Reflexologia podal em oncologia: é possível?

O câncer de mama é a segunda neoplasia maligna mais frequente em contexto mundial. Já, no Brasil, o aumento no número de pacientes com esse tipo de câncer, durante os últimos 20 anos, fez com que o Sistema Único de Saúde (SUS) classificasse essa doença como um problema de saúde pública.

O câncer de mama é considerado como uma neoplasia de prognóstico relativamente bom. Contudo, ainda é o tipo de câncer que mais causa mortes entre mulheres, no País, provavelmente devido ao diagnóstico tardio.

Atualmente, existem diversos protocolos para o tratamento do câncer de mama, dependendo do estágio e da espécie do tumor.

Pacientes hospitalizados com câncer sofrem efeitos colaterais debilitantes decorrentes do tratamento que recebem para sua doença e do próprio câncer. Esses efeitos colaterais não intencionais do tratamento de câncer incluem náuseas e vômito. Tradicionalmente, as opções para tratar esses sintomas englobam o uso de uma variedade de medicamentos.

Pessoas com câncer podem apresentar também tipos específicos de dor, incluindo espasmos, mucosite, dor óssea, neuropatia, dor nas articulações e dermatite. No entanto, a náusea é um sintoma frequente, afetando cerca de 40% a 70% desses pacientes durante o curso da doença. Náuseas e vômitos induzidos pela quimioterapia prejudicam o funcionamento emocional, cognitivo e social e podem levar ao declínio da qualidade de vida dos pacientes.

Por não obter bons resultados com o modelo biomédico ocidental, algumas pessoas buscam métodos alternativos para tratar suas dores. As práticas integrativas e complementares (PICS), implementadas no SUS, incluem massagem, acupuntura, fitoterapia, lian gong, yoga, tai chi chuan, recursos manipulativos, musicoterapia e reflexologia, entre outras.

Foi demonstrado que a aplicação de terapias integrativas diminui significativamente a dor oncológica relacionada ao tratamento e a ansiedade associada em pacientes com câncer. Por exemplo: pacientes com cancro de mama utilizam frequentemente terapias integrativas para alívio dos sintomas relacionados ao câncer, em conjunto com o tratamento convencional.

Pessoas com câncer podem fazer uso de diferentes terapias integrativas (meditação, musicoterapia, yoga, acupressão, acupuntura, etc.) para melhorar o bem-estar e a qualidade de vida e aliviar os sintomas.

A reflexologia podal é uma dessas práticas integrativas utilizadas de forma complementar para tratamento de câncer de mama e de outros tipos.

Reflexologia e receptores pressóricos

A reflexologia consiste em técnicas milenares que se modernizaram ao longo dos anos. Historicamente, a “medicina dos pés” foi descrita por antigas sociedades, como a chinesa e egípcia, sendo redescoberta por estudiosos dessas civilizações e trazida ao conhecimento das sociedades modernas.

Considerando-se as tradições orientais, o método de pressão é aplicado nos pés porque é onde passam os principais canais (meridianos) que conduzem a energia vital (chi) existente em todo o corpo e também por eles estarem, a maior parte do tempo, sob pressão do peso corpóreo estático ou dinâmico.

A reflexologia podal é definida como um conjunto de  técnicas de pressão em pontos específicos, localizados nos pés, conhecidos como terminais nervosos.

As pressões efetuadas nesses terminais nervosos desencadeiam uma série de eventos pelo corpo, como por exemplo estímulo do sistema nervoso, melhora da circulação sanguínea, eliminação de substâncias tóxicas e estimulação da glândula pituitária para a liberação de endorfinas, que têm efeito analgésico, promovendo um estado de relaxamento e alívio das dores.

Mapas de reflexologia propõem que as orelhas, mãos e pés possuem áreas de correspondência a partes do corpo e que ao pressionar pontos específicos nessas áreas é possível tratar órgãos, glândulas ou sistemas situados em locais longínquos do organismo.

Receptores pressóricos localizados nas orelhas, mãos e pés, uma vez estimulados, seriam capazes de enviar mensagens ao sistema nervoso central (SNC) e, a partir daí, a eferência regulatória chegaria ao local desejado.

Ou seja, as zonas reflexas nos pés são utilizadas como o “teclado de um computador”, que se comunica com o processador (SNC), provocando uma resposta emitida na parte do corpo correspondente.

Além desse efeito reflexo específico e vinculado a uma área do organismo que se queira tratar, são descritos também na literatura científica outros benefícios da reflexologia, como redução de tensão e estresse, efeito relaxante geral, melhora da circulação sanguínea, manutenção de boa saúde e promoção de bem-estar.

Reflexologia vs. massagem

O Conselho Americano de Certificação em Reflexologia descreve a diferença entre massagem e reflexologia, esclarecendo que a intenção da massagem é a manipulação dos tecidos usados ​​para relaxar os músculos, enquanto na reflexologia utilizam-se várias técnicas para apoiar a saúde geral dos sistemas do corpo, de forma a funcionarem de maneira ideal.

Estudos descobriram que pacientes com câncer que receberam quimioterapia ou bioterapia apresentaram diminuição de dor, fadiga, náusea e ansiedade, após o tratamento com aplicação de massagem nas mãos e/ou pés, o que apoia a eficácia dessa técnica.

No entanto, em uma metanálise, a reflexologia nos pés pareceu ser mais eficaz do que a massagem tradicional para redução de dor oncológica.

Outras pesquisas relataram resultados positivos com a aplicação de reflexologia, mas reconheceram a existência de vários estudos que apoiam os benefícios da massagem na redução de náuseas, vómitos e fadiga em pacientes com câncer.

Embora haja evidências limitadas sobre os efeitos da reflexologia em náuseas de pacientes com câncer, alguns ensaios foram realizados. Em um estudo duplo-cego randomizado, a reflexologia foi aplicada em pacientes submetidos ao procedimento de hemodiálise, em sessões de 30 minutos, uma vez ao dia, durante 12 dias, começando uma hora após o início da hemodiálise. Já, o grupo de controle recebeu massagem geral nos pés e medicação antináusea. Observou-se que as náuseas e a fadiga foram significativamente menores no grupo de intervenção.

Reflexologia podal em tratamento de câncer

A reflexologia podal tem apresentado resultados promissores em casos de câncer, doença renal crônica, neuropatias, doença arterial coronariana, diabetes mellitus do tipo 2, esclerose múltipla, demência, artrite reumatoide, dismenorreia, dor pós-operatória e dor lombar.

No entanto, uma antiga revisão sistemática e sua atualização concluíram que as evidências científicas de alta qualidade metodológica eram insuficientes para embasar efeitos positivos da reflexologia podal. Porém, é preciso salientar que não foram analisados aspectos como fadiga, qualidade do sono, estresse, dor, ansiedade, associação de outras formas de reflexologia auricular e nas mãos e efeitos da reflexologia podal como recurso isolado de tratamento de condições dolorosas.

Pesquisadores utilizaram um protocolo de reflexologia diferente, em que foram excluídos nove pontos específicos de câncer de mama e pressão profunda com o polegar. Nele, foram incluídos pontos que estimulam o sistema nervoso, pulmão, diafragma, mamas, tórax, rins, glândulas adrenais, baço e intestino. Nesse estudo, foi observado um alívio significativo de dispneia, levando à normalização do funcionamento físico e da fadiga. Por outro lado, não houve alteração em relação aos sintomas de dor, depressão e náusea.

Outros estudos concluíram que não há evidências suficientes para apoiar a teoria da reflexologia de pontos nos pés correspondentes a áreas específicas do corpo. No entanto, pesquisadores relataram vários resultados positivos de estudos clínicos, incluindo melhoria nas classificações de qualidade de vida em pacientes com câncer de mama, redução de ansiedade em pacientes com câncer de mama e de pulmão e diminuição de dor e ansiedade em pacientes internados com câncer metastático e em pacientes pós-operatórios com câncer gástrico e hepático.

A dor afeta cerca de 40% a 90% das pessoas com câncer, enquanto 40% a 70% delas apresentam náuseas. Os opiáceos continuam a ser a principal opção para o tratamento de dor em pacientes com cancro. No entanto, os pacientes mais velhos apresentam mais sintomas resultantes dos efeitos colaterais desses medicamentos.

Os resultados de um estudo indicaram que a reflexologia podal diminuiu significativamente a dor em pacientes internados com câncer, em comparação com os cuidados de enfermagem tradicionais por si só.

E embora os efeitos da reflexologia sobre as náuseas não sejam estatisticamente significativos, eles podem ser clinicamente relevantes. As mudanças médias observadas nas classificações de náusea antes e após a realização de sessão com a aplicação da técnica indicam pelo menos alguma diminuição desse sintoma entre os membros do grupo de intervenção. Essas descobertas têm implicações práticas importantes, porque a qualidade de vida dos pacientes pode ser afetada positivamente quando ocorre alívio das náuseas e vômitos induzidos pela quimioterapia.

Pesquisadores avaliaram também o efeito da combinação de acupuntura e reflexologia para tratamento da neuropatia periférica causada pela quimioterapia. Foi observado que 93% dos pacientes tratados relataram não ter  mais sintomas. Conforme o protocolo, foram administradas uma ou duas sessões semanais, durante 12 semanas, com 20 minutos de acupuntura e 30 a 40 minutos de reflexologia, com a utilização dos pontos-padrão.

Outra equipe de pesquisadores realizou um estudo dividindo as pacientes com câncer de mama em três grupos: grupo de controle, grupo que receberia massagem no couro cabeludo e grupo que receberia reflexologia podal.

A reflexologia podal e a massagem no couro cabeludo tiveram protocolos padronizados, de acordo com os tipos de câncer de mama. As pacientes receberam uma sessão de uma hora por semana, durante oito semanas, a partir da sétima semana após a cirurgia.

De início, os resultados foram significativamente diferentes entre os três grupos, no que se refere à sensação de relaxamento das pacientes, mas entre os grupos de massagem e de reflexologia não foram relevantes. Também não houve diferença entre os três grupos ao se tratar de depressão e ansiedade. Na última análise realizada, o grupo de reflexologia foi o que obteve maiores efeitos positivos.

Num outro estudo, o objetivo foi avaliar se a aplicação de reflexologia poderia reduzir o uso de serviços de saúde, o que implicaria em aumento da produtividade no local de trabalho. Nessa pesquisa, as pacientes recrutadas estavam em estágio III ou IV, fazendo tratamento direcionado. O protocolo aplicado pelo cuidador consistia na realização de no mínimo uma sessão de 30 minutos, durante quatro semanas, em pontos-padrão. Foi possível observar uma diminuição dos sintomas decorrentes dos efeitos colaterais do tratamento convencional de câncer, o que consequentemente resultou na diminuição do uso dos serviços de saúde e aumento da produtividade no trabalho, confirmando a hipótese inicial.

Em outro estudo, a reflexologia foi utilizada no tratamento de linfedema no braço de pacientes com câncer de mama. Os pesquisadores observaram redução do inchaço, porém esse benefício deveria ser observado por mais de seis meses. As pacientes, com idades variando entre 43 a 86 anos, usaram a reflexologia para controlar o linfedema após passarem por cirurgia. O protocolo de 40 minutos seguido na aplicação de reflexologia visou pontos reflexos correspondentes às áreas linfática e renal, por sete semanas.

Inicialmente, as pacientes desse estudo relataram sentir muita  dor, dificuldades para realizar tarefas simples do dia a dia e constrangimento social. Ao final da pesquisa, observou-se que elas apresentavam redução da dor, retorno às atividades normais e elevação da autoestima.

Pesquisadores usaram também a reflexologia para tratar preocupações de pacientes com câncer. O estudo foi realizado com a participação de 52  pacientes, sendo que 30 deles tinham câncer de mama e 22 possuíam outro tipo de câncer. As preocupações dos pacientes foram divididas em cinco categorias: preocupações psicológicas e emocionais, preocupações físicas, preocupações com o tratamento, preocupações com o bem-estar e questões  práticas. De acordo com a pontuação obtida num teste realizado para verificar  o progresso e melhora, houve avanço de 46,8% no grupo das pacientes com câncer de mama e 40% no grupo de pacientes com outro tipo de câncer.

Comentário final

Apesar das pesquisas que mostram resultados positivos em termos de dor e náusea em relação à reflexologia, existem lacunas. Por exemplo: poucos estudos examinaram os efeitos da reflexologia podal em pacientes de unidades de internação oncológica e menos ainda consideraram seu uso como parte dos cuidados holísticos de enfermagem.

A reflexologia é uma modalidade fácil de aprender e que pode ser realizada em praticamente qualquer lugar, apresentando poucas restrições para sua utilização. No entanto, os diferentes métodos de reflexologia dificultam a padronização e a replicação. Outras limitações relativas à aplicação dessa técnica incluem tempo e despesas de treinamento.


Mari Uyeda – Professora Assistente da Saint Francis University, na Pensilvânia – EUA.

 

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