Os círculos sagrados femininos contemporâneos são encontros entre mulheres que buscam honrar sua identidade feminina através da reverência à natureza, da mesma maneira que as sociedades ancestrais matriarcais faziam. As facilitadoras desses círculos têm buscado ferramentas que as auxiliem em seu trabalho. Dentre essas ferramentas, a aromaterapia tem sido um destaque, devido a seu potencial de atuação direta no sistema límbico.
Definição de aromaterapia e óleos essenciais
De todas as definições existentes para aromaterapia, a que mais se encaixa no propósito deste artigo é a que a conceitua como “o uso dos óleos essenciais para atuar diretamente no sistema límbico e, assim, auxiliar no trabalho e aceitação de determinadas emoções e sentimentos”.
Porém, de uma forma geral, na aromaterapia utilizam-se os óleos essenciais como base para os tratamentos, que tanto podem ser físicos quanto energéticos e emocionais. Cabe salientar que a Portaria nº 702, de 21 de março de 2018, do Ministério da Saúde, incluiu a aromaterapia na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, como parte das estratégias preventivas do Sistema Único de Saúde.
Na definição geral, o óleo essencial é um composto aromático complexo e volátil, extraído das plantas através de processos físicos e/ou químicos. Na natureza, os óleos essenciais atuam como protetores contra pragas e doenças e carreadores de nutrientes, hormônios, feromônios e produtos metabólicos, conotando que há atuação nos processos fisiológicos das plantas.
Em humanos, os óleos essenciais possuem três vias de ação: fisiológica: as propriedades químicas dos óleos essenciais têm ação antibiótica, anti-inflamatória, antifúngica, antibacteriana, analgésica, sedativa, etc.; psicológica: ação exercida sobre a mente e as emoções humanas e energética: o efeito no campo energético da pessoa, alterando sua frequência vibracional.
Essas três vias de ação dos óleos essenciais agem em conjunto e em diferentes níveis, ou seja, há uma sequência de ação e atuação, e essa sequência também pode ser alterada conforme a demanda. A mais comum inicia-se com uma ação alopática (devido à sua composição química), seguindo para uma ação mais sutil no nível da informação e do campo energético e terminando com a atuação na mente, mais precisamente no sistema límbico (nos mamíferos, o sistema límbico está localizado no cérebro e constitui a unidade responsável pelas emoções e comportamentos sociais).
Ainda no que se refere às vias de ação dos óleos essenciais, Deborah Eidson, aromaterapeuta, massoterapeuta e terapeuta floral, em seu livro Cura Vibracional, salienta que a energia individual de cada óleo essencial pode desencadear inúmeros estados de consciência e declarar ao inconsciente uma vontade de lidar com um problema, para que se possa resolvê-lo. Ressalve-se que os óleos essenciais têm que ser indicados e recomendados por um profissional habilitado na área, nesse caso, um(a) aromaterapeuta.
As mulheres nos mundos antigo e moderno
Nos mundos antigos, nas sociedades ancestrais, as mulheres possuíam papéis bem definidos e podiam desenvolvê-los quando bem quisessem, pelo fato de expressarem a figura (arquétipo) da mãe, ou seja, uma divindade que gera, nutre e protege todos os seres vivos.
As sociedades ancestrais existiram num período que foi denominado Era da Deusa, sendo chamadas de sociedades matrifocais/matriarcais. Elas vivenciavam o inconsciente mais de perto e tinham uma relação harmônica com a natureza. Homens e mulheres viviam integralmente e a valorização feminina se dava devido ao fato da mulher gerar a vida e se alinhar ao ciclos lunares, através dos quais se realizava a medicão do tempo.
Na Era da Deusa, a vida social e cultural estava fundamentada nas crenças e mitos. Dessa forma, havia o despertar do indivíduo para os mistérios do universo, não existindo separação entre o ego e o inconsciente. Mesmo a identidade masculina agindo e a identidade feminina gerando, as duas se complementavam, sendo que cada uma tinha um papel bem definido e respeitado.
Com a repressão que a identidade masculina começou a exercer sobre a identidade feminina, teve início a existência de uma relação conflituosa entre ambas. A estrutura social passou a ser racional e a mulher começou a servir ao homem. Assim, houve a separação das identidades masculina e feminina, com a mulher desconectando-se de sua verdadeira identidade.
Vivemos o reflexo dessa separação no mundo moderno, onde as verdades, os limites e as noções do sujeito feminino estão alterados por modelos sociais que fragmentam a identidade da mulher.
Nessa lógica, denota-se que a construção individual e social ocorre por imposições patriarcais, ou seja, após o advento do patriarcado (sociedades patrifocais), a principal consequência é a negação da verdadeira identidade da mulher. Nessas sociedades, o masculino ocupa a zona e o espaço central e de comando, e para o feminino sobra a zona periférica, que por sua vez é considerada como um espaço vazio que pode ser preenchido apenas por futilidades e maternidade. A mulher é vista como posse e começa a imitar a identidade masculina para ser aceita socialmente.
Círculo sagrado feminino
As sociedades ancestrais percebiam o mundo através das crenças. Independentemente de religiões antigas ou atuais, as crenças da Era da Deusa forneciam aos humanos uma ordem social a ser seguida e uma medida de tempo, haja vista que o ciclo menstrual da mulher era equiparado ao ciclo lunar, que por sua vez era equiparado ao ciclo solar, sendo que a essas equiparações era assimilada uma egrégora energética.
A Lua foi o primeiro medidor do tempo para os seres humanos e o ciclo menstrual a primeira conexão da identidade feminina. Nesse período, as sociedades ancestrais eram tribais e as mulheres reuniam-se para ritualizar suas crenças por meio da reverência às luas cheia e nova, para abençoar a vida através do parto, na agricultura e no ato de devolverem seu sangue menstrual à Deusa – Grande Mãe Terra (Tabela 1).
Dessa forma, os círculos femininos eram tidos como uma dádiva a ser cultuada, pois neles as mulheres mantinham sua identidade e alimentavam o culto à deusa. Eram também espaços para trocas de conhecimento sobre a agricultura e sobre os ciclos naturais, já que, como explica Monika von Koss, psicoterapeuta e fractologista, em seu livro Feminino+Masculino: Uma nova coreografia para a eterna dança das polaridades, a ação primordial da agricultura era dada às mulheres. Foram elas que iniciaram o processo de coleta de sementes e semeadura da terra em pequenas plantações ao redor da tribo, para terem comida enquanto os homens saíam para caçar.
De uma forma ou de outra, as mulheres encontraram nesses círculos/reuniões uma maneira de ritualizar suas crenças, dar suporte umas as outras e manter suas verdadeiras identidades femininas.
Nos dias atuais, os círculos sagrados femininos são um resgate da identidade feminina, uma forma de cessar a imitação da identidade masculina e uma reconexão com a verdadeira identidade da mulher.
Metodologia e discussão
Com base em tudo o que foi exposto acima, este artigo tem como objetivo analisar o auxílio que as propriedades terapêuticas dos óleos essenciais podem fornecer às facilitadoras dos círculos sagrados femininos contemporâneos, para o resgate e a reconexão com a verdadeira identidade da mulher.
Para tanto, pretendia-se avaliar as respostas obtidas por meio de um questionário online que continha 49 perguntas simples e diretas sobre: quem são as mulheres, plantar a Lua, ciclos mensais e despertar (reconexão com a identidade feminina, descrita como despertar das mulheres).
Esse questionário teve como base o Diário Aromático Maromas – 2019, que foi elaborado pela autora do presente artigo e entregue às mulheres que participaram das vivências nele propostas. O diário constitui-se de um livreto contendo 88 páginas, onde se encontram: a) as estações do ano, b) o ciclo lunar e o ciclo menstrual, c) as fases da Lua, d) mandala lunar – que consiste de um gráfico para acompanhamento do ciclo menstrual (denominado ciclo lunar), e) os meses do ano e f) o óleo essencial do mês (Tabela 2).
A cada ciclo mensal, um texto-guia era enviado às mulheres participantes, com informações sobre o significado do mês, as datas de lua cheia e nova e seus significados, as razões de se usar o óleo essencial designado para aquele mês e as emoções a serem trabalhadas ao longo daquele período.
As respostas ao questionário seriam analisadas estatisticamente para se fazer um levantamento social das mulheres participantes e para avaliar as correlações existentes entre o ciclo mensal e o óleo essencial do mês.
Porém, nenhum questionário foi devolvido formalmente com as respostas. Ocorreram somente conversas impessoais e informais entre a autora do presente artigo e as mulheres que participaram. Essa ação denota o nível de desconexão, desarmonia e fragmentação que as mulheres encontram em suas identidades após tanto tempo de domínio patriarcal.
Uma nova pergunta surgiu: quais foram os verdadeiros motivos para as mulheres não terem respondido ao questionário oficialmente, mas terem tido uma conversa informal com a facilitadora do Diário Aromático Maromas?
A resposta para essa nova pergunta surgiu justamente do fato de que os círculos sagrados femininos estão vivendo um momento de resgate do feminino e também de seu autorresgate. E as mulheres que estão participando ainda não sabem lidar com a reconexão que estão vivendo com sua identidade e, por isso, ainda sentem medo e vergonha de serem julgadas, de serem expostas.
Julgamentos, exposição do feminino e óleos essenciais
Desde que o patriarcado iniciou sua repressão perante o matriarcado, a identidade feminina foi quase que totalmente aniquilada, chegando ao ponto de que “tudo que levasse o rótulo de feminino era considerado inferior, perigoso e precisando ser dominado, controlado ou eliminado. Negava-se até mesmo a existência da alma na mulher”, conforme relata Mirella Faur, em seu livro O Legado da Deusa. No panteão cristão, a única mulher que tem um pouco de destaque é a Virgem Maria, mas ainda assim por ter parido Jesus Cristo e não pelo fato de ser uma mulher. Portanto, as crenças da Era da Deusa sofreram todo tipo de julgamento ao longo dos séculos de domínio patriarcal. Nos dias atuais, por mais que esteja ocorrendo um resgate da identidade feminina, as mulheres ainda sentem vergonha de seu próprio feminino, ainda sentem o peso dos séculos de patriarcado.
Essa condição vergonhosa da própria identidade foi a principal razão para que não ocorressem respostas físicas ao questionário. As mulheres participantes sentiam-se mais tranquilas em relatar suas experiências de modo informal, não querendo se expor, ainda que o questionário fosse anônimo.
Porém, houve três momentos ao longo do ciclo solar (ciclo anual de 2019) que se destacaram e em relação aos quais as mulheres que relataram suas experiências informalmente foram unânimes: 1) Momento de mais ansiedade (ciclo de fevereiro) – óleo essencial de gengibre para promover a confiança, 2) Momento mais difícil (ciclo de junho) – óleo essencial de benjoim para amenizar a exaustão emocional e 3) Momento de maior conexão (ciclo de novembro) – óleo essencial de gerânio para nutrir o feminino.
Esses três momentos corroboram perfeitamente a falta de autonomia e liberdade a que a identidade feminina está sujeita, ou seja, a identidade feminina é descrita sob uma perspecitva da identidade masculina. Ao analisarmos os três momentos podemos perceber que são distintos entre si, mas revelam o verdadeiro desejo da identidade feminina: o de ser ela mesma.
1) Momento de mais ansiedade: promover a confiança. O óleo essencial de gengibre (Zingiber officinale) é o do poder pessoal. Chega-se à obviedade de que a promoção da confiança seria o momento de maior ansiedade da identidade feminina. Durante séculos, a identidade masculina foi suprema em seus valores morais, espirituais, culturais, sociais e comportamentais, o que resultou no domínio da identidade feminina, ao ponto do feminino imitar o masculino em busca de aceitação. Ao fazermos a relação aceitação-confiança, sabemos muito bem que ela é diretamente proporcional. As mulheres, que durante séculos tiveram sua confiança desprezada, sentem-se muito ansiosas ao vivenciarem novamente esse sentimento/ação, pois não estavam preparadas para que sua identidade feminina fosse confiante e, consequentemente, fossem aceitas.
2) Momento mais difícil: amenizar a exaustão emocional. O óleo essencial de benjoim (Styrax tonkinensis) possui propriedades ansiolíticas e antidepressivas, além de ser reconfortante em situações estressantes em que se perde o contato com a paz interior. Novamente nos deparamos com a identidade feminina sendo sobrepujada pela identidde masculina. A exaustão emocional se dá no fato de que a mulher moderna está sobrecarregada em seus afazeres, vivenciando a Síndrome da Super-Mulher. Muitas vezes ela tem que ser “pai e mãe”, tem que trazer o sustento para dentro de casa, tem que lidar com um ambiente machista em seu local de trabalho e enfrentar tantos outros atos que a identidade masculina sobrepõe e exije da identidade feminina. Essa imensa demanda moderna em relação à identidade feminina acarreta uma exaustão emocional na mulher, ao ponto dela não poder demonstrar sua fragilidade, por estar imitando a identidade masculina para ser aceita.
3) Momento de maior conexão: nutrir o feminino. O gerânio (Pelargonium graveolens) sintetiza o hormônio strogen-like e isso faz com que seu óleo essencial seja o da feminilidade. Esse fato corrobora a conexão vivida entre as mulheres participantes e suas identidades femininas. As mulheres sentiram-se seguras ao nutrir seu feminino, em suma, sentiram-se aceitas e sem a necessidade de imitar a identidade masculina. Algumas mulheres relataram informalmente que a culpa em ser mulher parecia “algo longíquo e sem expressividade ao longo do ciclo de novembro”, justamente o que o resgate da identidade feminina busca.
O despertar da identidade feminina
Os círculos sagrados femininos buscam o resgate (que é denominado de “despertar”) da identidade feminina, despertando assim o conhecimento atávico de seus ciclos naturais de alegrias e tristezas, seu ciclo menstrual e seu ciclo lunar, enfim, daquela mulher que confia em sua intuição e nos seus pensamentos e sabe se impor nos momentos corretos, mas que sabe também ser observadora em outras situações.
O uso das propriedades terapêuticas dos óleos essenciais pelas facilitadoras dos círculos sagrados femininos propiciará a potencialização desse resgate, desse despertar, pois permitirá que a coragem e a determinação da mulher (expressas em sua identidade feminina) transformem os séculos de domínio patriarcal em sabedoria para transpor o medo de julgamento e de exposição social.
Conclusão
As propriedades terapêuticas dos óleos essenciais mostraram-se muito eficazes para auxiliar as facilitadoras dos círculos sagrados femininos no trabalho de resgate da identidade feminina das mulheres que deles participam.
Mas, mesmo assim, as mulheres não quiseram responder ao questionário, por sentirem vergonha de sua identidade feminina e medo dos julgamentos e da exposição social, preferindo fazer relatos falados e informais.
Isso denota que, por mais que esteja ocorrendo um resgate da identidade feminina nos dias atuais, elas ainda estão aprendendo a lidar com essa gama emocional e sentimental que os círculos sagrado femininos proporcionam. Por isso mesmo, é de suma importância que apoiemos o retorno dos círculos sagrados femininos, para que as mulheres tenham um suporte no resgate de suas identidades femininas.
Por fim, cabe salientar que este artigo é resultado de um trabalho desenvolvido com mulheres do gênero feminino (que se reconhecem e possuem a maquinária do gênero feminino), o que entretanto não exclui a possibilidade de se usar a aromaterapia nos círculos sagrados femininos para trabalhar e resgatar também mulheres com outras manifestações de feminilidade (mulheres transgêneros, não-binárias, etc.).
Mara Bainy – Aromaterapeuta, bióloga, doutora em Ciências Fisiológicas, pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG, terapeuta holística e facilitadora de Círculos Sagrados Femininos.
Fontes
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