Uso de ultrassonografia para análise da inserção e localização de fios de dermossustentação em cirurgias estéticas

O uso de fios absorvíveis para realização de procedimentos estéticos tem crescido exponencialmente no Brasil. Dados extraídos do Google Trends mostram que as buscas pelo termo “fios de PDO antes e depois” tiveram um aumento de mais de 350%, entre o início de outubro e o final da primeira quinzena de novembro de 2021(1).

Os fios de dermossustentação, como os de PDOs, confeccionados em materiais absorvíveis e biocompatíveis, possuem características diferentes dos fios russos e búlgaros, fios de ouro, fios Beramendi ou de polipropileno, que até meados dos anos 2010 eram as únicas alternativas para a realização de liftings não cirúrgicos com uso de fios.

Nesse universo, nota-se uma carência de estudos com uso de imagens que demonstrem tanto a inserção dos fios feita corretamente quanto a presença de intercorrências.

O uso de ultrassonografia pode ser uma alternativa para a observação dos processos de inserção de fios de PDO, pois se trata de um exame com custo reduzido e facilidade de operação e que requer um equipamento com tamanho menor, quando comparado com a ressonância magnética e a tomografia computadorizada.

Após a realização de uma busca ativa em base de dados da BVS e Google Acadêmico, verificou-se a ausência total de qualquer artigo científico que demonstre a relação do uso de ultrassonografia e fios de PDO para fins estéticos, tanto faciais quanto corporais. Todos os artigos encontrados que relacionam PDO e ultrassonografia tratam de fios ou esferas de PDO utilizados no tratamento de patologias relativas a desordens vasculares, pulmonares e cardíacas.

Sendo assim, o presente artigo mostra-se de interesse global, por relatar algo inédito na comunidade cientifica.

Segurança e eficácia dos fios de dermossustentação

A juventude eterna tem sido almejada e buscada desde os primórdios da história humana, tanto pelo aspecto visual quanto pelo desejo da imortalidade. A sociedade cobra que tenhamos uma aparência sempre jovial, descansada e sem sinais do tempo, de forma a demonstrarmos força e vitalidade. O mercado de trabalho, mesmo que inconscientemente, procura pessoas com aparência mais jovens e bonita, até mesmo relegando infelizmente, em muitos casos, a competência acadêmica ou intelectual.

Diante desse panorama, o mercado de estética é um dos que mais crescem ano a ano, em quase todo o mundo.

Diversas técnicas para promoção da juventude ou antienvelhecimento encontram-se disponíveis. Sob esse olhar, temos os procedimentos não invasivos, minimamente invasivos e invasivos. Técnicas como a aplicação de toxina botulínica e os preenchedores faciais têm se popularizado cada dia mais, seja pela maior disponibilidade de marcas de produtos, seja pela abertura para que outras classes profissionais possam aplicá-las.

Contudo, em certos casos, tais técnicas demonstram limitações quanto aos resultados. Nesse ponto, temos os fios de dermossustentação como mais uma ferramenta de trabalho em prol do paciente.

Diversos fabricantes em nível global oferecem ao mercado fios absorvíveis com variados formatos, comprimentos e espessuras, sendo a denominação PDO adequada apenas para os fios confeccionados em polidioxanona. Entretanto, encontram-se no mercado mundial fios que são chamados de PDO, mas que na verdade são confeccionados com substâncias diferentes da polidioxanona, como por exemplo a polidioxina ou a polidioxona. Apesar de também serem fios absorvíveis, não se trata da mesma substância.

Com os fios de dermossustentação, temos um procedimento a mais no rol das técnicas estéticas faciais e corporais. Sua eficácia e segurança já estão comprovadas, sendo que sua utilização é amplamente disseminada em diversos países do mundo.

Entretanto, o uso de tecnologias de imagem que corroborem a segurança e eficácia, bem como a localização dos fios, tem se demonstrado carente. Métodos de imagenologia podem ser aliados para o tratamento médico/odontológico, fornecendo para pacientes e profissionais mais uma ferramenta disponível tanto para mostrar a simples localização e verificação de que o procedimento foi corretamente realizado, quanto para os casos de complicações decorrentes da aplicação da técnica.

Como funcionam os equipamentos de ultrassonografia

Para que haja melhor entendimento, faz-se necessária uma breve explicação sobre como funcionam os equipamentos de ultrassonografia, também chamados popularmente de ultrassom.

Eles trabalham com o envio de ondas sonoras que não são audíveis pelo ser humano e nem capazes de realizar interações destrutivas com os tecidos orgânicos.

O exame de ultrassom é rápido e indolor. Em geral, os aparelhos de ultrassonografia utilizam frequências muito altas, entre 2 MHz e 14 MHz. Durante a realização do procedimento, são emitidos pulsos sonoros que são absorvidos, refletidos e refratados em diferentes velocidades, de acordo com o tipo de tecidopele, ossos, gordura, sangue, etc.

O aparelho de ultrassom capta o eco formado pelos pulsos e produz uma imagem computadorizada do relevo interno dos órgãos, por meio do cálculo da pequena diferença de tempo entre os pulsos sonoros incidentes e refletidos.(2)

No exame de ultrassom, a palavra “ecogenicidade” indica apenas o grau de facilidade com que os sinais sonoros passam através das estruturas e órgãos do corpo. Assim, estruturas hiperecoicas costumam ter uma densidade maior, enquanto as hipoecoicas ou anecoicas têm pouca ou quase nenhuma densidade.(3)

Transferindo esses conceitos para termos radiológicos mais comumente conhecidos, teríamos as equivalências descritas a seguir. Hiperecoico, que é o tecido com maior densidade, em radiografia é chamado de radiopaco ou radiodenso. Hipoecoico, que é um tecido com menor densidade, teria em radiografia o termo equivalente radiolúcido. Por fim, temos o anecoico, que é um tecido que não possui grande densidade ou apresenta-se na forma liquida ou gasosa, como em um contraste negativo.

No que se refere a ultrassom, é importante ainda ressaltar a existência de diferentes tipos de transdutores. Esses dispositivos são partes integrantes dos equipamentos de ultrassonografia, responsáveis por levar as ondas sonoras para o interior dos tecidos e, ao mesmo tempo, receber os impulsos e enviá-los para o processador de imagens.

Os transdutores podem ser lineares, convexos e intracavitários/endocavitários. Os diferentes tipos de transdutores são escolhidos de acordo com a natureza dos tecidos a serem analisados e sua profundidade. O transdutor linear é utilizado para tecidos mais superficiais, como pele, gordura e músculos. O convexo é usado para tecidos mais profundos, como órgãos internos. Já o intracavitário ou endocavitário é utilizado para verificação intracorporal, como por exemplo em exames transvaginais.

Descrição de caso

Para ilustrar os conceitos descritos neste artigo, foi utilizado um caso clínico realizado pelo autor, com paciente voluntária e isenta de pagamento em relação aos procedimentos aplicados. Por se tratar de um procedimento clínico usual e não inédito, não se aplica nenhuma espécie de infração ao código de bioética. A paciente autorizou a divulgação de imagens, conforme termo de esclarecimento fornecido e assinado.

Paciente do sexo feminino, com 52 anos de idade, denominada Z. S. B. Apresenta-se em bom estado de saúde geral, sendo portadora de leucoderma, hipertensão arterial sistêmica (HAS) e hipercolesterolemia familiar (HF).

Usuária de medicamentos de uso continuo: anlodipino 5 mg, losartana potássica 50 mg, AAS 100 mg, sinvastatina 20 mg e perindopril 5 mg.

Foi selecionada por demonstrar queixa de rosto caído, como se estivesse derretendo (SIP), quadro que se encaixa com a perda de aderência dos corpos adiposos faciais decorrente do envelhecimento natural e da flacidez, bem como com a perda da produção de fibras colágenas mais rígidas.

Nesse caso, foram utilizados 10 fios lisos I-Trhead de 26 g – 50 mm – 60 mm e quatro fios espiculados e canulados I-Trhead de 21 g – 90 mm – 150 mm. A aplicação foi feita sob anestesia local infiltrativa, com o uso de lidocaína a 2% sem vasoconstritor, num volume total injetado de 6 ml.

Cirurgia facial com fios de PDO
Fig. 1 – Fotos da paciente antes da realização do procedimento, de frente e de perfil (direito e esquerdo), evidenciando sua queixa. Fonte: arquivos do autor.
Cirurgia facial com fios de PDO
Fig. 2 – Fotos demonstrando a marcação dos fios a serem inseridos (planejamento). Fonte: arquivos do autor.
Cirurgia facial com fios de PDO
Fig. 3 – Procedimento (transoperatório). Fonte: arquivos do autor.
Cirurgia facial com fios de PDO
Fig. 4 – Materiais utilizados. Fonte: arquivos do autor.
Cirurgia facial com fios de PDO
Fig. 5 – Pós-procedimento imediato, com fotos comparativas de antes (em cima) e depois (embaixo). Fonte: arquivos do autor.
Cirurgia facial com fios de PDO - ultrassonografia
Fig. 6 – Ultrassonografia da região submentoniana (papada). Fonte: arquivos do autor.

Na Figura 6, evidenciam-se os fios lisos inseridos na região submentoniana, com a intenção de formação de malha (rede) de sustentação. O entrelaçamento dos fios é bem evidente, o que corrobora as imagens clínicas do planejamento e execução.

Cirurgia facial com fios de PDO - ultrassonografia
Fig. 7 – Ultrassonografia de corpo adiposo mandibular esquerdo. Fonte: arquivos do autor.

Na Figura 7 ficam evidentes tanto a presença do corpo adiposo mandibular (bola de gordura mandibular) quanto o fio espiculado recém-inserido e circundando a região, sem lesão da bola ou dos tecidos ao redor.

Cirurgia facial com fios de PDO – ultrassonografia
Fig. 8 – Ultrassonografia da região infraorbitária (olheira) direita. Fonte: arquivos do autor.
Cirurgia facial com fios de PDO – ultrassonografia
Fig. 9 – Ultrassonografia do corpo adiposo malar direito. Fonte: arquivos do autor.
Cirurgia facial com fios de PDO – ultrassonografia
Fig. 10 – Ultrassonografia do corpo adiposo malar esquerdo. Fonte: arquivos do autor.
Cirurgia facial com fios de PDO – ultrassonografia
Fig. 11 – Corpo adiposo mandibular direito. Fonte: arquivos do autor.

Ainda sob a esfera da ultrassonografia, o autor optou em realizar o doppler das artérias faciais direita e esquerda, a fim de demonstrar a segurança da inserção de fios espiculados em uma diagonal descendente, saindo da região da articulação temporomandibular para a submentoniana.

Nas imagens de doppler, fica claro que o fluxo sanguíneo arterial não foi comprometido pela inserção de fios de dermossustentação de PDO.

Cirurgia facial com fios de PDO – doppler vascular
Fig. 12 – Doppler vascular da artéria facial esquerda. Fonte: arquivos do autor.
Cirurgia facial com fios de PDO – doppler vascular
Fig. 13 – Doppler vascular da artéria facial esquerda. Fonte: arquivos do autor.
Cirurgia facial com fios de PDO
Fig. 14 – Prontuário e anotações do caso. Fonte: arquivos do autor.

Conclusão

A utilização de fios de dermossustentação de PDO é uma realidade em procedimentos de estética facial e corporal. Tem-se, como destaque, os fios da marca I-Trhead, distribuídos no Brasil pela MedBeauty, por possuírem todas as certificações nacionais e internacionais, além de apresentarem um excelente desempenho.

O uso de dois tipos distintos de fios, no caso descrito, foi proposital para que fosse possível analisar como os diferentes tipos comportam-se dentro dos tecidos em relação a imagens de ultrassom.

O comportamento dos fios inseridos e analisados mostrou-se de acordo com o que era esperado e sem nenhuma espécie de comprometimento a tecidos circunvizinhos e nem tampouco aos tecidos vasculares regionais, o que corrobora ainda mais a segurança do procedimento, algo que já foi estudado por diferentes aspectos, exceto do ponto de vista da ultrassonografia.

O ultrassom demonstra ser mais uma ferramenta em favor do profissional e do paciente, sendo que possui um custo operacional muito menor do que o de outros exames de imagem, como a tomografia computadorizada e a ressonância magnética. Contudo, poucos profissionais da área de estética possuem equipamentos de ultrassonografia em seus ambientes de trabalho.

Um outro ponto desfavorável ao uso do ultrassom é que o exame é muito humanodependente, ou seja, depende muito da habilidade do profissional que opera o equipamento em aplicar a técnica correta, bem como da cooperação do paciente.

Entretanto, seria muito proveitoso se todos os profissionais de estética, após a inserção de fios de dermossustentação, demonstrassem a seus pacientes como eles ficaram bem inseridos e como foram recebidos pelos tecidos ao redor, criando assim uma atmosfera de maior profissionalismo e confiança em relação ao profissional e ao procedimento. Contudo, isso ainda é uma utopia do autor.

De qualquer maneira, fica clara a utilidade da ultrassonografia para verificação dos fios, sendo que os aspectos imagenológicos podem ser utilizados como uma ferramenta a mais no tratamento, assim como para defesa em caso de processos judiciais.

A literatura médica e odontológica ainda não apresentou estudos utilizando imagens de ultrassonografia para verificação de fios de PDO aplicados à estética facial e corporal, sendo este artigo pioneiro nesse assunto. Obviamente, faz-se necessária a realização de mais estudos para que o tema seja amplamente esclarecido e divulgado.


Dr. Ben-Hur Amaral Broll Filho – Graduado em Odontologia, pela Universidade Nove de Julho e pós-graduado em Oncologia, pela Faculdade de Ciências da Saúde do Hospital Israelita Albert Einstein, com Mestrado em Healthcare Management, pela Universidade de Miami.

 

Referências bibliográficas

  1. https://www.folhavitoria.com.br/saude/noticia/11/2021/fios-de-pdo-conheca-a-tecnica-para-deixar-o-rosto-mais-jovem.
  2. https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/fisica/o-que-e-ultrassom.htm.
  3. https://www.tuasaude.com/nodulo-hipoecoico/.
  4. What is a Medical Ultrasound? LiveScience.com.
  5. Health, Center for Devices and Radiological. www.fda.gov.
  6. Seabra, J. C. R. Reconstrução e Diagnóstico 3D Ecográfico da Lesão Aterosclerótica (PDF).
  7. Bushberg, Jerrold (2002). The essential physics of medical imaging. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins.
  8. Feldman, Myra K., Katyal, Sanjeev, Blackwood, Margaret S. (1 de julho de 2009). «US Artifacts». 29 (4): 1179–1189. ISSN 0271-5333. doi:10.1148/rg.294085199.
  9. Hobbie, Russel (1997). Intermediate physics for medicine and biology. New York: Springer.
  10. Kremkau, F. W. (1 de setembro de 1993). «Multiple-element transducers». RadioGraphics. 13 (5): 1163–1176. ISSN0271-5333. doi:1148/radiographics.13.5.8210599.
  11. Masselli, Ivan Barraviera. Manual Básico de Ultrassonografia (PDF). Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina – Departamento de Diagnóstico por Imagem – Liga Acadêmica de Radiologia.