O cenário atual de aplicação das PICs no Brasil

A inclusão das práticas integrativas no SUS (Sistema Único de Saúde) teve início em 2006, quando foi criada a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), que abrangia cinco procedimentos.

No ano de 2017, foram acrescentadas ao programa mais 14 modalidades. E, em 2018, 10 novas práticas foram incorporadas, perfazendo um total de 29 procedimentos: acupuntura/medicina tradicional chinesa, antroposofia, apiterapia, aromaterapia, arteterapia, ayurveda, biodança, bioenergética, constelação familiar, cromoterapia, dança circular, fitoterapia/plantas medicinais, geoterapia, hipnoterapia, homeopatia, imposição de mãos, meditação, musicoterapia, naturopatia, osteopatia, ozonioterapia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki, shantala, terapia comunitária integrativa, terapia de florais, termalismo social/crenoterapia e yoga.

Após a institucionalização do uso das práticas integrativas e complementares, por meio da criação da PNPIC, os dados relativos à sua aplicação passaram a ser incluídos no sistema oficial de informações em saúde, permitindo assim que seja realizado um monitoramento periódico de sua utilização e evolução na área pública de saúde.

O mais recente Relatório de Monitoramento Nacional das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde foi divulgado pelo Ministério da Saúde no segundo semestre do ano passado, contendo informações sobre o uso das PICs no SUS durante os anos de 2017, 2018 e 2019 (dados parciais).

Os dados constantes desse relatório foram compilados a partir dos registros extraídos dos seguintes sistemas de informação em saúde: SISAB – Sistema de Informação em Saúde da Atenção Básica, SIA – Sistema de Informação Ambulatorial e SCNES – Sistema de Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde.

Aplicação prioritária na área de atenção primária à saúde

De acordo com o relatório de monitoramento, a aplicação de práticas integrativas e complementares está presente em todos os níveis de atenção à saúde do SUS (atenção primária, média complexidade e alta complexidade), mas com grande destaque para a área de atenção primária à saúde.

Os dados mostram que, durante o ano de 2018, as PICs estiveram presentes em 16.007 serviços de saúde do SUS, sendo que 14.508 (90% deles) são da área de atenção básica à saúde. Esses serviços estão distribuídos em 4.159 municípios brasileiros (74% do total de municípios), nos níveis de atenção primária à saúde e de média e alta complexidade. No que se refere especificamente às capitais do País, as PICs estiveram presentes em todas elas (100%).

No ano citado (2018), foram ofertados 989.704 atendimentos individuais, 81.518 atividades coletivas com 665.853 participantes e 357.155 procedimentos de práticas integrativas e complementares.

Já em relação ao ano de 2019, embora as informações consolidadas ainda sejam parciais, os dados mostram que as PICs foram oferecidas à população em 17.335 serviços de saúde do SUS, sendo 15.603 (90% deles) do nível de atenção primária à saúde. Com relação à distribuição geográfica, as práticas integrativas foram aplicadas em 4.297 municípios do País (77%), nas áreas de atenção primária à saúde e de média e alta complexidade, assim como em todas as capitais brasileiras (100%).

Em 2019, foram ofertados (dados parciais) 693.650 atendimentos individuais, 104.531 atividades coletivas com 942.970 participantes e 628.239 procedimentos em PICs.

O gráfico a seguir mostra o aumento na quantidade de municípios brasileiros que oferecem práticas integrativas e complementares em seus serviços públicos de saúde.

Total de municípios no Brasil que oferecem práticas integrativas e complementares em saúde
Gráfico 1 – Quantidade de municípios brasileiros que ofereceram PICs em seus serviços públicos de saúde, nos anos de 2017, 2018 e 2019 (dados parciais). Fonte: SCNES e SISAB/DATASUS.

PICs na atenção primária à saúde

Como foi salientado acima, a aplicação das práticas integrativas e complementares concentra-se, de forma absolutamente expressiva (90%), no nível de atenção primária à saúde.

Em 2019, o SUS possuía 41.952 unidades de atendimento voltadas para a área de atenção básica à saúde, sendo que 15.603 (37% delas) ofereciam algum tipo de PIC à população. Em 2017, esse número era de 13.123, o que significa que no período houve um aumento de 16% (mais 2.480) na quantidade de estabelecimentos de atenção primária que aplicam PICs, como mostra o Gráfico 2.

Total de estabelecimentos do SUS em que são aplicadas PICs
Gráfico 2 – Quantidade de estabelecimentos do nível de atenção primária à saúde que ofereceram PICs, nos anos de 2017, 2018 e 2019 (dados parciais). Fonte: SCNES e SISAB/DATASUS.

Os estados que apresentaram o crescimento mais expressivo no número de unidades de atenção básica que oferecem PICs foram São Paulo (mais 491 unidades), Minas Gerais (mais 411 unidades), Rio Grande do Sul (mais 272 unidades), Paraná (mais 180 unidades), Rio de Janeiro (mais 138 unidades) e Santa Catarina (mais 121 unidades).

Aplicação das PICs no SUS por regiões do País
Gráfico 3 – Quantidade de estabelecimentos de atenção primária à saúde, por região do País, que aplicaram PICs nos anos de 2017, 2018 e 2019 (dados parciais). Fonte: SCNES e SISAB/DATASUS.

É importante salientar que o próprio relatório de monitoramento traz a ressalva de que ainda existe subnotificação no que se refere às PICs, sendo que alguns serviços da rede pública de saúde oferecem práticas integrativas, mas deixam de efetuar o cadastramento correto, com o código 134 – serviço especializado de PICs, no Sistema de Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde. Sendo assim, é possível que os números apresentados sejam ainda maiores.

Procedimentos

No período de 2017 a 2019, a quantidade de procedimentos de práticas integrativas realizados na área de atenção primária à saúde cresceu de 148.152 registros para 628.239, o que representa um aumento de 324%.

A auriculoterapia foi a especialidade em que houve o maior crescimento no número de procedimentos efetuados, que passaram de 40.818 para 423.774.

O quadro a seguir mostra o total de procedimentos realizados em todas as especialidades de PICs, nos anos de 2017, 2018 e 2019 (dados parciais).

SUS - total de procedimentos em práticas integrativas
Quadro 1 – Total de procedimentos de cada especialidade de PICs realizados no nível de atenção primária à saúde, nos anos de 2017, 2018 e 2019 (dados parciais). Fonte: SISAB/DATASUS.

Nota: durante o período analisado no quadro, alguns registros sofreram alterações. As sessões de dança circular/biodança e de reiki/imposição de mãos foram desmembradas. Sendo assim, as categorias de dança circular e biodança passaram a ser registradas e computadas separadamente. O mesmo aconteceu com as sessões de reiki e de outras terapias de cura vibracional antes englobadas na categoria de imposição de mãos.

Atendimentos individuais

As práticas integrativas e complementares são oferecidas aos usuários do SUS tanto em atendimentos individuais, como é o caso da homeopatia, medicina tradicional chinesa, ayurveda, medicina antroposófica, etc., quanto em atividades desenvolvidas em grupos, como a terapia comunitária, biodança, dança circular, yoga, meditação, musicoterapia e outras.

O Quadro 2 mostra a quantidade de atendimentos individuais realizados para cada racionalidade em saúde/recurso terapêutico, no nível de atenção primária à saúde.

Nele é possível observar um aumento significativo no número de atendimentos relacionados à aplicação de medicina tradicional chinesa, que passou de 92.283, em 2017 para 208.739, em 2019.

Por outro lado, a categoria de antroposofia aplicada à saúde, que foi destaque por dois anos consecutivos (2017 e 2018) sofreu um expressivo decréscimo em 2019.

Já a queda nos dados referentes a “outras práticas” deve-se às melhorias implementadas na qualificação dos registros, com a criação de novas categorias para procedimentos específicos, que assim deixaram de estar agrupados nessa rubrica.

A redução no número de atendimentos de termalismo/crenoterapia está também relacionada a modificações efetuadas na categorização dos procedimentos e nos registros das fichas de atendimento individual.

De forma geral, no que se refere a quantidade total de atendimentos individuais efetuados no nível de atenção primária à saúde, o relatório de monitoramento mostra que houve uma redução de 51%, passando de 1.416.607, em 2017 para 693.650, em 2019. É preciso, entretanto, relembrar que os dados relativos a 2019 são parciais e poderão ser superiores aos indicados, quando forem consolidados em definitivo em 2021.

PICs - atendimentos individuais no SUS
Quadro 2 – Quantidade de atendimentos individuais realizados no nível de atenção primária à saúde, nos anos de 2017, 2018 e 2019 (dados parciais). Fonte: SISAB/DATASUS.

Atividades coletivas

Já, as atividades e procedimentos coletivos oferecidos nas unidades de atenção básica à saúde deram um salto de 314%, passando de 25.206, em 2017 para 104.531, em 2019. O aumento pode ser observado em todas as categorias de PICs nesse grupo, como mostra o Quadro 3.

Consequentemente, o número de participantes envolvidos nessas práticas integrativas também cresceu de 322.650, em 2017 para 942.970, em 2019.

Em 2017, as atividades e procedimentos relacionados a plantas medicinais/fitoterapia foram os mais ofertados, representando 49% do total. Em seguida, vinham as práticas corporais da medicina tradicional chinesa, tais como tai chi chuan, totalizando 34%.

A partir de 2018, houve uma inversão nesse cenário, quando as práticas corporais da MTC passaram a figurar como a atividade mais ofertada.

O crescimento expressivo em todas as categorias de atividades e procedimentos coletivos é um dado bastante relevante, pois reforça a aplicabilidade das práticas integrativas e complementares realizadas em grupo, que promovem a socialização, além de trazer diversos outros benefícios para a saúde.

No relatório, é feita uma ressalva de que pode estar ocorrendo uma subnotificação do número de participantes nessas práticas coletivas, por parte dos profissionais responsáveis por sua aplicação, que deixam de efetuar o devido registrado. Isso indica que o número de pessoas atendidas pode ser ainda maior do que o informado.

SUS - práticas integrativas em grupo
Quadro 3 – Quantidade de atividades e procedimentos coletivos oferecidos e número de participantes nas unidades de atenção primária à saúde, nos anos de 2017, 2018 e 2019 (dados parciais). Fonte: SISAB/DATASUS.

PICs nos atendimentos de média e alta complexidade

Os dados até aqui apresentados referem-se aos serviços de atenção primária à saúde, que, como foi ressaltado no início, são aqueles em que as práticas integrativas e complementares são aplicadas de forma mais significativa (90%).

Mas, embora em menor porcentagem, as PICs também estão presentes nas unidades do SUS que realizam atendimentos de média e alta complexidade.

O relatório de monitoramento elaborado pelo Ministério da Saúde mostra que a aplicação de PICs nos serviços de média e alta complexidade vêm apresentando um crescimento constante ao longo dos anos.

Em 2017, havia 1.382 estabelecimentos nessa categoria que ofereciam práticas integrativas e complementares em seus atendimentos. Em 2018, esse número subiu para 1.550, alcançando 1.734, em 2019 (dados parciais).

Como mostra o Quadro 4, dentre as PICs ofertadas nos níveis de média e alta complexidade, o destaque fica para as práticas mente-corpo. Em segundo lugar, está a acupuntura e, na sequência, aparecem as terapias classificadas no SUS como outras práticas em medicina tradicional.

SUS - práticas integrativas de média e alta complexidade
Quadro 4 – Quantidade de estabelecimentos de saúde nos níveis de média e alta complexidade que aplicaram PICs em seus atendimentos, nos anos de 2017, 2018 e 2019 (dados parciais). Fonte: SCNES.

Outro ponto a destacar é que, dentre os diversos tipos de estabelecimentos públicos de saúde de média e alta complexidade, as PICs são aplicadas com maior frequência em clínicas/ambulatórios especializados, policlínicas, centros de atenção psicossocial e hospitais.

Quanto ao número de procedimentos realizados, é possível notar um aumento de 55,65%. Em 2017, foram 940.078, subindo para 1.463.183, em 2019 (dados parciais), como mostra o Quadro 5.

As práticas mais aplicadas nos serviços de média e alta complexidade, durante o período analisado, foram a auriculoterapia e a acupuntura com inserção de agulhas. Os procedimentos de auriculoterapia subiram de 140.001, em 2017 para 492.005, em 2019 (dados parciais). Já a acupuntura manteve-se num patamar mais ou menos constante, com 463.093 procedimentos, em 2017, 449.288, em 2018 e 483.554, em 2019 (dados parciais).

SUS - práticas integrativas de média e alta complexidade
Quadro 5 – Total de procedimentos realizados nos níveis de média e alta complexidade, nos anos de 2017, 2018 e 2019 (dados parciais). Fonte: SIA/SUS.

Como é possível notar, a auriculoterapia aparece como prática mais aplicada tanto na área de atenção primária à saúde quanto nos níveis de média e alta complexidade, com um total geral de 915.779 procedimentos efetuados em 2019. De acordo com observação feita no relatório de monitoramento, esse aumento expressivo pode ser atribuído ao destaque dado pelo Ministério da Saúde na formação de profissionais para atuarem nessa especialidade. Entre 2016 e 2019, cerca de 10 mil profissionais do nível de atenção primária à saúde foram capacitados/certificados em auriculoterapia em cursos disponibilizados pelo MS.

Impacto nas políticas públicas de saúde

Nas considerações finais do Relatório de Monitoramento Nacional das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde é ressaltado que a possibilidade de registro das PICs de forma discriminada nos sistemas oficiais de informação em saúde é um fator essencial para o reconhecimento dessas práticas e para a determinação de indicadores que permitam mensurar seu impacto sobre a saúde da população assistida e seu potencial como recursos complementares de atendimento, assim como para subsidiar a tomada de decisão dos gestores na área de planejamento em saúde.

Nesse sentido, é feita a ressalva de que é necessária a criação de indicadores não só para quantificar a oferta de procedimentos de PICs nos níveis de atenção primária e de média e alta complexidade, mas também para avaliar a efetividade e os resultados obtidos com sua aplicação, informações que são fundamentais para a definição e fortalecimento das políticas públicas nessa área.

Por fim, é feito o reconhecimento de que a ampliação da oferta das práticas integrativas e complementares no sistema público de saúde é fruto do grande empenho dos profissionais e gestores da rede de atendimento, no sentido de estruturá-las e disponibilizá-las à população, contribuindo para a consolidação da PNPIC (Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares) no SUS.


Jurema Luzia Cannataro – Jornalista com especialização na produção de conteúdo sobre bem-estar, saúde e medicina, responsável pela edição da Revista Medicina Integrativa e diretora da Scribba Comunicações.

 

Fonte

Relatório de Monitoramento Nacional das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde nos Sistemas de Informação em Saúde – Coordenação Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde – Ministério da Saúde – julho de 2020.