Apoptose é um tipo de morte celular programada, geneticamente regulada, que é desencadeada quando a célula se expõe a determinados estímulos fisiológicos, patogênicos ou citotóxicos. As células em apoptose apresentam características morfológicas típicas, como redução do volume celular, pregas na membrana citoplasmática, condensação e fragmentação do DNA e manutenção da integridade das organelas, ocorrendo a formação de corpos apoptóticos e, posteriormente, fagocitose por macrófagos. Esse processo é altamente regulado por vias de sinalização celular e proteínas pró e antiapoptóticas, que controlam as etapas nele envolvidas.
O uso medicinal da Cannabis sativa L. remonta a milhares de anos, sendo transversal a todos os continentes. Todavia, os seus efeitos psicotrópicos e as limitações legais a ela associadas, restringem a sua aplicação clínica no presente. A evolução científica tem permitido sintetizar compostos semelhantes aos encontrados originalmente na planta. A síntese e manipulação dessas substâncias podem controlar os seus efeitos psicoativos, adaptando as moléculas às atuais necessidades clínicas, maximizando os efeitos pretendidos e minimizando a ocorrência de efeitos adversos. Os referidos compostos com relevância médico-científica existentes na Cannabis sativa L. denominam-se canabinoides. São amplas as suas potencialidades terapêuticas em diferentes patologias, comprovadas in vitro e in vivo. Destacam-se as propriedades neurológicas, ansiolíticas, antipsicóticas, anti-inflamatórias e antiepiléticas. A adoção terapêutica dos canabinoides sobressai atualmente na dor associada à esclerose múltipla, mas também no aumento de peso em doentes com HIV (vírus da imunodeficiência humana), no controle de distúrbios do sono e nas possíveis aplicações na doença de Alzheimer.
Atividade antitumoral
A atividade antitumoral surge com a descoberta de receptores canabinoides nas células cancerosas. Da interação com esses receptores, os canabinoides desencadeiam efeitos antitumorais, confirmados in vitro e in vivo em vários tipos de tumores. Os mecanismos relatados na ação antitumoral assentam na capacidade de bloqueio de várias vias envolvidas na progressão das células cancerosas. Assim, retrai-se o crescimento dessas células, através da inibição da sua proliferação e da indução da sua morte por autofagia e apoptose. Dessa forma, os canabinoides demonstram ainda prejudicar a angiogênese e processos metastáticos.
Câncer de endométrio
O câncer de endométrio é um dos tumores ginecológicos mais frequentes. Acomete principalmente mulheres após a menopausa, em geral acima dos 60 anos. Apenas 20%, ou menos, das mulheres com câncer de endométrio estão na fase de pré-menopausa. Menos de 5% estão abaixo dos 40 anos de idade. O câncer de endométrio é um tumor altamente curável na maioria das mulheres.
Pode originar-se numa lesão pré-maligna (hiperplasia atípica) ou instalar-se já com características malignas. Caso não seja reconhecido a tempo, o tumor crescerá localmente e, além de infiltrar superficialmente a mucosa do endométrio, poderá penetrar em direção à camada muscular do útero, o miométrio.
Depois de atravessarem o miométrio, o risco de as células malignas alcançarem os linfonodos da pelve e do abdome será maior, sendo que o tumor poderá invadir os órgãos vizinhos: vagina, colo do útero, ovários, reto, sistema urinário e o interior do abdome. Mais raramente, as células podem atingir vasos sanguíneos e se disseminar para pulmões, fígado e osso.
Carcinoma endometrioide
É o tipo mais comum, responsável por 80% a 90% dos casos. Ele se forma a partir das glândulas presentes no endométrio e costuma ser pouco agressivo.
Carcinoma seroso-papilífero
Representa o segundo tipo mais comum: aproximadamente 8% de todos os tumores endometriais. Apresenta maior agressividade e maiores chances de metástases, exigindo tratamentos mais radicais.
Carcinoma de células claras
É responsável por 1% a 3% dos casos. Costuma ser mais agressivo, mesmo quando diagnosticado em fase precoce.
Sarcomas
Correspondem a aproximadamente 3% a 5% dos tumores do corpo do útero. Originam-se na musculatura do corpo uterino (miométrio) ou no tecido que sustenta o endométrio (estroma). Em geral, são mais resistentes à quimioterapia e à radioterapia. Os sarcomas uterinos podem ser divididos nos seguintes subtipos: leiomiossarcoma, carcinossarcoma, sarcoma indiferenciado, sarcoma estromal e adenossarcoma.
Mecanismos de ação antitumoral
Com a descoberta dos receptores de membrana celular canabinoides CB1 e CB2 em células malignas, a pesquisa básica em oncologia, envolvendo a cannabis, ganhou novo impulso apesar de toda a proibição. Vários estudos demonstraram que os canabinoides, agonistas dos receptores CB1 e CB2, podem atuar como agentes antitumorais diretos, em uma variedade de tumores agressivos. Além do THC, existem muitos outros canabinoides encontrados na cannabis, sendo que a maioria deles produz pouco ou nenhum efeito psicoativo importante. O mais conhecido e estudado é o CBD, que já apresenta papel significativo em neurologia, psiquiatria e imunologia.
Em modelos experimentais animais, tanto CBD quanto THC têm apresentado resultados muito interessantes, e até surpreendentes, no sentido de impedir a progressão e promover a redução da massa tumoral em câncer de mama, pulmão, próstata, cólon, glioblastoma e endométrio mais recentemente.
Os mecanismos de ação antitumoral, relacionados aos canabinoides, têm sido evidenciados em estudos in vitro e em modelos experimentais in vivo. Merecem destaque os descritos a seguir.
- Indução da apoptose (morte celular programada) da célula maligna por ação direta dos canabinoides nos receptores CB2, já identificados em células tumorais humanas, bloqueando os fatores de crescimento epidérmico (EGFR/IGF-IR) responsáveis pela divisão exagerada das células.
- Redução da população de macrófagos no microambiente tumoral através da diminuição de citocinas, que são substâncias recrutadoras dessas células que trabalham a favor do desenvolvimento tumoral.
- Redução da angiogênese, ou seja, da formação de novos vasos sanguíneos necessários para o crescimento tumoral e de metástases.
Dentre uma variedade de fitocanabinoides, Δ9-tetra-hidrocanabinol (THC) e canabidiol (CBD) são os compostos terapêuticos mais promissores. Além dos efeitos paliativos bem conhecidos em pacientes com câncer, demonstrou-se que os canabinoides inibem o crescimento in vitro de células tumorais. Da mesma forma, os principais endocanabinoides (eCBs), anandamida (AEA) e 2-araquidonoylglicerol (2-AG), induzem a morte de células tumorais. Em estudo, foi verificada a presença de receptores canabinoides, potencial receptor transitório vaniloide 1 (TRPV1) e enzimas metabolizadoras de endocanabinoides que foram determinadas por qRT-PCR e Western blot. E foi observado que em concentrações superiores a 5 μM, eCBs e CBD induziram uma redução significativa na viabilidade celular tanto nas células Ishikawa quanto nas células Hec50co, enquanto o THC não causou nenhum efeito.
Nas células de Ishikawa, ao contrário do Hec50co, o tratamento com AEA e CBD resultou em um aumento nos níveis de caspase ativada -3 / -7, na PARP clivada e na geração de espécies reativas de oxigênio, confirmando que a redução na viabilidade celular observada na O ensaio MTT foi causada pela ativação da via apoptótica.
Esses dados indicam que os canabinoides modulam a morte de células cancerosas endometriais. Segmentação seletiva de TPRV1 pela AEA, CBD ou outros análogos estáveis pode ser uma área de pesquisa atraente para o tratamento de carcinoma endometrial dependente de estrogênio. O uso de extratos ricos em CBD e CBD para o tratamento potencial do câncer endometrial, particularmente do que se tornou não responsivo a terapias comuns.
Mari Uyeda – Mestre em Ciências da Saúde, nutricionista e professora do Departamento de Ciências da Saúde da Pós-graduação da Universidade Nove de Julho.
Eduardo Venerando da Silva – Coordenador de Obstetrícia da Maternidade Gota de Leite, de Araraquara/SP e preceptor da residência médica e do internato médico em Ginecologia e Obstetrícia da Universidade de Araraquara.