Constelação sistêmica familiar e a saúde

Cada um de nós nasce em um grupo familiar, vinculando-se a ele e a seus membros. Nas constelações, o grupo familiar é mais extenso e engloba todos os membros que em algum momento fizeram parte dele, incluindo os natimortos e os que sofreram abortos.

A constelação é uma ferramenta terapêutica compilada pelo psicoterapeuta alemão Bert Hellinger, na década de 80. Consiste em acessar o campo de energia referente às experiências, positivas ou não, desse grupo familiar.

Uma constelação nos traz a possibilidade de olharmos para as situações que estão nos impedindo de seguir a vida adiante, sejam elas emocionais, físicas, profissionais, de relacionamentos, etc., e de as enxergarmos por um ângulo mais ampliado.

“As constelações de famílias e outros sistemas se tornaram bem conhecidos em um contexto de grupos. Este trabalho e as áreas de soluções psicoterapêuticas orientadas sistemicamente e fenomenologicamente têm alcançado uma significância fundamental nas áreas psicossociais e têm tido também efeitos em várias abordagens na terapia individual”(3).

Tudo o que acontece com as pessoas de um sistema fica registrado no campo de energia e o trabalho da constelação é ler esse campo e identificar, como dizia Bert Hellinger, onde o amor parou de fluir. Incluir o que foi excluído erroneamente. Por vezes, com a intenção de proteger os descendentes, algumas situações do grupo familiar não são sequer comentadas. Por exemplo: se aconteceu algum crime na família, esse fato torna-se um segredo familiar e isso precisa vir ao conhecimento de todos os descendentes para que nenhum deles, de forma inconsciente, identifique-se de alguma maneira com essa situação.

Hellinger mostra que o amor necessita de ordem para poder nutrir um sistema. Ele denominou essas condições que precisam estar presentes de ordens do amor: pertencimento, hierarquia e dar e receber.

Pertencimento – todos têm o direito de pertencer. É uma das primeiras necessidades do ser humano, sentir-se pertencente. Portanto, todos devem ser incluídos no sistema: os que foram abortados, os natimortos, aqueles que seguiram o caminho do vício ou de algum tipo de contravenção. E a família sequer fala sobre isso. Esses seres precisam ser incluídos no sistema para que os descendentes não tenham o impulso de ocuparem o lugar desse membro, mesmo que estejam inconscientes dessa falta.

Hierarquia – todo sistema possui uma hierarquia que precisa ser respeitada para que ele como um todo permaneça em equilíbrio. Essa hierarquia deve funcionar por ordem de chegada nesse plano de consciência, ou seja, quem nasceu primeiro tem precedência. Os pais são os maiores e os filhos serão sempre os pequenos. Os filhos mais velhos têm precedência sobre os filhos mais novos. Por exemplo: quando em uma família a mãe morre e a filha assume o papel da mãe, cuidando da casa, do pai e dos irmãos. A vida dessa filha provavelmente não vai fluir, pois há muito peso. Ela está ocupando um lugar que não é o dela. Ela deve ser somente a filha, ajudando, mas como filha.

Dar e receber – é importante que em uma relação em linha (por exemplo: entre casais ou entre sócios) o dar e o receber estejam em equilíbrio. Se um deles se sente dando ou recebendo mais que o outro, o sistema se desequilibra. Vemos isso acontecer muito entre casais e também entre sócios de empresas, entre irmãos, etc. E esse desequilíbrio entre o dar e receber é o motivo de muitas separações. Exemplificando: quando um dos cônjuges está desempregado, se não houver um acordo verbal sobre quais funções cada um vai desempenhar, um deles pode se sentir dando demais ou o outro pode se sentir recebendo muito e a relação ficar prejudicada.

O terapeuta em constelação sistêmica tem o papel de perceber em qual ou quais dessas ordens o sistema não está fluindo.

A desarmonia em uma ou mais dessas ordens pode gerar consequências (doenças) em nível físico ou emocional.

Bert Hellinger pesquisou várias teorias para trazer fundamentos para a constelação sistêmica. Para compreender o que acontece com os representantes em uma constelação, encontrou na teoria dos campos mórficos, de Rupert Sheldrake, o entendimento necessário.

“Tive uma experiência com os zulus, na África do Sul. Eles não pensam muito sobre a vida, somente em uma coisa, quando se encontram, um pergunta ao outro: você vive? O outro diz: ainda estou aqui. O essencial está totalmente em primeiro plano. Não é maravilhoso? Então podemos acordar pela manhã e dizer: estou aqui ainda… Assim o dia fica salvo”, relata Bert Hellinger(2).

Como uma visão sistêmica pode ajudar em problemas de saúde?

É importante percebermos que no atual sistema convencional de saúde predomina o entendimento de que cura é extirpar os sintomas. Acontece com frequência a reincidência dos sintomas ou a dependência de medicamentos para permanecer “estável”.

A visão da cura do ser ainda não está presente no dia a dia do sistema de saúde. “Se estiver com esse sintoma, utilize esse medicamento”. É isso que é prescrito, sem levar em conta todo um histórico de vida, que varia de pessoa para pessoa. Não há tempo de esperar a cura. A produtividade tem que ser alta, em detrimento do bem-estar, com os profissionais da área de saúde tendo que realizar muitos atendimentos por dia.

“A saúde não é um modo de sentir-se, é um modo de ser”, afirma Hans-Georg Gadamer(1).

Lembro-me de uma conversa entre colegas fisioterapeutas em que um deles, empolgado em narrar um atendimento difícil que havia feito, iniciou seu relato da seguinte forma: “hoje entrou um joelho no meu consultório”. Fiquei imaginando a porta abrindo e um joelho quicando e entrando no consultório. O atendimento não foi para um joelho, foi para um ser humano que possuía um nome, data de nascimento e uma história de vida que estava diretamente relacionada à queixa principal, no caso o joelho. E nessa situação é importante observarmos que sintomas de joelhos, na medicina tradicional chinesa e na medicina ayurvédica, estão relacionados ao medo. Ou seja, nessa perspectiva é necessário perceber o quanto os medos desse paciente estão associados aos sintomas do joelho.

Como ressalta o Dr. Gunthard Weber, “enquanto o modelo médico-biológico das doenças continuar dominando a assistência médica financiada pelos seguros-saúde, e enquanto pesquisas cientificas controladas sobre a eficácia dos métodos de cura forem exigidas como condição para cobertura dos seus custos, pouco mudará nessa situação”(1).

Ao longo da história da humanidade, em várias culturas a cura está relacionada não somente à parte física, como também à parte não física. Estudos de neurociência já comprovam que pessoas que dedicam um tempo diário à meditação ou a alguma prática ligada à dimensão espiritual têm a área do cérebro associada à felicidade ampliada, bem como um sistema imunológico mais ativo.

É importante lembrarmos que todos fazemos parte de um grande sistema, de um grande grupo humano, e que tudo está interligado.

Um profissional da área de saúde que trabalha com uma visão sistêmica vai olhar para o cliente como um todo, não somente para o sintoma. Na realidade, ao longo de mais de 30 anos como terapeuta, posso afirmar com tranquilidade que o sintoma é a consequência e não a causa dos desequilíbrios fisiológicos e/ou emocionais.

As constelações sistêmicas buscam a causa das desarmonias, para que o foco esteja ali, para que o cliente possa perceber realmente onde está o ponto central de sua desarmonia e se trabalhar em relação a esse aspecto, em vez de somente se tratar com medicamentos.

“A reconciliação começa em nossa alma”, diz Bert Hellinger. “Quando o que quer que rejeitamos, ou do qual temos vergonha, é reconhecido e mesmo amado, então nós podemos nos tornar mais completos e em paz”(4).

Como diz Paracelso, “a causa última do remédio é o amor”.

A constelação sistêmica familiar e a cura

“Em seu trabalho, Bert Hellinger chegou a compreensões absolutamente novas no tocante aos fatores contextuais e condicionantes da doença, às diversas dinâmicas familiares que atravessam gerações e ao enredamento de pessoas em destinos alheios, limitando suas possibilidades de vida e contribuindo para manter seus sintomas”(1), descreve o Dr. Gunthard Weber.

Para esclarecer como a constelação familiar olha para os adoecimentos, vamos relatar três casos clínicos.

Caso clínico 1 – Paciente de sexo feminino e 38 anos de idade, com queixa de diabetes em estado crítico, que os medicamentos não estavam conseguindo controlar. Relata que sua filha de 10 anos já apresenta um quadro de pré-diabetes e que várias mulheres da família (nove no total) morreram em consequência dessa doença. Foi colocada uma corda no chão. De um lado, nove mulheres representando as nove mulheres do sistema que haviam morrido de diabetes, do outro lado, a cliente. Assim que a cliente foi colocada em frente às mulheres, um sorriso largo surgiu em seu rosto. Em seguida, foi pedido à cliente que observasse se elas estavam sorrindo também. Foi solicitado que ela olhasse para o semblante de seriedade delas. Por amor, identificamo-nos a tal ponto que, de forma inconsciente, repetimos sintomas para nos sentirmos pertencendo ao sistema. A nova compreensão que se dá ao cliente é: honrá-las não significa seguir o mesmo caminho. Honrá-las significa fazer diferente, para que haja continuidade da vida para todos do sistema. Quanto mais os descendentes vivem, mais o sistema se beneficia, porque o sofrimento não foi em vão e nem sobrecarrega ninguém. Foi solicitado à cliente que dissesse algumas frases e também que o grupo das mulheres falasse à cliente. Cerca de cinquenta dias após a realização da constelação, a cliente entrou em contato relatando que sua glicose estava sob controle.

“Quanto mais nos recusamos a envolver-nos com a mensagem e o sentido da patologia, tanto mais patológica ela se torna”(1), ressalta Wolfgang Giererich.

Caso clínico 2 – Paciente de 52 anos, trazendo como queixa o receio de estar com câncer de próstata e já apresentando alguns sintomas. Devido a esse medo, sua relação conjugal estava sendo prejudicada. Relata que seu avô paterno, seu pai e um tio haviam falecido por câncer de próstata. Logo que a constelação teve início, os representantes do avô, do pai e do tio deitaram-se no chão. O representante do cliente fez de tudo para chamar a atenção deles, para que eles o enxergassem. Em seguida, foi perguntado ao representante do cliente se gostaria de se deitar no chão junto deles. Imediatamente o representante do cliente deitou-se. O mesmo foi feito com o próprio cliente. Depois de algum tempo, foi solicitado aos dois (ao cliente e ao seu representante) que se levantassem e que repetissem umas frases para desvincularem-se dos mortos. Após algumas semanas, o cliente retornou dizendo que os sintomas haviam desaparecido.

“É impressionante com que clareza as constelações sistêmicas com doentes podem revelar conexões transgeracionais entre as doenças e os acontecimentos traumáticos nas famílias de origem do paciente. Isso nos permite supor que aí reside um importante potencial de apoio médico, e é evidente que até o momento, no contexto da assistência médica, não se prestou atenção suficiente à busca dessas conexões”(1), afirma Stephan Hausner.

Algumas vezes, de forma inconsciente, na perspectiva estreita do amor, achamos que honrar é repetir, seguir os passos de nossos ancestrais.

Uma outra forma de trabalharmos com as doenças é colocando alguns representantes do sistema e um representante para a doença, percebendo de qual representante a doença se aproxima.

Caso clínico 3 – Paciente de sexo masculino e 43 anos de idade, com queixa de hipertensão, relata que o início desse quadro se deu logo após a falência da empresa em que trabalhava, com um complemento de “assim como meu pai”. Foi colocado inicialmente um representante para o cliente e outro para o sintoma. O representante do cliente que estava em frente ao sintoma dividia seu olhar entre o sintoma e para trás, à direita. Foi colocado no campo um representante masculino (Hellinger percebeu que o lado direito geralmente mostra algo relativo à energia paterna). Imediatamente, o representante do cliente colocou-se lateralmente para olhar a ambos, o sintoma e o pai. Foi perguntado ao cliente como era sua relação com o pai. O cliente informa que seu pai morreu de problemas cardíacos, quando ele tinha 17 anos. Em seguida, o representante do sintoma encaminha-se lentamente em direção ao representante do pai, ficando bem próximos e ambos, sintoma e pai, olham para o filho. Foi solicitado ao cliente para dizer algumas frases de liberação e reconhecimento de que o sintoma era do pai e não dele. Algumas semanas após a realização da constelação, o cliente retornou dizendo que sua pressão arterial estava estável.

Conclusão

O trabalho com as constelações sistêmicas traz à luz da consciência o que estava excluído, oculto, obscuro, para que, uma vez que estejamos conscientes de sua origem, nos liberemos de laços inconscientes que, por lealdade e por amor, vamos mantendo e assim possamos fluir na vida.

Essa visão sistêmica é muito importante no processo de cura, pois as doenças podem estar associadas a essas questões e não somente às fisiológicas. A doença pode ser a manifestação inconsciente da necessidade de alguma inclusão ou pode se dar pela identificação também inconsciente (por lealdade) com alguma situação ocorrida no sistema com um ou alguns ancestrais.

Que “a medicina, em sua maneira de olhar a pessoa doente, leve em conta a perspectiva multigeracional da terapia familiar sistêmica quanto à origem das doenças e à perspectiva dos sintomas, e que o trabalho das constelações com doentes ganhe o lugar e o valor que ele merece dentro dessa abordagem”(1).


Arthur Vieira – Fisioterapeuta, educador físico, profissional de Medicina Tradicional Chinesa, professor de Movimentos Corporais Chineses, terapeuta transpessoal e terapeuta sistêmico.

 

Fontes

(1) Hausner, Stephan. Constelações Familiares e o Caminho da Cura. Editora Cultrix, 2019.

(2) Hellinger, Bert. Meu Trabalho. Minha vida. Editora Cultrix, 2020.

(3) Schneider, Jakob Robert. As Praticas das Constelações Familiares. Editora Atman, 2013.

(4) Hellinger, Bert. Liberados somos Concluídos. Editora Atman, 2006.