Longevidade autêntica: como viver com felicidade e bem-estar?

Uma das principais perguntas que recebo é: “quando ir ao geriatra?” E respondo: “eu fui com 13 anos”.

Acredito que podemos viver e não só sobreviver. Claro que a pessoa não precisa ir ao geriatra com 13 anos, mas por que não se amar e se cuidar em qualquer idade (mesmo que ache que seja cedo ou tarde demais)?

Afinal, nós começamos a envelhecer a partir do momento que passamos a existir, mesmo que esse processo se acentue principalmente depois dos 30 anos de idade. Por isso, precisamos nos cuidar ao longo de toda a vida. Se deixarmos para depois dos 60 ou 80 anos, já podemos ter perdido grande parte de nossa reserva funcional. Mas nunca é tarde.

Como médica, fui ensinada a cuidar da doença, mas como geriatra sou uma especialista em sutileza e complexidade, como diria Hazzard.

Envelhecimento é de fato uma ciência complexa. O processo de senescência é o desgaste natural do nosso corpo ao longo do tempo. E com ele vêm as alterações normais do envelhecimento, com diminuição da capacidade de homeostase. Ainda que aumente a chance de ter doenças, essas não são normais do envelhecimento em si e sim da senilidade.

Para exemplificar: 35% dos fatores de risco de demência são potencialmente preveníveis. Não só pelas doenças que aparecem mais tardiamente, como hipertensão e diabetes, mas também por condições que se desenvolvem na meia-idade, como perda auditiva, que responde por 9% das causas potencialmente modificáveis. Há ainda fatores que, apesar de se situarem no início da vida, podem ter grande impacto na chance de desenvolver demência, como a baixa educação, que corresponde a 8%.(1)

Sempre me incomodou a ideia de cuidar só de doenças, porque parece que se está enxugando gelo. De fato, concordo com Path Adams quando diz que “ao cuidar de uma doença, você pode ganhar ou perder. Ao cuidar de uma pessoa, você sempre ganha!”.

Por isso, acredito que a união da geriatria com a medicina integrativa é o casamento perfeito. Eu sempre soube que queria cuidar da pessoa como um todo ao longo da vida, mas não sabia o nome disso.

Desde a faculdade, participava de todas as extensões acadêmicas que envolvessem humanização, mas no internato e na residência me vi no automático de plantões, perdendo conexão com meu propósito.

O estopim aconteceu quando um senhor foi internado na terapia intensiva para fazer um exame invasivo de um câncer avançado com prognóstico reservado. Não pude aceitar aquela situação, pois sabia que devia existir uma forma de cuidar pelo lado positivo, o da saúde, bem-estar e felicidade. Foi pesquisando alternativas para esse senhor frágil que descobri o termo medicina e saúde integrativa.

Ao me aprofundar no cuidado integral, descobri que mais importante do “o que” você faz, é o “como” e “por que” você faz.

Três níveis de cuidado integrativo

A segunda pergunta que mais ouço é: “quais práticas funcionam para a longevidade?” Acho que é válido discutir sobre as evidências de práticas integrativas na geriatria, mas esse é apenas o nível mais superficial de cuidado e, por si só, não é integrativo, é complementar.

A Duke University fez uma proposta de três níveis de cuidado na Roda da Saúde Integrativa(2), descritos a seguir.

1 – Prevenção e intervenção com abordagem profissional em medicina convencional e complementar.

2 – Estilo de vida com movimento, descanso, nutrição, desenvolvimento pessoal e profissional, relacionamentos e comunicação, espiritualidade e conexão entre mente e corpo.

3 – Você com atenção plena e autoconsciência.

Cerca de 15% a 40% dos idosos usam práticas integrativas e complementares, mas 67% deles não avisam seus médicos sobre isso. O motivo: 40% dizem que o médico não perguntou. As principais práticas usadas por idosos em cuidados paliativos, mas também no geral, são(3): produtos naturais (ervas, vitaminas, probióticos), práticas mente e corpo (acupuntura, massagem, meditação, práticas corporais – tai chi chuan, Qi gong, yoga) e outras (medicina ayurvédica, medicina tradicional chinesa, homeopatia, naturopatia).

Vêm crescendo também as aplicações em saúde mental, especialmente com o uso de práticas mente e corpo, dieta e suplementos nutricionais. Os benefícios não são só na melhora do humor, mas também na parte cognitiva.(4)

A medicina integrativa muitas vezes é vista como uma melhor opção do que só a medicina convencional justamente por incluir meios mais naturais de cuidado. Mas vale ressaltar que os produtos naturais, por exemplo, não são isentos de efeitos colaterais ou interações medicamentosas, como o chá verde que pode interagir com anticoagulantes.(5)

Dentro da promoção e prevenção de envelhecimento saudável está de fato a recomendação de evitar a polifarmácia, mesmo com o uso de produtos naturais.

Além disso, nessa parte de promoção à saúde há evidências de(5) que restrição calórica e jejum intermitente feitos com segurança podem diminuir a incidência de doenças crônicas, como câncer, em indivíduos com sobrepeso. Alguns estudos in vitro sugerem haver também aumento da expectativa de vida.

Nesse mesmo sentido, estão as atividades físicas com abordagem holística do movimento, com combinação de treino de força e resistência, as atividades aeróbicas, os exercícios de equilíbrio, os exercícios em grupo, assim como o uso de práticas integrativas, como yoga, tai chi chuan e Qi gong. Não só melhoram a funcionalidade, mas também reduzem dor, previnem quedas, melhoram o bem-estar e diminuem ansiedade, depressão e risco de demência.

Somam-se aos dois fatores citados acima, as práticas de conexão entre mente e corpo, como meditação, yoga, Qi gong, tai chi chuan, relaxamento progressivo e biofeedback, que podem proporcionar benefícios na aprendizagem, memória, regulação emocional, processamento autorreferencial e tomada de perspectiva, melhora de humor e redução de ansiedade.

Outros cuidados como minimizar a exposição a substâncias tóxicas, fazer rastreamento com exames, manter a vacinação em dia e ter modelos de cuidado interdisciplinares também fazem parte da promoção de envelhecimento saudável integrativo.(5)

Agora, o que pouca gente fala é sobre o terceiro nível da Roda da Saúde Integrativa: você. E, com relação a esse nível, gosto de pensar didaticamente que podemos nos profundar em mais outros três níveis, que correspondem à nossa mente, corpo e espírito e que também podem ser interpretados como três inteligências.

A inteligência racional é importante para que possamos tomar decisões lógicas para nosso cuidado. Mas a inteligência emocional é tão importante quanto. Daniel Goleman mostra como “as emoções nocivas são tão danosas para nossa saúde física quanto fumar desbragadamente e como o equilíbrio emocional preserva a nossa saúde e bem-estar”.(6)

E, por fim, temos a inteligência espiritual, que está ligada à conexão que temos com nós mesmos e com algo maior, assim como à nossa capacidade de sermos criativos, flexíveis e resilientes. Mais do que termos doenças físicas ou emocionais, muitas vezes estamos doentes de espírito. Infelizmente, a crise de falta de sentido da vida é básica em nossa época.(7)

Ao longo da minha experiência prática, descobri que o sofrimento é perpetuado com os pensamentos negativos, a baixa autoestima e a autocrítica severa. E isso faz a pessoa ficar paralisada ou simplesmente viver no automático e aumenta a chance de ter uma vida sem propósito, o que leva a uma longevidade doente.

Não queremos só envelhecer, queremos florescer

Muita gente acha que no envelhecimento tudo tende a piorar. É verdade que acontece uma queda natural da funcionalidade, mas há uma coisa que tem o potencial de aumentar ao longo da vida toda, a sabedoria.

A busca contínua por autoconhecimento e pelo sentido da vida está relacionada com o desenvolvimento do psiquismo e a superação dos desafios naturais da existência. Esse amadurecimento acontece com o esforço pessoal pelo aumento da autoconsciência. Com o envelhecimento psíquico, há a redução da vulnerabilidade, pois a pessoa torna-se sábia para aceitar a realidade e adaptar-se às situações.(8)

Nas aulas que ministro, fiz uma pergunta para mais de 200 pessoas: “quem você quer ser quando envelhecer?”. A maioria respondeu: feliz, saudável, ativa, realizada.

Em psicologia positiva, existe a teoria da felicidade autêntica, que possui três pilares: emoção positiva, engajamento e sentido. Mas com o passar dos estudos, Martin Seligman começou a entender que a felicidade é um estado almejado de satisfação que não responde por tudo o que verdadeiramente procuramos na vida. E, com isso, expandiu o conceito da felicidade ao bem-estar com a teoria do florescimento, que inclui não só “o que”, mas o “como” e o “porquê”, associando mais dois pilares: relacionamentos positivos e realização.(9)

Acredito que a forma pela qual fazemos a busca da felicidade e do bem-estar ao longo da vida é o maior segredo do envelhecimento saudável. Mais do que só incluir as práticas integrativas e o estilo de vida, é desenvolver a sabedoria e o autoconhecimento a partir do florescimento. Isso pode ser feito de forma bondosa, com base no autocuidado, pois o ser humano procura sucesso para ser feliz, mas a verdadeira felicidade é, como gosto de dizer, “ser inteiro pela metade”, isto é, ter a coragem de ser imperfeito com um equilíbrio sutil e dinâmico (como o yin e yang) e de acolher e encorajar, para que você possa se motivar com gentileza.(10)

Após unir os conceitos de saúde integrativa, longevidade, felicidade, bem-estar, florescimento e autocompaixão, pensei no conceito de LONGEVIDADE AUTÊNTICA, como uma forma de viver mais leve através do ciclo de autocuidado, cuidar e ser cuidado.

Separei a longevidade autêntica em três polos com equilíbrio de dois opostos cada e todos unidos pelo ciclo do cuidado, como mostra a Figura 1.

1 – Autonomia (ser proativo) vs. interdependência (pedir ajuda e ajudar).

2 – Engajamento (compartilhar desejos e desafios) vs. contemplação (permitir não se apegar ou ter aversão).

3 – Pertencimento (sentir-se parte de você mesmo, de grupos e do ambiente) vs. impermanência (saber que tudo muda, aceitar e adaptar-se).

Geriatria integrativa - envelhecimento saudável
Figura 1 – LONGEVIDADE AUTÊNTICA. Conceito desenvolvido pela Dra. Priscilla Fiorelli, a partir dos conceitos de saúde integrativa, longevidade, felicidade, bem-estar, florescimento e autocompaixão.

A partir desse conceito, venho fazendo projetos de educação e assistência voltados à promoção do envelhecimento saudável, com programas de cuidado, grupos e rodas de conversa.

Talvez você queira saber por que fui ao geriatra com 13 anos. Eu tinha dores pelo corpo, passei por diversos especialistas, como ortopedista, reumatologista e psiquiatra e cada um deles me deu um diagnóstico, exame e receita, mas nada funcionou. Fui ao geriatra e ele me escutou, me acolheu e falou uma coisa óbvia e simples, mas que precisa ser dita: “você precisa se cuidar”. Foi aí que comecei meu autocuidado, com atividade física, alimentação, desenvolvimento pessoal, espiritualidade e outros que mantenho aprimorando a cada dia.

Por isso, a pergunta não é quando você deve ir ao geriatra, a pergunta é: “quando você vai começar a viver a sua longevidade autêntica?”


Dra. Priscilla Fiorelli – Médica geriatra com abordagem integrativa, coordenadora do Curso de Pós-graduação em Bases da Saúde Integrativa e Bem-Estar do Hospital Israelita Albert Einstein, graduada pela Faculdade de Medicina da USP, com residência médica em Clínica Geral e Geriatria no Hospital das Clínicas da FMUSP, especialista em acupuntura pelo Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura e formada em Self & Professional Coaching pelo Instituto Brasileiro de Coaching.

 

Fontes

1 – Livingston, G. S. A., Orgeta, V., Costafreda. S. G., Huntley, J., Ames. D., Ballard, C., Banerjee. S., Burns, A., Cohen-Mansfield, J., Cooper, C., Fox, N., Gitlin, L. N., Howard, R., Kales, H. C., Larson, E. B., Ritchie, K., Rockwood, K., Sampson, E. L., Samus, Q., Schneider, L. S., Selbaek, G., Teri, L., Mukadam, N. Dementia prevention, intervention, and care. Lancet. 2017 Dec 16;390(10113):2673-2734. doi: 10.1016/S0140-6736(17)31363-6. Epub 2017 Jul 20. PMID: 28735855.

2 – Medicine DI. Wheel of Health.

3 – Kogan, M., Cheng, S., Rao, S., DeMocker, S., Koroma Nelson, M. Integrative Medicine for Geriatric and Palliative Care. Medical Clinics of North America. 2017;101(5):1005-29.

4 – Nguyen, S. A. Emerging Complementary and Integrative Therapies for Geriatric Mental Health. Curr Treat Options Psychiatry. 2020 Sep 1:1-24.

5 – Mikhail Kogan, M., Aboim, R. C. S. T. Integrative Geriatric Medicine (Weil Integrative Medicine Library). Edição do Kindle. Ed. Oxford University Press.

6 – Goleman, D. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente . Edição do Kindle. Ed: Objetiva.

7 – Zohar, D, Marshall, I. QS: Inteligência espiritual. Edição do Kindle. Ed: Edições Viva Livros.

8 – Moraes, E. N. Processo de envelhecimento e bases da avaliação multidimensional do idoso. Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa. Página 151 – 75.

9 – Seligman, M. E. P. Florescer. Edição do Kindle. Ed: Objetiva.

10 – Germer, C., Neff, K. Teaching the Mindful Self-Compassion Program. Edição do Kindle. Ed: Guilford Publications.