Apiterapia: o poder terapêutico das abelhas

Apiterapia é a prática terapêutica realizada com a utilização de produtos derivados de abelhas. Tem origens antigas: a primeira prescrição conhecida usando mel foi escrita em uma placa de argila, encontrada no vale do Eufrates e datada de algum ponto entre 2.100 e 2.000 a.C. Existem registros do antigo Egito e da antiga Índia sobre o uso de mel no tratamento de feridas. Hipócrates, o médico grego da antiguidade e “pai da medicina”, listou os efeitos terapêuticos do mel: “causa calor, limpa feridas e úlceras, suaviza úlceras duras dos lábios e cura carbúnculos e feridas”.

Todos os textos religiosos importantes referem-se ao mel e seus poderes de cura. Para o povo judeu, a terra prometida é descrita como um lugar “rico em azeite e mel”. Nos Vedas da antiga Índia, o mel é citado como um remédio para muitos tipos de distúrbios. Na Bíblia, também há inúmeras referências. E, no islamismo, o Corão qualifica o mel como um remédio precioso, mencionando sua origem e qualidades terapêuticas: “ele sai de suas barrigas: um líquido de várias cores, com cura para a humanidade”.

Portanto, o mel e outros produtos apícolas têm uma herança de uso como medicamentos. Atualmente, as virtudes dos produtos derivados de abelhas são preconizadas em especial por profissionais interessados ​​em medicina alternativa e complementar, que descrevem a utilização de mel, pólen, própolis, cera, geleia real e apitoxina para fins medicinais como apiterapia. Mas, assim como acontece em qualquer outra prática médica, as alegações sobre os benefícios terapêuticos dos produtos apícolas precisam ser permanentemente sujeitas à avaliação crítica e científica.

A Apimondia (Federação Internacional de Associações de Apicultores), que atua na promoção do uso de produtos apícolas na área de saúde, propõe a seguinte definição: “apiterapia é um conceito médico, baseado em fundamentos científicos que corroboram o conhecimento tradicional, incluindo: procedimentos de produção de abelhas visando ao desenvolvimento médico, transformação de procedimentos de produtos de colmeia, isolados ou em associação com plantas medicinais e seus derivados (apifarmacopeia) e protocolos clínicos que incorporem a utilização da apifarmacopeia e/ou de abelhas (apimedicamentos)”.

O que é mel?

As abelhas fazem mel a partir do néctar que coletam das flores e, em menor escala, da seiva de outras partes de plantas. A cor, o aroma e a consistência do mel dependem do tipo de flores em que as abelhas estiverem forrageando. As abelhas-forrageiras são sempre as fêmeas operárias. A abelha-rainha e as abelhas-batedoras (responsáveis pelas missóes de reconhecimento dos locais) nunca procuram por comida.

Após coletar o néctar na flor e armazená-lo em uma parte modificada de seu intestino em forma de bolsa (saco de mel), a abelha-forrageira voa de volta para a colmeia, onde regurgita o fluido, passando-o para uma ou mais abelhas-domésticas, que também o engolem e regurgitam. Cada vez que uma abelha suga o líquido através de sua tromba e o armazena em seu saco de mel, uma pequena quantidade de proteína é adicionada, enquanto água é evaporada. As proteínas adicionadas pelas abelhas são enzimas que convertem os açúcares existentes no néctar em diferentes tipos de açúcares.

O líquido viaja através de uma cadeia de abelhas até ser colocado em uma célula (alvéolo) de favo de mel, onde continua a ser processado. Quando o teor de água atinge um nível inferior a 20 por cento, as abelhas selam a célula com uma cobertura de cera. O mel é agora considerado “maduro”, o que significa que pode ser armazenado sem perda de qualidade e sem mofar ou fermentar, servindo de alimento concentrado para as abelhas, em períodos em que não há flores ou no inverno.

O mel como medicamento para a saúde humana

Como alimento para os seres humanos, o mel é uma fonte rica de carboidratos, além de conter uma grande diversidade de componentes (minerais, proteínas, vitaminas e outros), adicionando variedade nutricional às dietas. Mas, na verdade, o mel sempre foi tradicionalmente considerado como um remédio ou tônico, em vez de um alimento cotidiano. Na atualidade, ele é mais uma vez reconhecido por suas propriedades curativas e antibacterianas, quando tomado por via oral ou aplicado como tratamento para feridas e queimaduras.

Por exemplo: muitas sociedades conhecem a mistura de mel e limão como um elixir para aliviar dores de garganta. Hoje, há uma explicação científica para isso: a vitamina C do limão tem efeitos imunoestimulantes e anti-infecciosos, enquanto o mel tem poder medicinal. A bactéria mais comumente conhecida por causar dor de garganta é a Streptococcus pyogenes e experimentos de laboratório provaram que alguns méis podem inibir o crescimento dessa bactéria. Outra bactéria que o mel demonstrou inibir é a Helicobacter pylorum, que é um fator causador de úlceras.

O mel tem vários componentes e características que podem resultar em propriedades curativas, tais como a sua acidez, atividade enzimática, presença de peróxido de hidrogênio e alto potencial osmótico. Uma das enzimas existentes no mel é a glicose oxidase, que é produzida pela glândula hipofaríngea (cabeça) das abelhas. Quando o mel é diluído, essa enzima é ativada e oxida a glicose para gerar ácido glucônico e peróxido de hidrogênio. O alto potencial osmótico do mel é devido à sua elevada concentração de açúcar. Isso significa que ele tem um efeito osmótico que pode levar à quebra das membranas bacterianas, inibindo assim o crescimento microbiano. O mel também pode ser usado na cicatrização da pele e no ressecamento de feridas. Suas propriedades antibacterianas e sua composição química, que ajudam a manter a umidade local e permitem a passagem do oxigênio, são boas para prevenir infecções, reduzir a inflamação e promover a rápida cicatrização. O mel contém ainda compostos derivados das flores em que as abelhas se alimentaram, que podem ser flavonoides e fenóis ativos, bem conhecidos por suas propriedades antibacterianas.

Muitos estudos estabeleceram que os méis escuros das florestas de coníferas têm uma forte atividade antibacteriana. Exemplos de méis antibacterianos são os australianos de Leptospermum polygalifolium e o conhecido manuka honey de Leptospermum scoparium da Nova Zelândia.

Cera de abelha: o “tijolo” das colmeias

Cera de abelhas é uma substância cremosa que elas utilizam para construir os alvéolos (favos) que formam a estrutura da colmeia. Quando pura, ela é branca, mas a presença de pólen e outras substâncias faz com que se torne amarela. Suas propriedades físicas e químicas são diferentes de acordo com o tipo de abelhas que a produz.

A cera líquida é secretada de quatro pares de glândulas localizadas na superfície ventral dos tergitos abdominais (placas que ficam na parte inferior do corpo da abelha). Quando se espalha sobre a superfície dessas placas e entra em contato com o ar, a cera endurece e forma pequenas lascas aderidas em cada tergito. Um abelha-operária produz oito escamas de cera a cada 12 horas. As abelhas usam os pelos duros de suas patas traseiras para remover as escamas de cera e passá-las para as pernas do meio e, então, para as mandíbulas, onde a cera é mastigada e misturada com as secreções salivares. Com a consistência correta, a nova cera é usada na construção dos alvéolos ou para selar células de mel.Cera de abelhas - uso medicinal

Usos medicinais da cera de abelhas

Ao contrário do mel, a cera de abelhas não é um alimento. No passado, era usada na medicina, principalmente como veículo para outros ingredientes e em pomadas e cataplasmas. Atualmente, ela é amplamente utilizada nas indústrias farmacêutica e cosmética em pomadas, cremes para a pele e pílulas. No campo da medicina alternativa, a cera de abelha é mais uma vez parte de vários medicamentos. Há indícios de que ela tem propriedades antibióticas e pode ser usada no tratamento de artrite e inflamações nasais.

Trata-se de uma substância muito estável, cujas propriedades mudam pouco ao longo do tempo. É resistente à hidrólise e oxidação natural e insolúvel em água. Sua composição é complexa e consiste de muitas substâncias diferentes, mas predominantemente de ésteres de ácidos graxos e álcoois superiores, além de pigmentos de pólen e própolis.

Pólen e a dieta diversificada das abelhas

Pólen é um pó formado por minúsculos grãos brancos ou dourados presentes nas flores e que contêm os gametófitos masculinos da planta. Quando esses grãos atingem o estigma (parte feminina da planta), na mesma flor em que estavam ou em outra, ocorre a fertilização e desenvolvimento de sementes. As abelhas participam do processo como agentes de polinização cruzada, levando o pólen de uma flor para outra.

Néctar e pólen são as únicas fontes de alimento das abelhas: o néctar é principalmente uma fonte de carboidratos para a produção de mel, enquanto o pólen fornece todos os outros nutrientes essenciais para que elas cresçam e se desenvolvam.

O pólen é certamente muito importante no processo de nutrição das abelhas. Embora cada abelha esteja coletando pólen de apenas uma espécie de planta em uma dada viagem, a colônia como um todo está recolhendo esse pó em uma grande variedade de plantas, assegurando assim que a comunidade tenha uma dieta diversificada.

O pólen é transportado em corbículas (“cestas”) que ficam nas patas traseiras de abelhas-forrageiras e, da mesma forma que o mel, é posteriormente armazenado nos alvéolos de cera da colmeia, com segurança e estabilidade, para alimentar principalmente as operárias e larvas.

Pólen: alimento completo… também para humanos

Há quem afirme que, graças ao seu valor nutricional, o pólen é um dos alimentos mais completos da natureza também para seres humanos. Certamente ele tem todos os ingredientes corretos, contendo cerca de 30% de proteína e incluindo todos os aminoácidos essenciais para dietas humanas, um espectro completo de vitaminas e minerais, lipídios, enzimas, oligoelementos, precursores de hormônios, carboidratos, ácidos graxos, flavonoides, carotenoides e muitos outros elementos menores, dependendo das plantas em que as abelhas estiveram coletando. É possível que o pólen forneça oligoelementos valiosos para suplementar dietas deficientes.Uso medicinal do pólen

Para uso em apiterapia, os profissionais da área preferem ter o pólen o mais fresco possível. Acredita-se que o pólen que foi seco e armazenado por algum tempo tenha um valor terapêutico menor.

O mel sempre contém uma certa quantidade de pólen, o que pode fazer com que ele pareça turvo. Para evitar isso, alguns apicultores processam-no para remover todo o pólen. No entanto, muitos consumidores preferem adquirir mel que não tenha passado por essa filtragem, pois acreditam que o consumo regular de mel contendo pólen ajuda a reduzir as reações alérgicas ao próprio pólen (febre do feno – que causa coceira, olhos lacrimejantes, espirros e outros sintomas similares). Pesquisas recentes sobre doenças alérgicas apareceram para apoiar essa crença sobre o potencial imunoterapêutico do mel contendo pólen.

Própolis: segurança e higiene da colmeia

O própolis é composto por gomas e resinas que as abelhas coletam em botões de flores ou em áreas danificadas das plantas. Esse composto faz parte do sistema de defesa química que as plantas desenvolveram em resposta às lesões que sofrem, como primeiro estágio no processo de cicatrização da área afetada ou então como um recurso para protegê-las contra predadores e patógenos. Portanto, não é surpreendente que o própolis tenha propriedades antifúngicas, anti-inflamatórias e antibacterianas.

As abelhas mordem pedaços dessa resina vegetal com suas mandíbulas, retirando-a da planta e aos poucos colocando-a nas corbículas (as mesmas “cestas” onde guardam o pólen) de suas patas traseiras, transportando-a então até a colmeia.

Assim como acontece com o mel e o pólen, a composição de cada própolis é diferente de acordo com as plantas em que as abelhas foram coletá-lo. Ele também sofre modificações diante da ação das enzimas das próprias abelhas, que alteram sua composição.

O própolis contém mais de 300 diferentes substâncias em sua estrutura, incluindo flavonoides, ácidos orgânicos, aldeídos, vários álcoois, minerais, esteróis, esteroides, açúcares e aminoácidos.

As abelhas utilizam própolis para manter suas colmeias secas, impermeabilizadas, seguras e higiênicas e para selar rachaduras onde microrganismos poderiam se desenvolver.

Uso medicinal e cosmético do própolis

O própolis é particularmente valorizado como remédio para dor de dente, sendo adicionado em cremes dentais e gomas de mascar. Uma possibilidade é que ele atue inibindo a enzima glicosiltransferase da bactéria Streptococcus mutans, responsável por produzir ácido láctico na boca que agride o esmalte dos dentes.

Com propriedades antissépticas e anestésicas é também usado na composição de medicamentos tradicionais, sprays orais, xampus, sabonetes, pomadas para a pele e cosméticos. O própolis é mais comumente vendido na forma de tintura elaborada pela dissolução em álcool.

Geleia real e a dieta das rainhas

A geleia real é um líquido branco leitoso, que serve de alimento para as larvas de abelha. Ele é secretado pelo complexo da glândula salivar (glândula hipofaríngea) das abelhas-babás (operárias que cuidam da ninhada). Contém também alguns açúcares e proteínas adicionados a partir do estômago dessas abelhas-operárias.

Abelhas-operárias e rainhas começam a vida como ovos idênticos colocados pela rainha-mãe. O que determina se um ovo irá se desenvolver em uma abelha-operária ou em uma abelha-rainha é a forma como ele é alimentado. As larvas de abelha-rainha são alimentadas com quantidades significativamente maiores de geleia real e, subsequentemente, as abelhas-rainhas adultas diferem em muitos aspectos das abelhas-operárias adultas: a rainha é fértil, acasalará, porá ovos muito proficuamente e viverá por muito mais tempo do que as operárias. A geleia real é, portanto, um alimento potente no que diz respeito ao desenvolvimento das abelhas, contendo muitos hormônios de crescimento.

Uso da geleia real como remédio e tônico

Em algumas partes do mundo, a geleia real é tradicionalmente valorizada como remédio e tônico para os seres humanos e outros animais. Certamente, ela é uma fonte concentrada de muitos nutrientes, incluindo todas as vitaminas do complexo B, assim como dos complexos A, C, D e E, proteínas, açúcares, gorduras, minerais e ácidos graxos essenciais.

Veneno na defesa contra predadores

O veneno de abelhas, também chamado de apitoxina, é uma substância química que elas utilizam como mecanismo de defesa contra predadores. Ele é produzido por glândulas existentes no abdome desses insetos e introduzido no organismo das vítimas através de um canal existente no ferrão. Trata-se de uma mistura complexa de proteínas, aminoácidos, enzimas, açúcares e lipídios.

Apitoxina: o veneno que cura

A apitoxina possui uma composição rica e diferenciada em elementos químicos, sendo que alguns deles são alergênicos e outros salutares para a saúde humana. Hipócrates já havia feito referências ao uso medicinal do veneno de abelha. E, hoje, a apitoxina é utilizada em terapia contra alergia a picadas desse próprio inseto e em tratamentos, por exemplo, de doenças reumáticas e artrite. Embora ainda sejam necessárias maiores confirmações científicas, o uso de apitoxina é considerado benéfico no tratamento de doenças crônicas e incuráveis, como esclerose múltipla e artrite reumatoide. A terapia com veneno também é aplicada para o alívio da dor causada por lesões em tendões e músculos e lesões por esforço repetitivo.

Um polipeptídio, a melitina, é um componente importante do veneno de abelhas que, em seres humanos, tem o efeito de estimular o córtex adrenal (parte da glândula suprarrenal) a liberar cortisol, um hormônio associado à redução de inflamações e respostas curativas. Isso também pode explicar em parte o possível sucesso da apitoxina em aliviar doenças inflamatórias.

Na indústria, o veneno passa por um processo de retirada de seus componentes alergênicos em laboratório, para então ser submetido à manipulação para produção de cremes, pomadas, loções e outros produtos de aplicação tópica.

Existe ainda a possibilidade de usar a apitoxina comercializada em forma de cápsulas ou de soluções injetáveis. Mas, normalmente, a apitoxinoterapia é realizada com abelhas vivas aplicadas diretamente no paciente. A maioria dos profissionais que fazem uso desse tipo de terapia prefere usar abelhas vivas em função do fato de que o veneno desidratado perde ingredientes voláteis ativos.

Acupuntura com abelhas

Uma explicação para os efeitos benéficos das picadas de abelha é que elas funcionariam como uma forma de acupuntura. De fato, alguns profissionais combinam as duas técnicas numa prática chamada apiacupuntura (ou apicuntura).

A acupuntura é amplamente reconhecida como uma técnica útil para aliviar a dor. As agulhas de acupuntura estimulam vias nervosas causando a liberação de endorfinas, que são substâncias opioides que aliviam as dores. Parece provável que uma picada de abelha possa causar estimulação da produção de endorfinas de forma semelhante a uma agulha de acupuntura.


Este artigo foi elaborado com base numa compilação de textos extraídos do compêndio Bees and their roles in forest livelihoods – A guide to the services provided by bees and the sustainable harvesting, processing and marketing of their products, de autoria de Nicola Bradbear, sob o patrocínio da FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura.