Freud e Jung: duas teorias, duas personalidades

Freud foi um homem de seu tempo. Nascido em 1856, ano em que foi lançada a “teoria das espécies” de Darwin, voltou-se para a ciência, já que as religiões, na época, estavam esgotando sua atuação no mundo em que ele vivia.

E a ciência focava-se no mundo visível (macro e micro), no mundo das sensações. Descobriam-se, através do microscópio óptico, as bactérias causadoras da tuberculose, as espiroquetas causadoras da sífilis. Ou seja, o objeto de estudo era o mundo observável, seja a olho nu ou não, mas materializado.

De família judaica, Freud tinha, como saída ao antissemitismo austríaco, o universo dos estudos, mais especificamente das ciências médicas. Estudou medicina. Estudou neurologia. Queria ser cientista, mas casou-se e precisava ganhar dinheiro para sustentar a si mesmo e a família que constituíra.

Abriu um consultório e começou a atender pessoas com distúrbios neurológicos. Porém, observou que alguns pacientes não se encaixavam nos pressupostos sintomáticos médico-neurológicos. Alguns deles apresentavam cegueira histérica, surdez histérica, paralisias histéricas, sem terem lesões neurológicas compatíveis com os sintomas. E, mais ainda, ao invés de se angustiarem com a ocorrência desses sintomas, ficavam calmos, tranquilos. O que chamava a atenção, pois deveriam se desesperar com a presença dessas afecções.

Freud percebeu que, quando esses pacientes começavam a falar, chegavam a certos traumas que se localizavam na infância e dos quais não tinham lembrança, a não ser por meio dessas associações pela fala.

Notou também que muitas dessas falas eram fantasias, que no início ele acreditou serem mentiras, ou falsas memórias, com as quais se decepcionou, pois acreditava serem reais. Por exemplo: em alguns relatos de abusos sexuais ou incestos, descobriu serem os traumas determinados por desejos culposos do próprio paciente.

Construiu, então, toda uma teoria baseada na sexualidade, aplicando o conceito de busca da causalidade, que na época era o móvel da ciência. Em sua teoria, a consciência constituía o princípio da vida, junto aos cinco sentidos (audição, olfato, visão, paladar e tato), enquanto o inconsciente seria o resultado da repressão aos desejos surgidos na consciência, vindos dos instintos, aos quais chamou de ID.

Por raciocínio, nomeou de superego a instância censora que fazia esse material dos instintos ser inconsciente e de EGO a ponte entre o ID, o superego e a realidade (externa).

No que se refere à relação com o meio ambiente, descobriu que o momento em que a criança separa seu aparelho psíquico do dos pais ocorre próximo aos seis anos de idade. Chamou de “castração simbólica” esse movimento e de elaboração do Édipo esse fenômeno de “castração simbólica”. Aos transtornos desse fenômeno deu o nome de “complexo de Édipo”.

Resumindo: Freud parte da consciência para o inconsciente.

Jung e o inconsciente coletivo

Jung nasceu em 1875 e formou-se em medicina com 25 anos (quando Freud estava com 54 anos). Portanto, na época (1900), encontrou um cenário em que já haviam sido feitas as descobertas da psicanálise (Freud) e da psiquiatria (psiquiatras alemães e franceses).

Freud morava na Áustria e Jung, na Suíça, onde já existia um grande hospital psiquiátrico, em que ele fazia estágio. Jung era filho de pastor luterano (portanto, protestante) cristão.

Jung conheceu Freud através da obra deste sobre os sonhos e dos estudos sobre histeria.

Enquanto Freud estudava a neurose, Jung estudava a psicose. Seu trabalho no término de estágio foi sobre “demência precoce”.

Jung teorizou que o psiquismo começa pelo inconsciente, para formar a consciência, ou seja, o inverso do que dizia Freud.

Segundo Jung, a humanidade toda tem uma única raiz genética que, ao se expressar de modo cultural, o faz por meio de um inconsciente coletivo, que é a matriz de toda a riqueza da cultura humana. Isso envolve os mitos de criação surgidos desde o início da formação da consciência cultural, os contos de fadas, os sonhos proféticos e toda a manifestação cultural humana.

Para poder se expressar, esse inconsciente coletivo organiza-se numa forma mandálica, chamada SELF, que é fonte de todo mistério imagético e sonoro.

Essas imagens emergem dos arquétipos, os quais, juntamente com emoções e afetos, formam os chamados complexos de tonalidade afetiva, os quais, por sua vez, formam o complexo egoico, que é a ponte entre o mundo interno e externo.

O complexo egoico pode estar fortalecido, mas certas condições, como mudanças drásticas de vida, emoções fortes, mudanças de idade, febre, ação dos hormônios, alterações (desequilíbrios) energéticas entre a consciência e o inconsciente e uso de álcool e outras drogas desestruturantes, podem desencadear as mais variadas psicoses. Ou seja, uma estrutura pode mudar para outra estrutura, conforme as lesões.

Resumindo: Jung parte do inconsciente para a consciência.

Verso e reverso

Há vários outros aspectos envolvidos nas duas teorias: de Freud e de Jung. Mas as colocações feitas aqui bastam para o propósito a que esse artigo se destina.

Cada um deles tem uma teoria sobre a personalidade e a psicopatologia, mas partem de pressupostos opostos. A libido, que para Freud é energia sexual, para Jung é energia geral e natural.


Dr. José Rubens Naime – Médico com especialização em Psiquiatria, pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), em Psicanálise, pelo Instituto Sedes Sapientae, em Psicologia Analítica, pela Universidade São Francisco e em Psiquiatria e Dependência Química, pela Universidade de Santo Amaro. É professor na UNIFEV, em Votuporanga e supervisor na Unicastelo, em Fernandópolis.