O uso de toxina botulínica em medicina e odontologia visa a promover, além de resultados estéticos, o tratamento de patologias, como enxaquecas, migrâneas, bruxismo, espasmos musculares, redução de atividade de glândulas salivares e sudoríparas e estrabismo, entre várias outras aplicações clínicas.
Os espasmos musculares faciais são causados por diversos agentes, tais como herpes labial, paralisias faciais, doença de Parkinson e doenças degenerativas do sistema nervoso central e periférico, inclusive apresentando-se, em alguns casos, como de origem idiopática.
O tratamento com toxina botulínica é uma das melhores e mais eficazes terapias para os casos de espasmos musculares. Contudo, como sua ação é paralisante, tem-se como efeito colateral a redução dos movimentos de expressão facial, bem como as ptoses associadas ao bloqueio muscular.
Dentro do arsenal que os praticantes de medicina estética, dermatologia e harmonização orofacial possuem estão os fios de PDO, confeccionados em polidioxanona, que é um material absorvível, biocompatível e com diversos empregos, como a bioestimulação de colágeno e o lifting facial.
Uma das funções dos fios de PDO é o levantamento de áreas que sofreram ptoses causadas por patologias ou pelo próprio processo de envelhecimento.
Nesse escopo, o tratamento de ptoses causadas pela toxina botulínica sempre foi abordado com o propósito de remover a toxina ou diminuir a sua atividade, não sendo comum a intenção de manter a paralisia exagerada ou a ptose.
Entretanto, no caso descrito neste artigo, não tínhamos o objetivo de reduzir a atividade da toxina botulínica, pois ela exercia a função desejada de controlar os blefaroespasmos. Porém, a ptose da região dos olhos deixava o paciente com uma redução do campo visual, sendo até o momento algo tido como “custo-benefício” do tratamento.
Descrição de caso
Paciente do sexo masculino, denominado N. H. K, com 59 anos de idade, xantoderma, hipertenso e diabético.
Procurou atendimento com queixa de espasmos faciais, labiais, palpebrais e cervicais em hemiface esquerda e de que seu olho esquerdo fechava subitamente e demorava alguns minutos para voltar a abrir.
Relatou que é portador de espasmos há 10 anos e que realizou todos os exames solicitados pelo neurologista (ressonância magnética, tomografia computadorizada e eletromiografia facial), sendo então diagnosticado como portador de espasmos faciais idiopáticos. Tal fato combina-se ainda com perda parcial da visão do olho direito (lado sem espasmos), estimada pelo oftalmologista em 70%. No olho esquerdo, que possui travamento de pálpebra, a visão é de cerca de 70%.
Ao exame clínico, as queixas do paciente foram realmente comprovadas, com a existência de espasmos em toda a hemiface esquerda e face esquerda do pescoço, sem que ultrapassassem a linha média.
Foi proposto o tratamento com toxina botulínica do tipo A em todos os pontos de espasmos, sendo a dose por ponto de 2,5 u.
A toxina foi aplicada nos seguintes músculos da hemiface esquerda: corrugador do supercílio, frontal, orbicular dos olhos, levantador da pálpebra, nasal, levantador da asa do nariz e ângulo da boca, orbicular dos lábios, depressor do ângulo da boca, mentual, esternocleidomastóideo, platisma, zigomático maior, zigomático menor, risório e bucinador. Totalizando 75 u na aplicação e cerca de mais 10 u no retorno, após 15 dias.
Como consequência da aplicação na região dos olhos, o paciente apresentou-se com ptose palpebral, bem como na região dos lábios (Figuras 1 e 2). Esse fato não causou em nenhum momento desconforto ao paciente, sendo que o mesmo relatou que preferia ficar com as ptoses do que com os espasmos faciais.
De maneira espontânea, foi proposto pela clínica de atendimento do paciente que fosse realizado o levantamento da pálpebra e da sobrancelha, como tentativa de melhora no campo visual, sendo que ele aceitou a proposta.
Foi efetuada anestesia local e pontual com micro bolus de anestésico local (lidocaína a 2% + epinefrina 1:200.000), sendo utilizados 3 ml para anestesia de todo o trajeto do fio.
Após a anestesia local, foi realizado o ponto de acesso com agulha verde BD (30 x 8) e inserido o fio de PDO sculpt de 19 g, saindo da parte mais baixa da linha da sobrancelha em direção ao couro cabeludo, em uma trajetória diagonal. Após a passagem até o ponto final, a cânula foi removida, deixando o fio inserido. A mesma cânula, porém vazia (sem fio), foi reinserida no mesmo ponto de acesso, porém agora com uma trajetória diagonal mais curta e desviada para a região temporal.
Foi realizada a transfixação do tecido epitelial, expondo a ponta da cânula por completo. Em seguida, o canhão da cânula foi completamente removido e o resto do fio já inserido foi então passado por dentro da cânula até que sua ponta saísse pela ponta da cânula.
A seguir, a cânula foi removida, deixando o fio passado fazendo o formato de uma letra V deslocada para a esquerda, como se fosse um V “torto”.
Foi então realizada a tração do fio e, nesse momento, foi possível observar que a sobrancelha, bem como a pálpebra do paciente, sofreram grande elevação.
Essa técnica é muito utilizada para se obter o efeito de “fox-eyes”, em que se visa levantar e inclinar as sobrancelhas por motivação estética.
Imediatamente, o paciente relatou que sua visão havia melhorado muito e que seu campo visual havia aumentado.
Foi prescrito o uso de anti-inflamatório não esteroide – Arcoxia 90 mg, com posologia de 12 em 12 horas por cinco dias, para alívio do edema e dor local decorrentes do procedimento.
O resultado obtido com esse paciente evidencia que a combinação das duas técnicas (toxina botulínica para os espasmos faciais e fio de PDO para a ptose), visando o aspecto funcional da região orbicular dos olhos, pode ser de grande valia para outros casos similares.
Conclusão
Após a inserção do fio de PDO na região da pálpebra esquerda do paciente, concluiu-se que a terapia proposta proporciona bons resultados do ponto de vista estético e funcional.
Contudo, não realiza a cura do problema, mas sim uma melhoria no aspecto visual e na visão do paciente, contribuindo assim para aumentar sua qualidade de vida.
Os efeitos são limitados devido a questões como elasticidade da pele, quantidade de tecido para suspender e peso do tecido, bem como pela durabilidade do fio, que sofre um processo de absorção completa por hidrólise dentro do espaço de tempo compreendido entre seis meses e um ano.
Mesmo com as limitações apresentadas, pode-se concluir que o tratamento é viável, seguro e eficaz, promovendo melhoria estética e funcional.
Dr. Ben-Hur Amaral Broll Filho – Graduado em Odontologia, pela Universidade Nove de Julho e pós-graduado em Oncologia, pela Faculdade de Ciências da Saúde do Hospital Israelita Albert Einstein, com mestrado em Healthcare Management, pela Universidade de Miami.
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