Apiterapia: uso de apitoxina no tratamento de artrite

As abelhas são insetos sociais que vivem na Terra desde antes do surgimento do ser humano. Elas existem no planeta há mais de 50 milhões de anos.

Seu ferrão conduz o veneno que é a sua única arma de defesa contra seus inimigos e que, em grandes quantidades, é fatal para os seres humanos. O veneno da abelha é composto por várias substâncias químicas, como peptídeos, enzimas, aminas biogênicas e outras moléculas, que apresentam atividades farmacológicas e alérgicas (Souza, 2008).

As abelhas do gênero Apis, popularmente conhecidas como abelhas africanizadas ou abelhas do mel, são as mais comuns, e “apesar de existirem em torno de 16 mil espécies descritas, estima-se que o número real possa chegar a cerca de 30 mil espécies” (Michener, 2000 apud Santiago et al, 2004, p. 394).

As abelhas oferecem produtos totalmente naturais, como mel, geleia-real, cera, apitoxina, polén e até larvas de zangão.

A apiterapia como medicina integrativa vem demonstrar uma nova forma de tratamento, utilizando produtos apícolas, no caso, o veneno de abelhas (apitoxina), para a cura de problemas de saúde.

Existem várias técnicas para aplicação desse novo método, porém as mais usadas consistem no processamento industrializado de doses de veneno de abelhas, que são transformadas em pomadas ou gel, tornando assim a toxina menos ativa, e na aplicação de picadas de abelhas diretamente no local dolorido, sendo contudo necessárias poucas picadas, já que a introdução delas é muito mais ativa, não podendo inclusive ser utilizada em pessoas alérgicas.

Em outros países, a procura por esse novo método é muito grande. Porém, no Brasil esse tipo de tratamento ainda é pouco utilizado, devido principalmente à falta de comprovações quanto à sua alergenicidade.

Considerando-se que em nosso país o uso da apiterapia ainda é muito pouco aplicado, este artigo visa a discutir a funcionalidade e a eficácia desse método, bem como as formas de ação da apitoxina no organismo, explicando sua atividade no tratamento artrítico.

Metodologia

O presente artigo tomou por base pesquisas bibliográficas de natureza qualitativa e de nível descritivo, buscando fundamentações através de artigos de periódicos, teses, dissertações, livros e sites, contemplando os objetivos apresentados.

A leitura informativa científica procurou reconhecer as informações sobre o tratamento por apitoxina no organismo, relacionando-as com os problemas propostos, sendo analisado o seu uso em casos de artrite.

Fundamentação teórica

A medicina alternativa vem sendo utilizada antes dos colonizadores no Brasil, que aqui chegaram ao final do século XV, no ano de 1500.

Os indígenas, com seus conhecimentos sobre plantas, utilizavam-nas para o tratamento de diversas patologias, tendo como exemplo a aplicação de urucum na pele para proteger o corpo de picadas de insetos.

E não só as plantas, mas também insetos são utilizados desde séculos passados no tratamento de algumas doenças, sendo por exemplo já catalogadas “374 espécies usadas na medicina tradicional mexicana. Os grupos mais empregados são besouros, abelhas, vespas e formigas, seguidos de gafanhotos, grilos e baratas” (Ramos-Elorduy, 2001 apud E. Neto; Pacheco, 2004, p. 115).

Esse número mostra como a utilização desses insetos é crescente, havendo diversos medicamentos e tratamentos para diferentes patologias, como problemas intestinais, feridas, dor de cabeça, bronquite e coqueluche, entre outras.

Ao longo da segunda metade do século XX, estudos científicos comprovaram as propriedades terapêuticas da apiterapia, que vem apresentando resultados positivos.

A apitoxina (do latim apis, abelha, e toxikon, veneno) “é uma substância complexa, uma neurotoxina, cuja composição é de 88% de água e mais aminoácidos, enzimas, peptídeos, aminas bioativas, açúcares, componentes voláteis e outros em pequenas quantidades” (Sebraern, 2006 apud Callegari; Farias; Trindade, p. 2).

Ela é composta por substâncias citotóxicas que inibem a inflamação, sendo produzida pela classe operária das abelhas, por meio de “um complexo do sistema endócrino localizado no abdômen do inseto em um par de glândulas que geram secreções” (Faundez Poblete; Narvaez Carrasco; Burgos Arias, 2011), as quais ficam armazenadas no ferrão que é utilizado na defesa da colmeia.

O modo de ação da peçonha desses himenópteros envolve o bloqueio dos 124 nervos sensoriais, devido à presença da enzima hialuronidase, que promove um aumento da permeabilidade capilar (E. Neto; Pacheco, 2004, p. 123, 124), agindo como “espalhadora” do veneno.

O veneno das abelhas possui quatro ações principais: anti-inflamatória, analgésica, vasomotora e de imunoativação (Urtubey, p. 3). Essas ações irão depender das frações e quantidades das enzimas presentes na toxina, sendo importantíssimas a melitina, apamina, histamina e minimina, entre outras.

A atividade da apitoxina pode ser validada a partir de diferentes tipos de ação, tendo sido relatado na literatura e marcado o efeito estimulatório do sistema imunitário, que se manifesta na formação de células multinucleadas, monócitos, macrófagos e linfócitos T e B, além da redução do teor de proteína no plasma do sangue, através da variação da permeabilidade dos vasos e da frequência cardíaca e pressão sanguínea, uma vez que ela tem propriedades anti-arrítmicas, eliminando as arritmias produzidas por excitação elétrica e inoculando estrofantina (Grosso; Pacheco; Parra, 2001).

A forma de medicina não convencional baseada no uso de veneno de abelhas pode ajudar no tratamento e cura de doenças do aparelho respiratório, neurológicas e dermatológicas, entre outras.

Existem diferentes tipos de tratamento por apitoxina, porém os mais utilizados são pela aplicação sublingual, subcutânea com agulhas, injeções ou picadas de abelhas diretamente na pele.

Nesse último caso, são necessárias pequenas quantidades, já que a introdução delas é muito mais ativa. A abelha é colocada próxima à pele e, ao sentir-se agredida, fixa seu ferrão, injetando o veneno que é instantaneamente absorvido pela pele, chegando à corrente sanguínea. Após isso, a abelha definha, porque junto do ferrão parte de seu intestino é perdido. O paciente sentirá dor na área de aplicação, que é uma reação normal do tratamento, podendo durar alguns minutos.

A apitoxina age como anestésico na pele, com ação da endorfina muito alta, e apesar da dor inicial acaba relaxando a área de aplicação.

A duração do tratamento irá depender do grau da patologia e do avanço do paciente em relação ao método, obtendo melhoras rapidamente. É importante iniciar a terapia com baixas doses de picadas, evoluindo conforme a doença.

Essa modalidade de medicina integrativa é contraindicada para alérgicos (diabéticos, hemofílicos, insuficientes renais e grávidas, entre outros), devido, como já foi citado anteriormente, às altas concentrações da toxina injetadas no organismo.

Em grandes quantidades, a apitoxina é letal para o ser humano, mas é também um medicamento muito eficaz na cura de diversos males, como por exemplo artrite, reumatismo e problemas circulatórios, entre outros (Conap, 2008 apud Conexão, 2009, p. 104).

A tolerância à dose do veneno é variada. Tanto há pessoas que levam muitas picadas e não sofrem nada, quanto existem outras que ao contrário sofrem por serem alérgicas ao veneno.

Nas reações locais surgem dor, eritema e edema. Consideram-se exuberantes quando abrangem uma área superior a 10 cm, em contiguidade com o local da picada.

As reações sistêmicas compreendem alterações cutâneas, gastrointestinais, respiratórias e/ou cardiovasculares e têm subjacente, na sua maior parte, um mecanismo IgE mediado (Tomé et al, 2009, p. 30).

Por isso, é necessário realizar, antes da utilização dessa técnica medicinal (caso a pessoa não saiba se é alérgica), um teste de alergenicidade da toxina de abelha, para que o paciente não sofra nenhuma reação.

Tratamento de artrite com apitoxina

A artrite é uma doença que provoca inflamações em diversas articulações do corpo humano, como cotovelo, dedos, punhos e coluna vertebral, entre outras.

Os principais sintomas dessa patologia são dores, calor e inchaço, mas em alguns casos pode causar destruição e deformidade articular, não possuindo cura e podendo levar à invalidez.

Existem diferentes tipos de artrite, como artrite reumatoide, artrite psoriática e artrite degenerativa, entre outras.

A maioria dos tratamentos convencionais para artrite possui efeitos colaterais para o paciente.

As propriedades antiartríticas da apitoxina são historicamente reconhecidas. Sabe-se que Hipócrates (460 a.C.) empregava ferroadas de abelha em seus procedimentos terapêuticos. Já Carlos Magno, no século VIII, foi tratado com ferroadas de abelha para combater inflamações nas juntas (Broadman, 1962).

A apitoxina é composta por algumas substâncias que vão agir na terapia contra a artrite, pricipalmente melitina, que juntamente com a apamina, vai estimular a produção de cortisol e outros esteroides naturais.

Essas substâncias têm ação anti-inflamatória, estimulando as áreas de aplicação, que são os pontos musculares dolorosos.

Com a utilização de apiterapia no tratamento artrítico, os resultados mostram melhoras nos sintomas, diminuindo especialmente as dores.

Em alguns tipos de artrite, como a artrite reumatoide, o tratamento por apiterapia tem que ser feito de forma complementar à fisioterapia, servindo como “um apoio à reabilitação convencional, reconhecendo-se suas potencialidades e perigos, mas também sua efetividade analgésica, anti-inflamatória, de apoio à restauração do tecido articular e de melhora na qualidade de vida dos pacientes” (Tobar; Andrade; Góngora, 2010).

Resultados e discussões

Como visto, a apiterapia vem inovar, trazendo mais uma técnica para a reabilitação em relação a algumas doenças, ou seja, é mais uma alternativa para pacientes que ainda não estão recuperados.

Apesar de diversos autores relatarem que a apiterapia é benéfica no caso de diversas patologias, existem poucas referências sobre o assunto, sendo uma área ainda em desenvolvimento, não só no Brasil, como no mundo.

A partir do levantamento das informações, percebe-se que a utilização da apiterapia ainda é escassa em nosso país, e que existem diferentes métodos de tratamento sendo usados de acordo com o grau da patologia.

Em relação à sua ação, quando aplicada por via direta, a apitoxina bloqueia os nervos sensoriais, espalhando o veneno por toda a área, estimulando o sistema imunitário e reduzindo a frequência cardíaca e a pressão sanguínea, evitando assim problemas cardiovasculares.

A eficácia da apiterapia no tratamento artrítico é basicamente voltada para aliviar as dores, estimulando os pontos musculares dolorosos. A terapia deve ser aplicada de acordo com cada tipo de artrite.

Outras funcionalidades da apitoxina ainda não foram descritas, sendo portanto desconhecidas.

Assim, nota-se que essa técnica de tratamento ainda está em desenvolvimento, sendo necessários maiores conhecimentos sobre as diferentes patologias em que a apitoxina pode atuar e sobre a garantia em relação à sua alergenicidade.


Daiane Rodrigues Moreira – Graduada em Ciências Biológicas pela Fafijan – Faculdade de Jandaia do Sul e em Geografia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG. Possui mestrado e doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Genética e Melhoramento da Universidade Estadual de Maringá – UEM. Pós-doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Biotecnologia Ambiental – UEM, desenvolvendo pesquisas com abelhas melíferas e sem ferrão, nas áreas de nutrição, toxicologia, comportamento, produção de geleia real, tecnologia, manejo, melhoramento e seleção de rainhas.

 

Nota: artigo baseado em Apiterapia no tratamento de patologias, publicado originalmente em Revista FAP Ciência – Apucarana/PR –  v. 9, n. 4, p. 21 – 2012.

 

Referências bibliográficas

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