Mucosite oral em pacientes com câncer: tratamento com fitoterápicos

O câncer causa impactos na saúde pública do Brasil de forma significativa, levando o governo federal a estabelecer uma política pública para o setor. Ele é considerado a segunda maior causa de mortalidade no País (190 mil/ano), sendo responsável por 21% dos óbitos no mundo. Estima-se, para o Brasil, no biênio de 2018-2019, a ocorrência de 600 mil casos novos de câncer para cada ano.

As taxas de incidência, ajustadas por idade tanto para homens (217,27/100 mil) quanto para mulheres (191,78/100 mil), são consideradas compatíveis com as apresentadas pelos países em desenvolvimento.

O termo mucosite oral (MO) surgiu em 1980 para descrever uma lesão, resposta inflamatória aguda, na superfície da mucosa oral causada pela quimioterapia (QT) e/ou radioterapia (RT) de cabeça e pescoço, devido à alta sensibilidade dos tecidos e das estruturas bucais aos efeitos tóxicos dos quimioterápicos. A mucosite pode envolver as mucosas da boca e acometer todo o trato digestório (TG), desde esôfago, faringe, estômago, intestino até a região anal.

Os critérios utilizados na literatura para avaliar o grau de mucosite são o “Common Terminology Criteria for Adverse Events” (CTCAE) do National Cancer Institute, que gradua a mucosite de 1 a 5, e o “Oral Mucositis Grading Scale” da Organização Mundial de Saúde (OMS), que classifica a mucosite de 0 a 4.

Nos pacientes em tratamento quimioterápico, geralmente há acometimento das mucosas não queratinizadas do ventre da língua, do assoalho da boca, do palato mole e da mucosa jugal. As manifestações da mucosite oral induzida pela quimioterapia aparecem de 5 a 10 dias após a administração da droga, com resolução em mais de 90% dos pacientes em duas a três semanas, o que coincide com a recuperação leucocitária.

Sintomas

Os sintomas iniciais descritos pelos pacientes na vigência de mucosite oral são sensações de queimação na cavidade oral, no entanto qualquer superfície mucosa pode apresentar eritema e progredir para erosão e ulceração durante a quimioterapia e/ou radioterapia.

As complicações orais resultantes do câncer e suas terapias podem causar tanto toxicidade aguda de mucosite, alterações da saliva, alterações do paladar, trismo, infecção e hemorragia quanto toxicidades tardias, como atrofia da mucosa, xerostomia, necrose de tecidos moles e osteoradionecrose.

Perturbações na função e/ou na integridade da mucosa do trato digestório constituem um problema particularmente importante nos doentes que recebem QT e/ou RT. Outras consequências orais do tratamento oncológico são a infecção dos tecidos moles orais, o sangramento gengival e as alterações no paladar, sendo que todas essas complicações podem causar dor e prejudicar a nutrição do paciente.

A mucosite oral acomete cerca de 20% a 40% dos pacientes submetidos à quimioterapia convencional. Essas manifestações orais podem ser graves e interferir nos resultados da terapêutica médica, levando a complicações sistêmicas importantes que podem aumentar o tempo de internação hospitalar e os custos do tratamento, além de afetar diretamente a qualidade de vida dos pacientes.

A sintomatologia da MO traz graves consequências para a qualidade de vida dos pacientes. Os principais sinais e sintomas são ulcerações da mucosa com dor intensa, alterações olfativas e gustativas, dificuldade para higienização oral, diminuição do aporte nutricional e hídrico, com perda de peso e desidratação, assim como a presença de infecções oportunistas. A alteração da mucosa pode permitir a penetração de bactérias e outros patógenos, portanto, infecções orais subclínicas podem se agudizar durante a mielossupressão, aumentando assim as chances de sepse. A neutropenia pode favorecer a colonização secundária da boca por uma extensa variedade de gram-negativos e bactérias anaeróbicas juntamente com fungos.

A Candida albicans é o principal agente responsável pelo agravamento da mucosite, causando infecções fúngicas. Muitos casos de óbito em pacientes com câncer resultam da sepse fúngica, sendo que 60% dos casos estão associados a infecções preexistentes. A prevalência é menor em crianças.

Prevenção e tratamento

Sendo a mucosite oral uma doença de etiologia multifatorial, a prevenção e o tratamento devem também ser multifatoriais. A efetiva prevenção e o acompanhamento da lesão podem reduzir a dor, o risco de bacteremia/fungemia e o sofrimento do paciente durante o tratamento. A MO é um problema frequente e muitas vezes debilitante para pacientes que são submetidos ao tratamento de quimioterapia e radioterapia de diversos tipos de neoplasias.

Percebe-se que os conhecimentos relativos às alterações histopatofisiológicas provenientes da mucosite oral têm avançado e, mesmo não havendo um consenso de como tratar esses casos, os trabalhos mostram medidas profiláticas e terapêuticas eficientes que visam a minimizar os efeitos estômato-tóxicos provenientes do tratamento antineoplásico, proporcionando uma qualidade de vida melhor aos pacientes.

O uso de agentes fitoterápicos, de uma forma geral, constitui uma forma de terapia alternativa que vem crescendo, notadamente nos últimos anos, sendo muito utilizada na medicina e na odontologia. Com base no uso e conhecimento popular, o importante crescimento mundial da fitoterapia dentro de programas preventivos e curativos tem estimulado a avaliação da atividade de diferentes plantas para o controle das afecções bucais. Segundo a ANVISA (2010), plantas medicinais são espécies vegetais, cultivadas ou não, utilizadas com propósitos terapêuticos “em um ou mais órgãos ou que sejam precursoras de fármacos semissintético”.

Plantas medicinais são aquelas que possuem tradição de uso em uma população ou comunidade e são capazes de prevenir, aliviar ou curar enfermidades e que ao serem processadas resultam no medicamento fitoterápico. Na preparação dos fitoterápicos, podem ser utilizados adjuvantes farmacêuticos permitidos na legislação vigente e não podem estar incluídas substâncias ativas de outras origens, ainda que de origem vegetal, isoladas ou mesmo em misturas. O medicamento é um produto preparado seguindo procedimentos legais e que tenha sido caracterizado em termos de sua eficácia, segurança e qualidade.

Em 2009, o Ministério da Saúde publicou a Relação Nominal de Plantas Medicinais de Interesse ao Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se de uma lista de 71 plantas medicinais que apresentam potencial medicinal relevante para o SUS. O objetivo dessa lista foi orientar estudos e pesquisas que pudessem subsidiar e apresentar novos fitoterápicos disponíveis para a população. Nela está incluída a planta Casearia sylvestris, fato que instiga o estudo de suas propriedades biológicas como forma de assegurar suas aplicações terapêuticas. A Casearia sylvestris é uma planta medicinal que oferece uma vasta gama de utilizações: antisséptica, diurética, antiulcerativa, tônica, estimulante, antimicrobiana e depurativa, podendo ainda ser efetiva contra algumas linhagens de células tumorais. Essa espécie é muito comum na América tropical e no Brasil, tendo vários nomes populares, entre eles “guaçatonga”, “herva de bugre”, “pau de lagarto”, “erva de pontada” ou “chá de bugre”. É uma planta arbórea, da família Flacourtiaceae, cujas folhas apresentam pontos translúcidos correspondentes a glândulas de óleo essencial. A estrutura química da Casearia sylvestris é bastante complexa. Suas folhas contêm fitoquímicos (diterpenos) com ação antitumoral, antifúngica, antibiótica e inibidora da replicação do vírus HIV e sua ação anti-inflamatória foi considerada similar à do piroxicam e meloxicam, em ratos. Possui ação cicatrizante, antisséptica, antimicrobiana e fungicida, justificando a marcante porcentagem de óleo essencial; antiúlcera, reduzindo o volume de ácido clorídrico e diurética, ativando a circulação periférica e estimulando o metabolismo cutâneo e consequente tonificação local. Além disso, os taninos podem formar revestimento protetor na pele e nas mucosas dificultando infecções. A investigação clínica demonstrou cicatrização progressiva das lesões intra e extraorais de herpes simples após aplicação tópica de C. sylvestris.

TTO - tea tree oil
Melaleuca alternifolia

O gênero Melaleuca, pertencente à família Myrtaceae, inclui aproximadamente 100 espécies nativas da Austrália e Ilhas do Oceano Índico. Melaleuca alternifolia é comumente conhecida na Austrália como “árvore de chá”. O principal produto é o óleo essencial (TTO – tea tree oil), de grande importância medicinal por possuir comprovada ação bactericida e antifúngica contra diversos patógenos humanos, sendo utilizado em formulações tópicas. O óleo TTO extraído de Melaleuca alternifolia exibe atividade antimicrobiana de largo espectro, in vitro, e é composto por centenas de componentes de hidrocarbonetos, incluindo o maior antimicrobiano terpeno, o terpinen-4-ol. A atividade bactericida global de TTO é atribuída à sua capacidade para desnaturar as proteínas da membrana, alterando assim a estrutura da parede celular e sua função. A literatura tem demonstrado a eficácia do óleo de Melaleuca sobre variadas espécies de fungos, dentre eles a Candida albicans.Óleo de melaleuca

O tratamento de Candida albicans, C. glabrata e Saccharomyces cerevisiae com óleo (TTO) altera a permeabilidade e a fluidez da membrana. Considerando que os pacientes com neutropenia podem apresentar mielosupressão 7 e mucosite, com risco maior de desenvolver sepse que indivíduos sem mucosite, há preocupação em estudar novas terapêuticas eficientes no tratamento dessa enfermidade.


Mari Uyeda – Mestre em Ciências da Saúde, nutricionista e professora do Departamento de Ciências da Saúde da Pós-graduação da Universidade Nove de Julho.

Fabian Friedrich – Farmacêutico-bioquímico, especialista, mestre, doutor e pesquisador em Biologia Molecular, Prefeitura Municipal em Blumenau/SC.