A medicina egípcia via na respiração a função vital mais importante do organismo e o ar era considerado indispensável à preservação da vida. Segundo um texto do Papiro de Ebers, o ar penetra pelas narinas e alcança o pulmão e o coração, de onde é distribuído a todo o corpo pelos vasos sanguíneos. No mesmo papiro, em outra passagem, há referência ao sopro da vida e ao sopro da morte.
Na medicina hebraica, a importância da respiração para a manutenção da vida é ressaltada no Livro dos Salmos: “Se lhes tira a respiração, morrem, e voltam para o seu pó”. Para a escola hipocrática, o calor corporal é inerente à vida e para a conservação do calor é necessária a respiração, que introduz no corpo o pneuma, elemento vital contido no ar. A respiração leva o pneuma até os pulmões e, destes, ao ventrículo esquerdo, de onde é transportado pelas artérias a todas as partes do organismo. Na doutrina hindu, a respiração é a verdadeira força vital, a qual os indianos chamam prana.
Na história bíblica da Criação, Deus soprou seu hálito divino no torrão de barro que formou e deu a Adão uma alma viva. Essa imagem nos mostra de forma muito bela o poder da respiração. Por meio dela estamos eternamente ligados a algo que transcende a Criação, que está além da forma. É nisso que reside sua grande importância. O ar que respiramos nos une num todo, quer queiramos quer não.
Emoção e respiração
O pulmão é o nosso grande órgão de contato. Possui uma superfície interna de cerca de setenta metros quadrados, ao passo que a superfície da pele, nosso segundo órgão de contato, mede apenas dois metros e meio quadrados.
Uma respiração fisiológica deve satisfazer quatro requisitos: ser tranquila, relaxada, sutil e equivalente. Existe uma relação estreita entre respiração, tônus muscular e a vida afetivo-emocional, entre grau de tensão muscular e experiência emocional.
Toda emoção influi diretamente sobre o ritmo cardíaco e respiratório, assim como sobre o equilíbrio das pressões entre as duas cavidades, torácica e abdominal. O estresse e a ansiedade reduzem a amplitude do movimento do diafragma, resultando em inspirações curtas e rápidas e menor oxigenação das células.
O controle emocional está intimamente ligado a uma região do cérebro chamada córtex pré-frontal, que apresenta inúmeras conexões com outras regiões do cérebro, incluindo o sistema límbico. É a parte mais sensível aos efeitos da exposição ao estresse. Um estresse agudo de média intensidade pode provocar perdas rápidas e dramáticas nas habilidades cognitivas pré-frontais (pensamentos, ações e emoções). E as exposições prolongadas ao estresse causam produção excessiva de noradrenalina e dopamina, inibindo sinapses e a continuidade da informação do córtex pré-frontal à amígdala, levando ao descontrole emocional e quadros de congelamento.
O exercício respiratório consciente promove um estado de coerência cardíaca que reduz essas respostas fisiológicas ao estresse. Ao inspirar pelo nariz lenta e profundamente há uma sincronização das oscilações cerebrais na rede límbica através do córtex olfativo, promovendo relaxamento e um sincronismo importante entre a frequência respiratória, frequência cardíaca, pressão arterial e outras funções oscilatórias como a imunológica e a hormonal.
Respiramos todos do mesmo jeito?
Nós nos tornamos prisioneiros das nossas próprias tensões, que entravam a motricidade e favorecem o surgimento de dores. Do mesmo modo, essas tensões miofasciais condicionam a maneira de respirar, modificando o posicionamento dos pontos fixos necessários para a respiração fisiológica, como representado na Figura 3.
Na respiração fisiológica, o movimento vertical do diafragma e o relaxamento dos músculos abdominais estimulam a função do estômago, fígado, rins e intestinos, ajudando–os a promover a assimilação dos alimentos e favorecendo a secreção das enzimas digestivas. Além disso, incentivam a absorção de líquidos e a excreção das fezes. Isso ocorre pela pressão negativa criada pelo ritmo e movimento diafragmáticos. Estudos recentes demonstraram que a contração do diafragma também reduz o diâmetro da veia cava, auxiliando no retorno do sangue ao coração.
A respiração profunda e diafragmática melhora o metabolismo e a resistência às doenças, promove alterações mecânicas e pulsáteis no fluxo sanguíneo e no liquor, evocando sincronia cerebral e um amplo recrutamento de circuitos neurais e fortalecendo, assim, a capacidade cognitiva.
Quando ocorre uma obstrução nasal significativa, há a tentativa de vencer essa obstrução por meio de um esforço consciente. Isso gera um aumento de turbulência do fluxo aéreo, que ocasiona uma elevação da resistência de vias aéreas, podendo levar a uma diminuição do volume corrente. Há maior efetividade de contração do músculo diafragmático na ausência de obstrução das vias aéreas superiores.
O diafragma pode se movimentar 3 cm a 4 cm abaixo do normal durante os exercícios de respiração profunda, expandindo o tórax ao máximo de sua capacidade, o que resulta no aumento substancial da capacidade vital total.
Como tomar consciência da própria respiração?
Em um ambiente silencioso e confortável, deite-se de costas, com as pernas fletidas, feche os olhos e preste atenção no seu abdome, tanto na inspiração quanto na expiração. Perceba o ritmo, profundidade e frequência respiratória.
Você tem nitidamente a impressão de preencher toda a capacidade pulmonar? Percebe uma grande mobilidade das suas costelas? Sente-se incomodado e tenso ou, ao contrário, relaxado e tranquilo?
A aprendizagem de uma correta técnica respiratória está intimamente ligada à aprendizagem de uma técnica de relaxamento. As técnicas de relaxamento visam a harmonizar o movimento articular e a função respiratória. Isso é possível por meio de intervenção voluntária, deixando o centro respiratório automático em melhores condições de funcionamento.
O relaxamento inserido num esquema de intervenção muscular pode reconduzir a um ato respiratório coordenado, econômico e eficaz. O resultado não é imediato e, sim, obtido por meio de um trabalho metódico diário de vivência corporal e sensorial. A respiração torna-se calma e profunda, favorecendo a vasodilatação e distensão muscular e promovendo intenso relaxamento. E então, incrivelmente, a respiração se libera.
Controlar a própria respiração é estar presente no momento. É alcançar o equilíbrio psicofísico e também um excelente meio para entrar em relação consigo próprio e com os outros.
Alessandra Busse Ferrari – Fisioterapeuta integrativa, especialista em Geriatria e Gerontologia e sócia do Instituto de Reabilitação Respiratória desde 1998. Pesquisadora do tema respiração e espiritualidade.