Ao ser contratado para trabalhar em uma empresa, o funcionário passa por exame feito pelo chamado médico do trabalho. Trata-se de uma consulta para a avaliação da saúde de acordo com os pré-requisitos do cargo a ser ocupado. O mesmo acontece quando há rescisão de contrato. Esse procedimento é uma obrigatoriedade legal imposta a todas as empresas, visando a observar e resguardar a saúde dos trabalhadores.
O mundo do trabalho, constantemente transmudado no curso da história, é elemento estruturante da vida das pessoas e das sociedades. O trabalho é inerente à condição humana por proporcionar possibilidades para a sobrevivência do indivíduo e produzir aumento de capital e oportunidades de alcançar suas aspirações.
Não é necessário ir muito longe na história para perceber que as relações trabalhistas modificaram-se e adaptaram-se às condições e necessidades das pessoas ao longo dos anos. Desde a Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra em meados do século XVIII, até a Revolução Industrial 4.0, iniciada no século atual e extremamente atuante hoje em dia, muito aconteceu no que diz respeito à visão que as pessoas têm do trabalho.
Profissionais, principalmente os que fazem parte da geração Y, não enxergam seu trabalho apenas como um meio de ganhar dinheiro, como na época de seus pais. As gerações mais novas exigem que as empresas abram mão de burocracias, hierarquias e formalidade e, em contrapartida, buscam reconhecimento, satisfação e qualidade de vida. Os “trabalhadores 4.0” dessa geração apresentam, nesse novo cenário corporativo, uma relação bastante estreita entre a vida profissional e a vida pessoal, preconizando, além da preservação de sua saúde no trabalho, outros aspectos inerentes à qualidade de vida de forma mais ampla e global. E, com isso, acabam trazendo também junto a eles as gerações mais antigas que se mantêm ainda no mercado.
Para os gestores é um desafio gerenciar e desenvolver colaboradores, mantendo altos os índices de produtividade e motivação de todas as gerações que se inter-relacionam.
Nunca se falou tanto sobre qualidade de vida no trabalho – e, provavelmente, o assunto será cada vez mais discutido no futuro.
O que é qualidade de vida no trabalho
Sinteticamente, pode-se conceituar qualidade de vida no trabalho, ou QVT, como também é conhecida, como sendo o grau de satisfação que um colaborador tem com as funções exercidas e com o local em que trabalha.
Diferentemente do que muitos acreditam, a satisfação de um profissional no ambiente de trabalho não é algo que diz respeito somente a ele. Essa, aliás, é uma questão que deve ser vista e ter a devida atenção por parte da gestão da organização, pois afinal a satisfação do colaborador está diretamente ligada aos bons resultados que a empresa obtém ou deseja obter em um futuro próximo.
Empresas são feitas por pessoas. Nada melhor que ter pessoas motivadas, felizes e engajadas, prontas para colocar seus talentos profissionais à disposição da empresa, para que juntos todos possam colher bons frutos.
A qualidade de vida no trabalho normalmente é analisada a partir da relação da qualidade de vida do trabalhador com sua produtividade, mas, cada vez mais, os estudos e intervenções estão focalizados também em aspectos da vida do trabalhador não diretamente ligados às suas funções profissionais para a análise da qualidade de vida.
Segundo dados disponibilizados pelo Instituto Locomotiva em 2017, 56% dos trabalhadores brasileiros com carteira assinada não estavam satisfeitos. Isso representa quase 19 milhões de pessoas.
O escritor Fredy Machado, no seu livro “É possível se reinventar e integrar a vida pessoal e profissional”, apresenta dados ainda mais alarmantes: 90% dos trabalhadores brasileiros estão insatisfeitos com seu trabalho e com a qualidade de vida.
Já foi o tempo em que trabalho era apenas sinônimo de salário. Hoje, os colaboradores buscam por experiências, aprendizado e, claro, qualidade de vida e saúde. A empresa Catho, através de uma pesquisa, demonstrou que 81,1% dos brasileiros preferem trabalhar com o que gostam e ganhar menos, sendo que na lista de itens que fazem parte do “emprego dos sonhos”, 43,4% apontaram como primeiro quesito a qualidade de vida.
Com todas essas nuances do mundo corporativo, acima descritas, atualmente, a saúde ocupacional vai muito além da consulta para admissão, periódica e de rescisão do contrato de trabalho. É importante que as empresas desenvolvam programas de qualidade de vida de longo prazo, de acordo com a rotina do funcionário, a partir de campanhas que fomentem a saúde de forma ampla. E cada vez mais os empregadores têm percebido que a promoção da saúde dentro das organizações gera benefícios tanto para o empregado quanto para o empregador.
Esse novo modelo de gestão de saúde, proativo e não mais reativo, constitui um sistema de cuidado primário, compreensivo, que enfatiza a saúde e a cura da pessoa como um todo, visando à saúde, à qualidade de vida e ao autocuidado. Quando se observa literalmente essa conceituação, nota-se que ela nada mais é do que uma das definições de medicina integrativa proposta por I.R. Bell, O. Caspi e outros, no artigo Integrative medicine and systemic outcomes research: issues in the emergence of a new model for primary health care, publicado em 2002.
Medicina integrativa no âmbito da saúde ocupacional
É importante frisar que medicina integrativa não é sinônimo de medicina alternativa ou complementar, pois não rejeita a medicina convencional (curativa como conhecemos hoje).
Até mesmo o conceito de cura é ampliado, deixando de ser entendido apenas como ausência de doença (visão ainda comum hoje em dia), para ser visto como restauração do bem-estar físico, mental e social – definição, aliás, da Organização Mundial da Saúde (OMS), quando se refere à saúde no trabalho.
Entre as diretrizes da medicina integrativa no ambiente corporativo estão as mudanças na alimentação, a recomendação da prática de atividades físicas, a redução de estresse, as terapias que focam na integralização de corpo e mente, como ioga, meditação, massagens, musicoterapia e/ou a utilização de orientações vindas de sistemas de saúde orientais, como por exemplo a medicina tradicional chinesa, a acupuntura e o reiki.
Acupuntura
No final de 2012, um dos maiores estudos na área apresentou evidências sobre a acupuntura como terapia: depois da revisão de 29 pesquisas, totalizando quase 18 mil participantes, o trabalho mostra que a acupuntura tradicional ajuda a combater dores crônicas nas costas, na cabeça e ligadas à artrite, comprovadamente as maiores queixas ocupacionais hoje em dia.
Essa é a maior análise já feita para verificar se há diferenças entre a terapia de verdade e a baseada em pontos falsos, o placebo. Estudos já identificaram áreas do cérebro acionadas pelas agulhas, entre elas o centro de controle da dor, mostrando que elas promovem a liberação de substâncias analgésicas, as endorfinas.
Massoterapia
Inúmeras pesquisas estão demonstrando que indivíduos submetidos à massoterapia têm como resultados iniciais a diminuição de dores e ansiedade por minimizar a tensão e toda a cascata de irregularidades desencadeada por ela, como cansaço constante, dores musculares e pressão alta. Isso porque o estado de relaxamento propiciado em uma sessão baixa a concentração de cortisol, o hormônio do estresse, e melhora a qualidade do sono, imprescindível para manter o sistema nervoso sob equilíbrio.
Ioga
É uma atividade com caráter mais preventivo do que terapêutico. Pesquisas legitimam seu potencial para combater dores nas costas, por conta do fortalecimento muscular e do estado de relaxamento pós-sessão.
Meditação
Um trabalho da Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA, acaba de demonstrar, depois de um teste com 154 voluntários, que indivíduos que meditam meia hora por dia correm menor risco de sofrer com gripes e resfriados e perder dias de trabalho por isso. “É provável que, interferindo no sistema nervoso, a prática ajude a regular a imunidade”, diz Bruce Barrett, autor da pesquisa.
Além da verve preventiva, a meditação também tem passado nas provas que avaliam sua capacidade de melhorar sintomas e dar qualidade de vida. Há estudos com resultados positivos em relação a hipertensão, esclerose múltipla e doença de Parkinson.
Tendência global
É uma tendência global a presença da medicina integrativa em instituições de diversos segmentos, usando como diretriz técnicas conhecidas, como as descritas acima, para trazer o bem-estar geral para seus colaboradores.
Quando as pessoas que trabalham nas empresas têm maior qualidade de vida, as corporações acabam se beneficiando com um clima organizacional mais saudável, funcionários mais comprometidos, equipes mais coesas e harmônicas e melhor gerenciamento do estresse, o que resulta num ganho absurdo de capital para as organizações.
Dr. Fernando A. Jeronymo Jorge – Médico especialista em Medicina do Trabalho e em cirurgia ortopédica, gestor de saúde/médico coordenador do SESMT na Cooxupé – Cooperativa Regional dos Cafeicultores em Guaxupé, CEO/diretor técnico no Instituto Pró-Exitus e diretor médico na Ortolife Guaxupé.