentes ou alguém considerado conhecedor do assunto, o uso das plantas transmite sensação de segurança aos usuários. Contudo, não são raros os casos de agravamento de doenças ou de sintomas ou mesmo de intoxicação pelo uso inadequado ou em quantidades excessivas.


Mari Uyeda – Mestre em Ciências da Saúde, nutricionista e professora do Departamento de Ciências da Saúde da Pós-graduação da Universidade Nove de Julho.

Fabian Friedrich – Farmacêutico-bioquímico, especialista, mestre, doutor e pesquisador em Biologia Molecular, Prefeitura Municipal em Blumenau/SC.