Glândula pineal, ritmos circadianos e saúde

Os primeiros hominídeos surgiram na Terra há cerca de 5 milhões de anos. Isso foi possível pelo fato do nosso planeta ser o único que gira em torno do Sol posicionado em uma zona chamada “habitável”.

Para que exista vida é necessária a presença de água na forma líquida. Se estivéssemos um pouco mais longe do Sol, a água congelaria ou se estivéssemos um pouco mais afastados, ela viraria vapor. Nos dois casos, a vida tal qual a conhecemos hoje não seria possível.

Só por esse fato já podemos constatar a importância do Sol como o elemento regulador de todas as formas de vida do planeta, pois todas surgiram na e dependem da água.

Durante os períodos em que os seus raios, por diversos motivos, foram impedidos de alcançar a superfície do planeta, a vida desapareceu quase completamente, para ressurgir quando a insolação voltava ao normal.

Nossos corpos foram sendo adaptados e aprimorados durante esses milhões de anos, à medida que fomos aprendendo a usar os recursos disponíveis no ambiente.

Com a evolução da vida, desenvolveram-se e aprimoraram-se milhões de processos eletrobioquímicos, que vão desde aproveitar as moléculas minerais e orgânicas para construir nossa estrutura celular até aprender a usar a luz como sinalizador, o oxigênio do ar para queimar glicose e produzir energia e tantas outras maravilhas.

Não existem processos biológicos que não tenham por base um aproveitamento otimizado dos recursos do ambiente, quer sejam eles micro ou macrocósmicos.

Biologia da idade das cavernas

A era industrial revolucionou drasticamente a relação do homem com o seu habitat e isso foi há apenas 250 anos. Esse tempo foi suficiente para uma evolução exponencial da tecnologia, mas não representa nada perto dos cinco bilhões que foram necessários para adaptação biológica da nossa corporalidade.

Decorre daí que atualmente somos seres impulsionados por uma mente quase cibernética, mas habitamos em  corpos que nascem, com exceção do cérebro, que evoluiu um pouquinho, exatamente com os mesmos equipamentos de sobrevivência dos primeiros hominídeos, que tinham como únicas tarefas correr diariamente atrás do seu alimento, encontrar um lugar protegido para se abrigar durante o repouso ou nos dias frios e lidar com o estresse pontual de proteger a si mesmo e ao grupo de eventuais predadores.

Quer gostemos, quer não, a nossa biologia ainda é a mesma da idade das cavernas e programada para viver de forma dependente dos inputs ambientais.

E quando nos aprofundamos na compreensão da fisiologia humana a partir dessa ótica, vamos perceber que praticamente todos os fenômenos biológicos seguem determinados ritmos, alguns mais evidentes, outros mais sutis, uns mais curtos, outros mais longos.

Cronobiologia e ritmos circadianos

Os ritmos do corpo que se repetem no período de um dia, ou seja, no tempo que a Terra leva para girar em torno do seu próprio eixo, determinando a duração dos dias e das noites, são denominados como ritmos circadianos ou “ao redor do dia”.

A medicina tradicional chinesa descreveu, há cinco mil anos, uma sequência de atuação dos doze sistemas reguladores do corpo humano e definiu uma mudança de padrão de influência a cada duas horas para cada um desses doze sistemas.

Mais recentemente, com início no século XIX e grande avanço no século XX, surgiu o interesse pela cronobiologia, que abrange estudos sobre os ritmos biológicos de todos os seres vivos e como alterações nesse processo podem influenciar sua saúde e seu desempenho.

Desses estudos surgiram termos como relógio biológico, cronopatologia e cronoterapêutica, entre outros.

As substâncias sinalizadoras fisiológicas que marcam esse ritmo são  principalmente os hormônios, cuja principal característica é a aptidão para circular e atuar em todo o corpo e não apenas no órgão em que foram produzidos.

Os hormônios funcionam como uma grande orquestra, harmonizando e equilibrando as funções diárias de performance, que gastam muita energia, e as funções de reparo, que a recuperam no mesmo ritmo.

Para falar dessa orquestra, temos de iniciar apresentando uma glândula que infelizmente é pouco conhecida e lamentavelmente muito castigada e que tem uma importância capital para a nossa saúde, por ser a grande maestrina que rege essa complexa orquestra de mais de cinquenta hormônios que circulam pelo nosso corpo, desempenhando funções de metabolismo, crescimento, reprodução, reparo e restauro, entre outras.

Se você ainda não descobriu quem é essa rainha, saiba que estamos falando sobre a epífise ou pineal.

E o que tem isso a ver com toda a história de ritmos, raios solares e tempos das cavernas? Simples: essa glândula, que rege todas as outras, preparou-se durante milhões de anos para uma dança diária com o rei Sol.

Como uma boa parceira, aprendeu a se deixar conduzir (quem dança sabe o que é isso), completamente regulada pela presença ou ausência da luz do Sol. Até que veio a luz elétrica e então…

Glândula pineal e melatonina

A pineal é uma glândula pouco mencionada, mas que tem um papel fundamental na harmonia da orquestra metabólica do organismo.

Ela executa funções ligadas aos mecanismos de restauro e reparação dos danos e resíduos deixados pelas atividades do dia, bem como da interação equilibrada entre os sistemas neuro/endócrino/reprodutivo e imunológico, tendo como principal sinalizador uma molécula chamada melatonina.

A tarefa que ela executa requer uma grande sensibilidade à constante flutuação da nossa homeostase (leia-se estado de saúde). Isso envolve tarefas importantíssimas, tais como antioxidantes, reguladoras da inflamação, anti-hipertensivas, antitrombóticas e antilipidêmicas, entre outras.

Por exercer essa vigilância permanente e complexa, ela é uma das estruturas que mais trabalham no decorrer do dia e por isso necessita de um período para descanso e recuperação da vitalidade das suas células.

A melatonina é responsável também por essa função de reparo da própria glândula. Diferentemente do que muitos imaginam, a melatonina não serve apenas para nos ajudar a dormir, mas também, e principalmente, para sinalizar para a pineal que ela mesma já pode descansar.

Esse descanso foi programado pela natureza para acontecer entre zero e quatro horas da manhã, durante a escuridão da noite, talvez porque no decorrer da evolução os nossos maiores predadores também estivessem em repouso nesse momento.

Assim, a sua produção é suprimida enquanto houver luz no ambiente e passa a acontecer quando o cérebro deixa de receber os estímulos luminosos que são captados e armazenados (por até duas horas depois que as luzes se apagam!) pela retina.

Obedecendo a esse ritmo circadiano, nossa fisiologia prepara-se para iniciar a produção de melatonina a partir das 20 horas e vai aumentando-a gradativamente, até atingir um pico máximo em torno da meia noite.

Esse pico é indispensável para apoiar o repouso da pineal, que deve acontecer por pelo menos três a quatro horas, entre 0 e 4 horas da manhã. A falta desse repouso irá aos poucos exaurir essa glândula.

Quando a pineal atinge o estado de exaustão, suas células começam a se calcificar ou reduzir seu número, causando queda da produção de melatonina e consequente perda da sincronização entre os sistemas neuro/endócrino/metabólico e imunológico, que resultará em um profundo declínio nos processos de produção e regulação da energia orgânica e, portanto, de todo o metabolismo.

Quando a perda de pinealócitos atingir um ponto significativo, esse processo torna-se irreversível e certamente acelerará o processo de envelhecimento orgânico e o declínio de todas as funções fisiológicas.

Infelizmente, os procedimentos estéticos externos podem disfarçar a ação do tempo, mas eles não chegam no nível celular…

Estilo de vida e saúde

Conhecer a importância dessa pequena glândula para a manutenção da nossa fisiologia e saúde é fundamental para aqueles que estejam interessados em criar ou manter hábitos de vida que sejam compatíveis com esse propósito.

O estilo e os ritmos da vida moderna são cada vez mais incompatíveis com a preservação dessa pequena mas magnífica estrutura.

Poucas pessoas hoje em dia conseguem ser coerentes com tudo aquilo que a natureza programou para a manutenção da nossa vitalidade e saúde, que envolve boa alimentação, atividade física regular, ações para manejo do estresse e principalmente sono reparador.

É fato que certos eventos nas nossas vidas escapam ao nosso controle, mas hábitos simples (simples pode não ser sinônimo de fáceis), como ajuste dos horários e da quantidade de uso de telas, redução da iluminação nas casas após o pôr-do-sol e bloqueio total da luz nos locais de sono, horários de adormecer e acordar (as aves ainda sabem fazer isso), horários e constância para uma atividade física leve e alimentação em quantidade, qualidade e horários adequados, entre outros que o senso comum já domina, podem ter um impacto magnífico e muito mais profundo na nossa saúde do que a maioria das pessoas pode imaginar.


Dra. Rita de Cassia Lopes Rossini Rahme – Médica, especialista em pediatria pela AMB – Associação Médica Brasileira, pós-graduada em Homeopatia, Medicina Tradicional Chinesa, Fitoterapia Clínica e Medicina Integrativa, docente de Terapia Familiar Sistêmica e de Medicina Antroposófica, Presidente da Associação Brasileira de Medicina Antroposófica, no biênio de 2009/2011 e Membro do Conselho Curador da Fundação ACL e da diretoria da AMBBDORT.