Evoluir é um processo contínuo e inevitável, mesmo quando parece que estagnamos ou retrocedemos. Em determinadas épocas superamos adversidades, desenvolvemos curas para doenças até então incuráveis, ao mesmo tempo em que surgem novas enfermidades. A tecnologia avança em ritmo acelerado, facilitando a vida do ser humano em certos aspectos, mas trazendo entraves em outros. De um lado, as coisas tornando-se mais práticas e dinâmicas. De outro lado, o sedentarismo, a obesidade e a depressão crescendo de forma alarmante.
Porém, evoluir é apenas seguir em frente? A medicina moderna vem reconhecendo cada vez mais a importância das medicinas antigas, principalmente as orientais. Olhando para o passado, descobrindo que muitas vezes a simplicidade é uma forma sofisticada de sabedoria. O homem moderno vem se conscientizando sobre coisas que com o passar do tempo haviam sido esquecidas ou ignoradas, percebendo que preciosos saberes foram deixados de lado. E assim, vamos retornando, olhando para trás, em busca de nossas raízes, buscando inspiração, vendo quanto avanço e sofisticação estão contidos no passado.
Antiga arte de cura para o homem moderno
Uma antiga arte de cura do oriente vem cativando e conquistando cada vez mais pessoas fora do seu país de origem, a Tailândia. Fascinando profissionais da área pelos resultados obtidos e surpreendendo por parecer que conceitos modernos em terapia manual já se encontram presentes numa técnica com mais de 2.500 anos. Vem também agradando o público em geral, por atender às necessidades de qualquer tipo de pessoa, desde atletas de alto nível, pessoas em reabilitação, gestantes, idosos, até pessoas com necessidades especiais.
Conhecida como massagem thai, essa terapia é uma incrível ferramenta de cura e autoconhecimento, capaz de acompanhar e suprir as carências e desconexões causadas por um desenvolvimento desenfreado. A massagem thai promove uma reconexão entre corpo e mente, entre o ser humano e o meio que o cerca. Uma respiração livre e natural, um corpo que se movimenta com fluidez, uma mente serena, um coração tranquilo, tudo isso o terapeuta
transmite por meio de um trabalho consciente, com um “toque meditativo”.
Origem e desenvolvimento
Surgida há mais de 2.500 anos, as origens da massagem thai remontam à época do Buda Sidharta Gautama. De acordo com a tradição, essa prática foi concebida por um médico que fazia parte da Sangha (comunidade de adeptos que seguiam o Buda), o Dr. Jivaka Komarabhacca, ou como é conhecido na Tailândia, Dr. Shivago Komarpaj. Embora pouco citado nas escrituras budistas, os tailandeses o veneram como o Pai da Medicina.
Apesar de ter raízes na Índia, a massagem thai teve seu “despertar” na Tailândia. Pois foi lá que ela se consolidou como um dos principais elementos de sua medicina. Com a migração de monges indianos para o território tailandês, não só a doutrina budista foi levada, mas também um vasto conhecimento sobre a utilização de ervas, exercícios para a manutenção da saúde, práticas meditativas e o uso de técnicas manipulativas, alongamentos e massagens.
Devido à sua origem, é fácil conceber a influência de conceitos budistas e de elementos da medicina ayurvédica na massagem thai. Também é fácil compreender as influências da medicina tradicional chinesa, já que o povo tailandês tem suas raízes na China. Porém, apesar de tantas influências externas, a medicina tradicional tailandesa, e consequentemente a massagem thai, foi se desenvolvendo de acordo com o contexto cultural e social do país, apresentando aspectos distintos de outras medicinas tradicionais do oriente.
Características
A massagem thai é realizada no solo, sobre um colchonete ou tatame, o que permite o melhor uso de alavancas e do peso corporal do terapeuta, ao invés da força muscular na aplicação de diversas manobras. Isso também oferece mais facilidade e segurança ao terapeuta para atender pessoas de diferentes constituições físicas.
Conforme citado, a massagem thai possui grandes influências da medicina ayurvédica e da medicina tradicional chinesa, além de elementos próprios da medicina tradicional tailandesa. A massagem thai também é carinhosamente apelidada de “yoga do preguiçoso”, pelo fato de muitas manobras serem baseadas em posturas de yoga, parecendo uma forma de yoga passiva.
Outra característica importante é o fato de que para recebê-la a pessoa permanece vestida. Talvez, isso se deva ao fato de inicialmente a massagem thai ter sido aplicada apenas por monges nos templos budistas. Mesmo que aos poucos essa prática tenha sido incorporada no contexto cultural do país, passando a ser aplicada entre familiares, em hospitais, em escolas e, hoje em dia, até em barracas e feiras de rua. E esse fator oferece uma singular e fascinante abordagem em sua aplicação.
O fato de não se usar óleos e cremes, além do uso de roupas, impossibilita certas manobras que são muito utilizadas em diversas terapias. Com isso, novas formas de aplicações do toque terapêutico foram desenvolvidas. E antes de entender melhor isso, é preciso esclarecer algo muito importante: a massagem thai não é uma MASSAGEM.
Massagem: ser ou não ser?
A massagem thai é uma massagem sim, mas não apenas. Pode-se dizer também que é uma terapia de reorganização da estrutura e manutenção das funções do organismo. Só que existem outros aspectos, dentro de um contexto muito mais amplo.
A thai massage, ou traduzindo para o português, massagem thai, é chamada em tailandês de “nuad bo rarn”. E sua tradução literal vai muito além de “massagem tailandesa”. Em uma tradução livre e abrangente, seria algo como “o toque com o propósito de cura”. E não é apenas uma questão de tradução, interpretação ou linguística.
A massagem tradicional thai não se refere simplesmente a uma técnica de massagem, mas a um conjunto de técnicas manuais para a manutenção da saúde física, mental e energética. De modo que abarca todos os aspectos associados ao toque. Contudo, esse toque com o propósito de cura não se restringe apenas ao sentido tátil, físico e corporal. Envolvendo mais do que somente a manipulação das estruturas físicas.
As antigas medicinas sempre consideraram o corpo físico como um aspecto, uma faceta de um conjunto maior. E dentro da medicina tradicional tailandesa isso não é diferente. Consciente de como emoções e pensamentos, além de fatores como clima, alimentação e estilo de vida, afetam a saúde do corpo físico. E na massagem thai existe uma atenção muito especial sobre o caminho inverso. Referente a como aspectos físicos afetam a saúde emocional, a saúde mental e a vida ao redor.
Essa visão exige um toque muito cuidadoso e consciente. Não são apenas músculos, ossos, ligamentos e tendões que são tocados e manipulados. É um corpo que contém um amplo histórico. Passado, presente e futuro circundam essas estruturas físicas. Os traumas e mágoas do passado, as tensões geradas no presente e as expectativas em relação ao amanhã. Somam-se a tudo isso conflitos internos e externos, em relação aos outros e ao meio em que se vive.
Ritmo e fluidez
Um atendimento de massagem thai costuma durar em média uma hora e meia, chegando facilmente a duas horas, conforme a disponibilidade de tempo e objetivos da sessão. Não é difícil de encontrar na Tailândia lugares oferecendo três horas de massagem. No entanto, é possível realizar um bom atendimento e alcançar ótimos resultados mesmo com apenas uma hora de sessão. O fator tempo não é determinante para bons resultados, o principal elemento é a qualidade do toque.
É muito importante saber selecionar do vasto repertório que a massagem thai oferece, quais movimentos são mais adequados para aquele caso, para aquela pessoa, para aquele momento. Embora existam sequências tradicionais, não há um protocolo rígido, o que requer do terapeuta uma coerência e sensibilidade para desenvolver e conduzir uma sequência. E isso se alcança com o tempo e através de muito prática.
Na massagem thai os movimentos são realizados num ritmo lento e cadenciado. Então é preferível a execução de poucos movimentos, mas que sejam conduzidos numa cadência ritmada, ao invés de muitos movimentos realizados de forma rápida. Aparentemente, esse é o motivo de uma sessão de massagem thai levar mais tempo do que geralmente levam outras terapias. Na verdade, esse trabalho vagaroso é o coração da massagem thai.
Para quem recebe, esse ritmo lento induz a um profundo estado de relaxamento. O que permite um trabalho com profundidade, sem desconforto ou dor. Quanto mais a pessoa relaxa, mais receptivos se tornam os tecidos manipulados, evitando contrações e espasmos musculares. Essa abordagem também atua nas condições psicológicas e emocionais. Com o relaxamento induzido, o ritmo cardiorrespiratório e o fluxo de pensamentos tendem a diminuir, equilibrando estados exacerbados causados pelo estresse emocional e tensões mentais a que estamos todos sujeitos.
Para o terapeuta, esse ritmo vagaroso permite que ele realize longas sessões sem desgastes, durante e após o atendimento. Lembrando que a massagem thai é realizada no solo. Desenvolver todo o trabalho de forma lenta e ritmada, mantendo a fluidez e a precisão na execução, é fundamental para preservar a integridade do praticante e para atingir todos os potenciais benefícios da terapia em todas as camadas que constituem o ser humano.
Toque meditativo
O relaxamento não é uma consequência na massagem thai, é uma condição básica para a sua realização. A forma como o praticante atinge essa condição é bem simples, basta que ele esteja num estado meditativo. Sem nenhuma conotação mística ou subjetiva, em sua essência mais pura, a meditação representa o “estar presente, aqui e agora”.
Na prática isso não é tão simples. Principalmente com a tendência que temos em transitar por diversos pensamentos, flutuando entre passado e futuro, mágoas, culpas e expectativas. Mesmo quando estamos em atividade, realizando até várias coisas ao mesmo tempo, nossa mente tende a ignorar o presente. Então, a massagem thai surge como uma forma de meditação, ativa para quem aplica e passiva para quem recebe.
O jeito mais fácil de estarmos presentes é prestando atenção na respiração. Atenção, sem tensão, apenas observando, buscando a consciência sobre a beleza do ato de respirar. O ar que entra, o ar que sai, percebendo como nosso corpo se comporta, quais partes do corpo estão envolvidas no inspirar e no expirar. E ao longo desse processo podemos observar uma torrente de pensamentos, sobre o ontem, o amanhã, coisas importantes, coisas supérfluas. Emoções e sentimentos submergem, coisas boas, coisas não tão agradáveis.
Tudo isso é muito bonito, mas você só estava querendo tratar sua dor lombar… Não se preocupe, você não precisa ser adepto, praticar ou ter qualquer interesse em meditação. Quando dores físicas incomodam, questões psicológicas e emocionais atrapalham, essas são as prioridades. E se nesses momentos a meditação fosse também apropriada?
Para o praticante de massagem thai não existe uma desassociação entre terapia e meditação. Contudo, toda essa abordagem em relação à meditação é transmitida através do toque. Para que o terapeuta possa estar presente por uma hora, uma hora e meia ou duas horas, ele precisa estar no aqui e agora. E essa é mais uma das funções do trabalho lento e ritmado. Consciente de sua respiração, trazendo a presença no toque, ele vai aos poucos transmitindo isso para a outra pessoa. O toque meditativo serve para que a pessoa que recebe a massagem entre no mesmo estado meditativo que o terapeuta. Uma indução que respeita o tempo de cada indivíduo, sem forçar. E isso pode levar várias sessões. E durante esse processo, o físico, o mental, o emocional e o energético vão sendo equilibrados.
JP Paixão – Terapeuta e professor de massagem tradicional thai. Unindo técnica e sensibilidade, aborda a massagem thai como uma poderosa terapia de cura e uma fascinante arte para o autodesenvolvimento.