Nova visão sobre o tratamento de câncer com fitoterapia chinesa

Para a medicina tradicional chinesa (MTC), as causas de doenças são determinadas tanto por fatores externos, como vento, frio, calor, secura, umidade e calor de verão, quanto por condições internas ao organismo, como raiva, alegria, preocupação, pensamento obsessivo, tristeza, medo e choque.

Um corpo é considerado saudável quando suas várias substâncias e energias estão em equilíbrio harmônico, tanto internamente quanto em relação ao ambiente externo.

Quando essa vitalidade (Qi inata) e as defesas imunológicas (Wei Qi) estão fortes, é difícil que uma doença contraída externamente se desenvolva, especialmente se o agente patogênico invasor for fraco.

Por outro lado, um indivíduo com uma Wei Qi muito fraca pode contrair qualquer agente patogênico que esteja ao seu redor, devido ao fato de suas defesas imunológicas estarem excepcionalmente enfraquecidas.

Essa interação entre Wei Qi e os fatores patogênicos determina se uma pessoa adoece, como o corpo responde à doença e quanto tempo leva a recuperação.

Seis patogênicos são considerados na MTC: vento, frio, calor de verão, umidade, secura e fogo. Os textos médicos clássicos Huang Di Nei Jing, Imperador Amarelo, Ling Shu e Jiu Zhen descrevem que os patogênicos das quatro estações e oito direções podem entrar nos meridianos, produzindo os acúmulos. Quatro estações e oito direções significam o tempo e espaço do Universo. Todos os tempos e espaços têm patogênicos específicos que ficam simbolizados como seis tipos de patogênicos. Os seis patogênicos podem incluir ingredientes químicos produzidos pela poluição de ambientes.

Em vários casos de câncer, os pacientes apresentam deficiência de Qi ou sangue e de yin ou yang. Quadros de deficiência podem fazer com que patogênicos penetrem no corpo com mais facilidade ou, então, sejam gerados internamente.

Causas do câncer

Na visão da MTC, o câncer é considerado uma doença possivelmente curável, como também evitável.

Quando o paciente perde o equilíbrio entre yin-yang, reduz o movimento de Qi-sangue e fica deficiente de Qi, patogênicos como fleuma, umidade, estagnação de Qi ou sangue e toxinas tornam-se mais propícios a acontecer, podendo produzir o câncer.

A fleuma é produto de uma disfunção do baço-pâncreas. Quando o baço-pâncreas por algum motivo fica enfraquecido, ele falha em sua função de “remover a umidade interna”. Essa umidade interna que permanece presa no corpo, ao longo do tempo, deixa de ser fluida, tornando-se uma massa viscosa à qual damos o nome de fleuma.

São exemplos de fleuma, nos seus mais diversos graus de acometimento, o catarro, os cistos sinoviais, os miomas no útero, os cistos no ovário, os cálculos renais ou na vesícula e os tumores benignos ou malignos, entre outros.

As funções do baço são as seguintes: governa a transformação e o transporte de alimentos e líquidos, controla o sangue, controla os músculos, abre-se na boca e manifesta-se nos lábios, controla a ascendência do Qi e abriga o pensamento.

O baço é facilmente atacado pela umidade exterior, que pode invadir o corpo de diferentes maneiras, como por circunstâncias ambientais ou hábitos de vida do indivíduo.

Dentre os fatores que enfraquecem o baço, estão os emocionais. A preocupação, uma emoção que é muito comum em nossa sociedade repleta de estresses, pode esgotar a energia do baço. Excesso de pensamento, depressão, raiva ou tristeza podem afetar o baço, o fígado e o coração, o que pode causar distúrbios digestivos e acabar levando à fadiga crônica.

Um baço enfraquecido não pode transformar o alimento em Qi de maneira eficaz e os pulmões tornam-se incapazes de extrair o Qi do ar eficientemente. O sistema de circulação do Qi não funciona bem e ele não pode fluir, o que produz a estagnação de fleuma. O sangue também não pode fluir bem e por isso se produz a estagnação de sangue. Sangue e fleuma estagnados e acumulados misturam-se e causam o câncer.

Normalmente, na etapa inicial do câncer, patogênicos excessivos ou síndromes de excesso são claros, enquanto a deficiência não. Contudo, isso não significa que não haja uma deficiência envolvida.

Na etapa intermediária, os quadros de deficiência começam a mostrar-se mais claramente. Nessa fase, o paciente apresenta quadros de deficiência e de excesso, ao mesmo tempo.

Já, na etapa final, os quadros de deficiência aparecem com mais clareza, o que não significa que não haja síndromes de excesso. Uma pessoa que se preocupa muito “transporta o peso do mundo sobre seus ombros”. Uma palavra que descreve muito bem como alguém se sente quando o Qi de seu baço está fraco é depressão.

Outro fator determinante de desequilíbrio do baço é o consumo exagerado de alimentos frios, crus e úmidos. O excesso de alimentos picantes e gordurosos ou a ingestão de bebidas alcoólicas podem produzir umidade, que quando se acumula gera calor.

A umidade causada pelos maus hábitos alimentares, quando acumulada, transforma-se em fleuma, influenciando o movimento de Qi e do sangue. E a produção de fleuma, junto com a estagnação de Qi e sangue, como foi dito acima, forma a base para o surgimento do câncer.

Excessos no consumo de comidas quentes ou frias e alimentos gordurosos ou o hábito de comer com rapidez ou irregularmente podem estimular o corpo cronicamente a produzir câncer. Deve ser dada preferência à ingestão de alimentos mornos e secos e livres de gorduras e frituras.

A presença de doença crônica também pode ser causa de enfraquecimento do baço. Algumas pessoas já nascem com problemas de deficiência de Qi ou sangue. Quando isso ocorre, seus órgãos tornam-se fracos e mais susceptíveis a apresentar doenças. Esses tipos de problemas são constitucionais e precisam ser controlados ao longo de toda a vida do indivíduo. Qualquer doença persistente tende a debilitar o baço e a conduzir a uma deficiência da energia do mesmo.

Trabalhar em excesso e ficar demasiadamente cansado também pode gerar deficiência do baço e, consequentemente, de Qi e de sangue, sendo portanto mais um fator de base para o aparecimento de câncer. O baço é responsável por manter a força muscular. Quando existe um abuso de atividade física, ele fica sobrecarregado e acaba por se enfraquecer.

Outro aspecto a ser considerado diz respeito a situações em que ocorrem grandes perdas de sangue no organismo. O baço é responsável pela produção de sangue. Quando por algum motivo o indivíduo passa por uma grave perda de sangue, como por exemplo numa cirurgia ou em menstruações intensas durante muitos anos, o baço irá se sobrecarregar para produzir o sangue perdido e, consequentemente, entrará em um estado de deficiência.

Por fim, cabe salientar que na MTC diz-se que o baço é “a mãe” do pulmão. Isso significa que para se ter um pulmão forte, o baço precisa ser forte. Toda e qualquer doença que afete o baço vai, em longo prazo, afetar o pulmão, assim como toda doença do pulmão irá sugar energia do baço, enfraquecendo-o.

Tendo conhecimento dos fatores que enfraquecem o baço, pode-se supor que a prevenção do câncer está em evitar as causas que levam à deficiência desse órgão, afastando assim a formação de fleuma. Os únicos casos de câncer que em tese seriam “impossíveis” de se prevenir são os causados supostamente por uma predisposição genética.

Sintomas gerais do câncer

Cada tipo de câncer tem características próprias e sintomas mais típicos. Normalmente, o câncer pode acontecer em mais de um órgão. Os sintomas gerais são os descritos a seguir.

Câncer de pulmão – tosse, dor no peito, falta de ar ou fleuma com sangue.

Câncer de intestino grosso – dor no baixo ventre, dor de barriga, fezes com sangue ou pus e mudança de forma das fezes.

Câncer de fígado – dor nas costelas, sensação rija na barriga, inchaço, apetite fraco, icterícia ou abaulamento.

Câncer de pâncreas – dor perto do umbigo, náusea, vômito, icterícia e febre baixa no corpo.

Câncer de estômago – dor na parte superior do ventre, dor em distensão no abdome, náusea, vômito ou fezes pretas.

Os princípios do tratamento de câncer na medicina tradicional chinesa

Na medicina tradicional chinesa, o tratamento de câncer normalmente pode ser dividido em três etapas, com início, meio e fim: 1) remover a fleuma, 2) tonificar a deficiência e dispersar os patogênicos e 3) fortalecer o baço e restabelecer sua função de remover a umidade interna do organismo.

De início, o tratamento geralmente está centrado em expelir os patogênicos, abrir os meridianos, circular o Qi, expelir a umidade, transformar a fleuma, circular o sangue e desintoxicar e remover as estagnações.

No final, concentra-se usualmente em tonificar tanto o Qi e o sangue quanto o baço e os rins, nutrir o yin, aumentar o yang e adicionar meios de expelir patogênicos e desintoxicar.

Mas, vários casos de câncer normalmente têm deficiência e excesso conjuntamente, sendo necessário utilizar o caminho de tonificar e dispersar, ao mesmo tempo. Contudo, na etapa inicial, é conveniente dispersar mais, na do meio, tonificar e dispersar simultaneamente e em igual proporção e, na etapa final, tonificar mais.

A Figura 1 mostra os principais pontos de acupuntura capazes de remover a fleuma e a umidade e fortalecer o baço.

Acupontos para tratamento de câncer
Fig. 1 – Principais pontos de acupuntura utilizados para remoção de fleuma e umidade e fortalecimento do baço.

Fórmulas fitoterápicas chinesas

A Tabela 1 mostra as principais fórmulas fitoterápicas chinesas utilizadas no tratamento de câncer, levando-se sempre em consideração, é claro, os sintomas apresentados pelo indivíduo em cada caso.

Além dessas, outras fórmulas também podem ser usadas, dependendo da situação específica de cada paciente e do diagnóstico realizado com base nos princípios da MTC.

Ervas medicinais chinesas anticâncer
Tabela 1 – Principais fórmulas fitoterápicas da medicina tradicional chinesa utilizadas em tratamento de câncer.

Ervas chinesas com função anticâncer

 Inicialmente, é preciso salientar que, na medicina tradicional chinesa, o tratamento de câncer não se limita ao uso de somente algumas ervas que tenham especificamente função anticancerígena, pois o objetivo é cuidar do corpo inteiro.

Extinguir o câncer apenas no local do organismo em que ele se apresenta pode não ser um tratamento completo. O câncer não acontece por acaso ou por azar, mas sim pela perda do equilíbrio entre yin e yang e entre Qi e sangue do corpo todo. Por isso, depender somente de uma ou algumas ervas específicas não é o caminho integral.

Feita essa ressalta, a lista a seguir apresenta determinadas ervas que têm especialmente função anticancerígena. Mas como algumas delas são altamente tóxicas, torna-se sempre necessário o diagnóstico em MTC para prescrição de forma adequada.

Considerando a síndrome e os sintomas do paciente, podem ser adicionadas duas ou três dessas ervas na composição.

Long Kui  (Solanum nigrum), Shu Yang Quan (Solanum septemlobum Bunge), Cao He Che (Rhizoma Paridis Yunnanensis), Zao Xiu (Rhizoma Paridis), Tian Men Dong (Asparagus cochinchinensis), Mao Zhao Cao (Ranunculus ternatus Thunb), Ba Yue Zha (Akebia trifoliata), Zhi Chan Pi, Venenum Bufonis, Shan Ci Gu (Santsigu tuber), Tu Fu Ling (Smilacis glabrae Rhizoma), Tian Hua Fen, Trichosanthes rosthornii Herms, Sheng Yi Ren (Coix lacryma-jobi), Ban Zhi Lian, Portulaca grandiflora Hook, Bai Hua She She Cao (Herba Hedyotis Diffusae), Shi Da Chuan Salvia chinensis Benth, Xia Ku Cao (Prunella vulgaris Linn), Wei Ling Xian, Clematis chinensis Osbeck, Bei Sha Shen (Glehnia littoralis F. Schmidtex Miq), Zhi Nei Jin, Gallus gallus domesticus Brisson, Gui Jian Yu (Euonymus alatus), Shan Dou Gen (Sophorasubprostrata Chunet T. Chen), Dang Shen (Codonopsis pilosula), Bai Zhu (Atractylodes macrocephala Koidz), Fraxinus rhynchophylla Hance, Bai Tou Weng, Pulsatilla chinensis, Ya Dan Zi (Bruceajavanica L. Merr), Di Jin Cao, Euphorbia humifusa Willd, Di Yu (Sanguisorba officinalis L.), Shi Liu (Punica granatum) e Ba Qia (Smilax china L).

Efeitos colaterais da radioterapia e quimioterapia

A radioterapia e a quimioterapia são caminhos efetivos para o tratamento do câncer, mas devem ser observadas algumas condições quanto à sua utilização.

Considerando a agressão ao corpo que essas terapias normalmente provocam, a medicina tradicional chinesa ressalta a necessidade de se complementar o tratamento com o uso da fitoterapia chinesa, para reduzir os vários efeitos colaterais da medicação convencional, além de potencializar o próprio tratamento. Embora deva-se salientar que a fitoterapia chinesa isoladamente também pode apresentar bons resultados no combate ao câncer.

Radioterapia – Na visão da MTC, rádio é um tipo de toxina quente, que pode agredir as células normais e órgãos, produzindo alguns efeitos colaterais. Geralmente, os pacientes submetidos à radioterapia podem ter sintomas ou problemas posteriores.

As síndromes de efeitos colaterais resultantes de radioterapia normalmente referem-se à deficiência de yin de fígado e rim ou deficiência de Qi ou sangue, porque há perda de Qi, yin e líquidos por conta do tratamento.

As principais manifestações apresentadas pelos pacientes são: dermatites locais (pele preta, pele seca, pele vermelha, ulceração, etc.), estomatites (mucosa vermelha ou preta, erosão da mucosa, ulceração da mucosa, dor no local, etc.), faringites, esofagites (quando engole, a pessoa pode referir dor no peito, atrás do esterno), pneumonia (o paciente pode apresentar tosse quando estimulado, tosse seca, fleuma branca ou escarro de espuma), cansaço de corpo inteiro, dor e fraqueza nas pernas e braços, cansaço com facilidade, tontura, dor de cabeça, sonolência, reação lenta, insônia, redução de apetite, náusea, vômito, dor abdominal, diarreia, constipação, redução de leucócitos, redução de plaquetas, redução de glóbulos vermelhos, redução de hemoglobina, tendência à anemia, fraqueza no corpo inteiro e miocardite.

Normalmente, para se tratar ou prevenir os efeitos colaterais da radioterapia são utilizadas as fórmulas descritas a seguir.

Em caso de síndrome de deficiência de Qi ou sangue: Ba Zhen Tang (Si Jun Zi Tang), Si Wu Tang, Shi Quan Da Bu Tang, Sheng Mai San, etc.

Em caso de síndrome de deficiência de yin de fígado e rim: Liu Wei Di Huang Wan, Zhi Bai Di Huang Wan, Mai Wei Di Huang Wan e Qi Ju Di Huang Wan.

Quimioterapia – Normalmente, a quimioterapia tem influência na medula óssea e no trato gastrointestinal. As síndromes de efeitos colaterais ocasionadas pela quimioterapia são geralmente acúmulo de calor, ascensão de fogo pela deficiência de yin e desequilíbrio entre fígado e baço.

Os principais sintomas clínicos são: cansaço, apatia, suor, sonolência, redução de leucócitos, redução de plaquetas, redução de glóbulos vermelhos, redução de hemoglobina (uma frequência maior na aplicação de quimioterapia reduz a atividade da medula óssea), redução de apetite, náusea, vômito, inchaço, incômodo ou dor na área abdominal, diarreia, constipação (uma frequência maior na aplicação de quimioterapia estimula o trato gastrointestinal), febre, tontura, dor de cabeça, boca seca, inflamação na boca, danos às células miocárdicas, palpitação, aperto no peito, incômodo na área do coração, falta de ar, insuficiência cardíaca, lumbago, incômodo na área dos rins, fibrose pulmonar, cistite, hematúria, entorpecimento das mãos e pés, alteração da função hepática, incômodo na área do fígado, hepatite tóxica, flebite (uma frequência maior na aplicação de quimioterapia pode ser feita por meio de injeção intravenosa, facilitando assim a ocorrência de flebite), dor local, cor vascular enegrecida e redução da imunidade.

Normalmente, para tratar ou prevenir os efeitos colaterais da quimioterapia, são utilizadas as fórmulas descritas a seguir.

Em caso de síndrome de acúmulo de calor: Xiao Chai Hu Tang.

Em caso de síndrome de ascensão de fogo pela deficiência de yin: Qing Hao Bie Jia Tang, Sha Shen Mai Dong Tang, Zhi Bai Di Huang Wan e Mai Wei Di Huang Wan.

Em caso de desarmonia entre fígado e baço: Xiao Yao San, Chai Hu Shu Gan San, Xiang Sha Liu Jun Zi Tang, Xiao Chai Hu Tang e Si Jun Zi Tang.

Alguns casos relatados na literatura comprovam a eficácia do uso de fitoterapia associada ou não a outros tratamentos de câncer, como radioterapia ou mesmo quimioterapia.

De qualquer forma, vale lembrar que a fitoterapia deve ser aplicada como auxiliar ao tratamento oncológico e não como única opção para se tratar essa patologia.


Mari Uyeda – Professora Assistente da Saint Francis University, na Pensilvânia – EUA.

 

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