Atualmente, o coronavírus 2 da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-CoV-2), antes conhecido como 2019-nCoV, o patógeno causador da Doença de Coronavírus 2019 (COVID-19), espalhou-se rapidamente pela China e ao redor do mundo, causando um surto de doença aguda com pneumonia infecciosa.
Os pacientes com COVID-19 apresentam sintomas respiratórios típicos, como tosse, febre e lesão pulmonar, e alguns outros sintomas, como fadiga, mialgia e diarreia.
Não estão disponíveis medicamentos ou vacinas antivírus específicos para o tratamento dessa doença súbita e letal. Os cuidados de suporte e o tratamento inespecífico para melhorar os sintomas do paciente são as únicas opções aplicáveis no momento. No topo dessas terapias convencionais, mais de 85% dos pacientes infectados na China estão recebendo tratamento com medicina tradicional chinesa (MTC).
Surto de SARS em 2002
A aplicação da medicina tradicional chinesa no tratamento da SARS-CoV-2 é amplamente inspirada no tratamento da SARS causada pelo surto de coronavírus SARS (SARS-CoV), no final de 2002, na província de Guangdong, na China, que se espalhou rapidamente durante o ano de 2003, com mais de 8.000 casos em todo o mundo.
Existem evidências bastante convincentes que apoiam a noção de que a MTC tem efeito benéfico no tratamento ou prevenção da SARS. Por exemplo: a taxa de fatalidade em Hong Kong e Singapura foi de aproximadamente 18%, enquanto que a taxa em Pequim foi inicialmente superior a 52%, diminuindo gradualmente para 4% – 1% após o uso da MTC.
Acredita-se que a letalidade reduzida em Pequim estivesse associada com o uso da medicina tradicional chinesa como suplemento para a terapia convencional.
Em um estudo realizado na China, foi verificado que, durante o surto de SARS, 1.063 voluntários, incluindo 926 funcionários de hospitais e 37 técnicos que trabalham em laboratórios de vírus de alto risco, usaram os extratos herbais Sang Ju Yin e Yu Ping Feng San. Enquanto o índice de infecção no grupo de controle foi de 0,4%, nenhum dos usuários de MTC se infectou.
Além disso, havia algumas evidências de que Sang Ju Yin e Yu Ping Feng San poderiam modular células T de maneira a aumentar a capacidade de defesa do hospedeiro. Em um estudo clínico controlado, o tratamento suplementar com MTC resultou em melhora acentuada dos sintomas e encurtou o curso da doença.
Estudos laboratoriais
O efeito clínico benéfico da medicina tradicional chinesa parece ser apoiado por estudos de laboratório. Uma pesquisa publicada em The Lancet relatou que a glicirrizina, uma das principais raízes de alcaçuz, inibiu potentemente a replicação de isolados clínicos do vírus SARS.
Outro estudo independente confirmou a atividade antiviral da glicirrizina por meio de ensaios de redução de placa bacteriana. Esse estudo constatou ainda que outro composto herbal chinês, o baicalin, também apresentava atividade anti-SARS.
Revisões sistemáticas em oito ensaios clínicos randomizados concluíram que, em combinação com a medicina convencional, a medicina tradicional chinesa mostrou efeitos benéficos, como diminuição da mortalidade e alívio dos sintomas, bem como controle de infecções fúngicas em pacientes com SARS.
Outro estudo analisou 90 artigos revisados por pares e concluiu que a MTC usada em conjunto com o tratamento convencional teve alguns efeitos positivos, incluindo melhor controle da febre e eliminação mais rápida da infecção e de outros sintomas.
Foi demonstrado em estudos que os extratos de Kang Du Bu Fei Tang, Sinomenium acutum, Coriolus versicolor e Ganoderma lucidum inibiram o SARS-CoV.
Outros estudos mostraram que o ginsenosídeo-Rb1 isolado do Panax ginseng, aescina isolada do castanheiro, reserpina contida no gênero Rauwolfia e extratos de eucalipto e Lonicera japonica inibiram a replicação do SARS-CoV em concentrações não tóxicas.
Respostas inflamatórias são atribuíveis à morte de pacientes com infecção por SARS-CoV, MERS-CoV ou COVID-19. Assim, agentes anti-inflamatórios poderiam reduzir a taxa de gravidade e mortalidade, como Shuang Huang Lian, um produto herbal preparado a partir de Lonicerae japonicae Flos, Scutellariae radix e Fructus Forsythiae, que supostamente tem a atividade de inibir a SARS-CoV-2. De acordo com estudos, esse produto à base de plantas demonstrou reduzir os níveis de transcrição e tradução de citocinas inflamatórias TNF-α, IL-1β e IL-6 em macrófagos alveolares murinos estimulados por lipopolissacarídeos.
A indirrubina é um ingrediente ativo da preparação Dang Gui Long Hui Pill, queteve fortes efeitos antivirais e imunomoduladores.
A cápsula de Lian Hua Qing Wen foi relatada como tendo ação na inibição da propagação de vários vírus influenza. Esse produto à base de plantas da MTC não apenas bloqueou os estágios iniciais da infecção pelo vírus influenza, mas também inibiu a expressão gênica induzida por vírus de IL-6, IL-8, TNF-a, IP-10 e MCP-1.
Um estudo mostrou que a administração das fórmulas fitoterápicas Sang Ju Yin e Yu Ping Feng San podem ter efeitos imunomoduladores benéficos para a prevenção de infecções virais, incluindo SARS-CoV.
Extratos de Lycoris radiata, Artemisia annua, Pyrrosia lingua e Lindera possuem atividade anti-SARS-CoV. 3β-Friedelanol isolado de Euphorbia neriifolia e Blancoxanthone isolado das raízes de Calophyllum blancoi apresentaram atividade anti-HCoV- 229E em estudos.
Pesquisas realizadas na China verificaram os efeitos de preparados à base de plantas, como a fórmula Xin Guan-1, fórmula Xin Guan-2 e Qing Yi-4.
Recomendações da OMS para COVID-19
A OMS (Organização Mundial de Saúde) recomenda o uso de alguns fitoterápicos associados ao tratamento convencional da COVID-19, com base no estágio de diferenciação da doença e dos sintomas. São eles: Huo Xiang Zheng Qi Shui, cápsula de Lian Hua Qing Wen, cápsula de Shu Feng Jie Du e Jin Hua Qing Gan Granule. No período de tratamento clínico: Qing Fei Pai Du Tang, injeção de Xi Yan Ping, injeção de Xue Bi Jing, injeção de Re Du Ning, injeção de Tan Re Qing e injeção de Xing Nao Jing. Além disso, para os doentes em estado crítico, injeção de Shen Fu, injeção de Sheng Mai, injeção de Shen Mai, Su Ele Xiang em comprimido e comprimido de Gong Niu Huang devem ser administrados.
Estudos mostram que membranaceus do astrágalo, Glycyrrhizae uralensis, Saposhnikoviae Divaricata, Rhizoma Atractylodis Macrocephalae, Lonicerae Japonicae Flos, Fructus Forsythia, Atractylodis Rhizoma, platycodonis Radix, Agastache rugosa, e Cyrtomium fortuna J. Sm foram aplicados no tratamento de COVID -19. Astragalus membranaceus e Yu Ping Feng foram usados em programas de prevenção para “reforçar o Qi vital “. Ophiopogon Japonicas e Scrophularia ningpoensisand são ervas que foram mais frequentemente utilizadas para “nutrir yin” no norte da China, enquanto Atractylodis Rhizoma, Agastache rugosa e outras ervas medicinais chinesas com a propriedade de “desumidificação” foram comumente usadas no sul da China.
Alguns pacientes com doença leve no estágio inicial podem progredir repentinamente para doença grave e eventualmente morrer devido a choque séptico com síndrome da disfunção de múltiplos órgãos (SDMO), associada à tempestade de citocinas. Há evidências convincentes de que alguns produtos à base de plantas ou seus componentes têm efeitos imunossupressores potentes, como a injeção de Shen Fu, que poderia inibir a inflamação pulmonar e diminuir os níveis de IL-1β, IL-6 e outras citocinas. A injeção de Re Du Ning poderia reduzir acentuadamente os níveis de IL-1β, TNF-α, IL-8, IL-10 e algumas outras citocinas do modelo de lesão pulmonar aguda induzida por LPS em ratos. A tetrandrina poderia inibir as respostas pró-inflamatórias Th1, Th2 e Th17 em camundongos. Um estudo in vitro mostrou que o líquido oral Shuang Lian teve efeito inibitório sobre o SARS-CoV-2.
As tabelas abaixo mostram as fórmulas de ervas da medicina tradicional chinesa usadas para o tratamento de infecção por SARS-CoV e os extratos de ervas usados na MTC ou compostos derivados da MTC com atividade anti-HCoV.
Amauri Lima – Biomédico e professor do Departamento de Anatomia da Universidade Braz Cubas.
Mari Uyeda – Mestre em Ciências da Saúde, nutricionista e professora do Departamento de Ciências da Saúde da Pós-graduação da Universidade Nove de Julho.