“A Nova Ordem dos Séculos”, frase estampada na nota de um dólar norte-americano é uma alusão ao fato de que o desenvolvimento acontece onde o dinheiro está.
A sociedade europeia, que originou a maior parte da sociedade norte-americana, tem como hábito histórico o consumo de remédios para o tratamento de doenças. As boticas ou apotecas surgiram no século X, quando a medicina e a farmácia eram uma coisa só.
O surgimento da máquina de fazer comprimidos, derivada da máquina de fazer minas de grafite, encontrou grande aceitação pelo público. O consumo de “pílulas” para o tratamento de doenças criou um novo segmento de mercado.
A invenção da Aspirina, talvez o medicamento mais bem-sucedido da história, impulsionou a corrida pela descoberta de novas moléculas patenteáveis. Esse fato foi determinante na compreensão de vários sistemas bioquímicos do corpo humano.
Dois eventos foram marcantes na consolidação da indústria farmacêutica no século XX: a purificação da insulina bovina em 1923 pelo laboratório Lilly e o desenvolvimento da penicilina no final da Segunda Guerra Mundial através de um consórcio envolvendo vários laboratórios. O diabetes e doenças infecciosas como a sífilis e a pneumonia foram derrotados.
A indústria farmacêutica iniciou o século XXI entre os grandes setores industriais do mundo, ainda lucrativo e prevalente na medicina. O desenvolvimento bioquímico moldou o pensamento médico dentro do binômio molécula-receptor. Apesar de lucrativa, essa indústria pode ter chegado ao seu limite, com margens de lucro decrescentes e baixa projeção de crescimento futuro. Some-se a isso o fato de que as patentes expiram em 20 anos, perdendo-se a exclusividade de comercialização do produto e diluindo os ganhos. A pesquisa por novas drogas pode ser limitada ante a baixa expectativa de lucro, e algumas têm seu uso restrito como os quimioterápicos e os novos medicamentos biológicos. Observe-se ainda a criação de novas “velhas” moléculas, como o omeprazol e a loratadina, para a manutenção dos direitos sobre as patentes.
Expansão da indústria de seguros
A indústria de seguros originou-se no período babilônico, no século XXIII a.C., através de contratos de garantia para os camelos dos mercadores da época. No século XVIII d.C., a Lloyd’s Co. tornou-se a maior seguradora marítima do mundo, impulsionando o período das grandes navegações mercantis. Nesse ramo, o conceito de se pagar uma pequena quantia a ser perdida, evitando-se um prejuízo maior em caso de adversidade só foi incorporado na saúde em 1929, por meio de seguros para professores que garantiam 21 dias de hospital mediante o pagamento de 6 dólares anuais. Após a Segunda Guerra Mundial, hospitais privados nos EUA, diante de baixas taxas de ocupação, criaram um seguro-saúde amplo para todos os trabalhadores, o Blue Cross. Pagava-se uma pequena quantia mensal com direito a uso ilimitado de todos os recursos médicos. Posteriormente o governo americano, para equalizar os custos de uma saúde cada vez mais complexa e cara, incentivou esse tipo de seguro entre as empresas, com coparticipação dos funcionários.
Atualmente, esse segmento de mercado tem quase o mesmo tamanho do farmacêutico. Mas as diferenças contábeis são grandes. Além da alta sinistralidade, existe significativa menor margem de lucro, devida principalmente aos custos hospitalares.
Práticas integrativas e um novo modelo de assistência médica
A economia mundial apresentou ao longo da história transferências de capital especulativo entre setores semelhantes, reagindo a novas realidades sociais e a novas tecnologias. Na revolução industrial no século XVIII o capital migrou da manufatura para as novas máquinas; depois, da indústria do carvão para o setor petroquímico, da indústria naval e ferroviária para a aeroespacial, do rádio, TV e mídia impressa para a internet, do setor de varejo para o comércio on-line.
Atualmente, está ocorrendo um movimento de mercado em que o capital está migrando gradualmente do setor farmacêutico para o setor de seguro-saúde. Um dos fatores é a pouca expectativa de aumento de lucros futuros no setor farmacêutico, ao contrário do seguro-saúde que pode ser majorado. O novo aporte de dinheiro financia o desenvolvimento do setor.
Discutem-se modelos de remuneração para o setor de seguro-saúde, porém dentro do sistema assistencial vigente, que é o do tratamento da doença manifesta. Modalidades como o fee-for-service (pagamento por procedimento), fee-for-value (pagamento por pacote de serviços) e salário fixo estão sendo negociados com os prestadores de assistência médica. A intenção é evitar o desperdício, o uso desnecessário de serviços e tecnologia, e amortizar complicações quando ocorrerem.
Na busca pelo lucro, o modelo atual de assistência médica terá que ser revisado. Serão privilegiados os modelos de prevenção em saúde. Dessa forma, as práticas médicas integrativas podem ser favorecidas na criação de um novo modelo assistencial a ser financiado pela ponta pagadora. Estudos populacionais, como o coorte, casos-controle, estudos longitudinais e transversais, patrocinados pelas empresas de seguro-saúde, farão a validação estatística dessas práticas, colocando-as em protocolos de rotina para a assistência médica.
As práticas médicas integrativas concebem a doença como um processo longo e multifatorial, são praticamente isentas de efeitos colaterais ou complicações e têm um custo muito menor em relação aos tratamentos farmacológicos e cirúrgicos atuais.
A sociedade mundial adoecerá menos através de uma força-tarefa que deve envolver governos e os setores privados da saúde, atuando sobre três tipos de educação: a educação física, a educação nutricional e a educação emocional. Dessa forma viveremos mais e de forma saudável.
Podemos concluir que a medicina do século XX foi influenciada pela indústria farmacêutica, e a medicina do século XXI será influenciada pela indústria de planos de saúde.
Dr. Fernando César Dotta de Barros – Médico otorrinolaringologista, acupunturista e praticante de BDORT. Mestre em ORL e Acupuntura pela UNIFESP.