Arteterapia junguiana: da educação emocional ao processo de individuação

Este artigo tem como foco compreender de que forma a utilização da arteterapia, sob o viés junguiano, contribui para a educação socioemocional e para a relação do indivíduo com a prática artística elaborada e estruturada com intencionalidade terapêutica.

O objetivo é refletir sobre os processos de individuação e de autoconhecimento, campos subjetivos cujo acesso é proporcionado ao sujeito por meio da imersão arteterapêutica, como prática possibilitadora de expressão da alma, tendo como fundamentação teórica as contribuições da psicologia analítica, com ênfase na simbologia da expressão.

As reflexões desenvolvidas têm por base os estudos de Carl Gustav Jung e de alguns teóricos da arteterapia e da criatividade, que apresentam conceitos fundamentais acerca da psicologia analítica e sua relação com a arte, assim como mostram a importância da arteterapia para o desenvolvimento emocional e sua aplicabilidade no setting arteterapêutico, percursos fundamentais para que o indivíduo entre em contato com sua expressão subjetiva imbuída de significados, possibilitando o autoconhecimento e o acesso a conteúdos do consciente e submersos no inconsciente.

Serão ressaltados mecanismos mediadores de instrumentalidade artística plástica importantes para o processo arteterapêutico e que favorecem o desenvolvimento socioemocional, cognitivo, de adaptação, de percepção de mundo e, principalmente, de relação consigo mesmo e com o outro.

O desenvolvimento da criatividade e a expressão simbólica livre da pessoa, trabalhados na arteterapia, reverberam positivamente no processo de integração das áreas neurológica, cognitiva, afetiva e emocional.

A psicologia analítica e a arte como terapia

Em meio a tantas situações do dia a dia que acabam afetando a vida emocional das pessoas, como aquelas relacionadas ao estresse, ansiedade e quadros depressivos, dentre outras psicopatologias, percebe-se a necessidade de inserção da arteterapia nos espaços institucionais, no sentido de contribuir, de maneira complementar, para o desenvolvimento socioemocional dos indivíduos.

Atualmente, a práxis da arteterapia vem ganhando oportunidades de inserção em vários desses segmentos institucionais, como nas áreas de saúde, educação e social e em ONGs (organizações não governamentais), OSCIPs (organizações da sociedade civil de interesse público), CAPs (centros de atenção psicossocial), CRAs (centros de referência de assistência social), CREAs (centros de referência especializados de assistência social), sistema penitenciário e entidades de integração social e de recuperação.

A prática da arteterapia é, inclusive, reconhecida pela CBO (Classificação Brasileira de Ocupação), sob o registro 2263-10, o que significa que os profissionais que a ela se dedicam podem ser registrados em carteira de trabalho e prestar concurso público.

A aplicação da arteterapia em diversos espaços institucionalizados, com certeza contribui, de maneira efetiva, para que sejam trabalhados aspectos fundamentais para o processo de desenvolvimento e de educação socioemocional das pessoas. Nesse sentido, ela se constitui em um recurso imprescindível para a integração e fortalecimento de vínculos, principalmente na formação da individualidade, na consciência de si e na relação com o outro, cuidando dos aspectos emocionais, intelectuais e cognitivos do ser humano em construção.

É necessário, portanto, o conhecimento acerca das relações entre arte, psicologia analítica e expressão criativa, sob o olhar da arteterapia, com toda sua vasta investigação e contribuição, enquanto área de conhecimento que, aos poucos, ganha visibilidade acadêmica e profissional, visando ao equilíbrio, autoconhecimento, autoestima, ajustes emocionais e enfrentamento dos mais diferentes conflitos internos das pessoas e de suas relações humanas.

Contudo, é importante destacar que a pesquisa aqui relatada refere-se a uma análise geral de como a dinâmica da psique estrutura-se e interage em relação à expressão simbólica do ser. Em razão da amplidão que envolve os conceitos relacionados a essa questão, não será possível discutir todas as ramificações da psicologia analítica em sua relação com a arte, uma vez que Jung alerta-nos sobre a necessidade de manter determinada cautela ao lidar com exageros conceituais e apegos a fatos não observáveis.

Os pressupostos teóricos apresentados têm como base principal as pesquisas de Jung acerca da valorização da expressão criativa, da expressão das emoções subjetivas e do processo de individuação e suas possíveis relações com a arteterapia, para o autoconhecimento e a emancipação humana.

São intervenções, absolutamente necessárias para o arteterapeuta, que atendem às necessidades da individualidade do sujeito. Ou seja, o objetivo é analisar como a psicologia analítica e a arte como terapia, com sua autonomia de métodos e recursos, contribuem para o equilíbrio socioemocional, considerando aspectos biológicos, sociais e cognitivos do ser e valorizando a expressão simbólica e seus desdobramentos emocionais, revelados por meio do consciente e do inconsciente, que plasticamente são expressados, desconstruídos, reconstruídos e transformados.

 A importância da expressão simbólica no processo arteterapêutico

De acordo com Celeste Carneiro, arteterapeuta junguiana e transpessoal, “a arte é o lugar comum de encontro da humanidade, linguagem universal que conta nossa história e faz do universo psíquico a expressão máxima em sua jornada de autoconhecimento”.

Nesse contexto, o estudo do símbolo ganha grande relevância, pois ele tem uma relação muito intensa com a vida humana. Já nos primórdios, o ser humano utilizava-se dos símbolos para representar vários estágios da psique por meio de sua expressão rupestre. Pode-se dizer que eles estabelecem uma ponte do inconsciente para o ego, revelando uma íntima comunicação das emoções.

A formação de símbolos governa a capacidade de se comunicar. Eles são necessários não apenas para a comunicação com o mundo externo, mas também na comunicação interior. Na arteterapia, a expressão simbólica livre, estimulada por vários mediadores artísticos adequados, consegue acessar canais do inconsciente, muitas vezes externando sonhos, conflitos, sentimentos e emoções, sem preocupação com a produção estética. Esse processo propicia mudanças psíquicas estimuladoras, principalmente por ativar o potencial criador do sujeito e a possibilidade de olhar para si mesmo e de refletir sobre suas emoções, desconstruindo e construindo valores e virtudes para SER melhor.

Como afirma a arteterapeuta e artista plástica Angela Philippini, a arteterapia é um processo estruturado, por meio de atividades pré-organizadas, explorando materiais artísticos, delimitando a abrangência de atuação e demarcando cronologias, acompanhamento e avaliações. Essa ideia reforça o poder do processo terapêutico e a assertiva relação existente entre sujeito-arteterapeuta-expressão.

“Assim”, esclarece Philippini, “através dos materiais gráficos, das tintas, das colagens, das variadas formas de modelagem, dos fios para tecelagem, dos papéis para dobradura, da confecção de máscaras, da criação de personagens, das miniaturas no tabuleiro de areia, de materiais naturais como folhas, flores, sementes, cascas de árvores ou da aproximação e experimentação com elementos vitais como água, ar, terra e fogo e de inúmeras outras possibilidades criativas, surgirão os símbolos necessários para que cada indivíduo entre em contato com aspectos a serem compreendidos e transformados”.

Jung ressalta a relação existente entre psicologia e arte evidenciando o poder simbólico e o processo criativo como uma energia instintivamente psíquica. O autor profere que “apenas aquele aspecto da arte que existe no processo de criação pode ser objeto da psicologia, não aquele que constitui o próprio ser da arte […] a pergunta sobre o que é a arte em si não pode ser objeto de considerações psicológicas, mas apenas estético-artísticas”.

É importante salientar que a arteterapia estabelece uma conexão com as estruturas psíquicas do consciente e do inconsciente e auxilia no processo terapêutico favorecendo a transformação pessoal, como cita Maria Cristina Urrutigaray:  “o universo da arte fundamentado na materialização de imagens mentais, formadas pelas ideias ou ideais, encontra [nos] (…) materiais plásticos, nas performances corporais, na música, etc., o continente para a concretização das necessidades individuais. Por possibilitar o estabelecimento da união entre a sensação de falta sentida pelo indivíduo com o encontro de seus recursos pessoais, vitaliza suas disposições ocultas, direcionando-as para sua superação pessoal”.

Expressão das emoções como possibilidade para o autoconhecimento

No dicionário on-line Michaelis, a palavra emoção é definida como a “ação de sensibilizar(-se); perturbação dos sentimentos; turbação; reação afetiva de grande intensidade que envolve modificação da respiração, circulação e secreções, bem como repercussões mentais de excitação ou depressão”.

De acordo Lannoy Dorin, pedagogo e mestre em psicologia, há uma distinção entre sentimentos e emoções: “os estados emocionais e sentimentais formam a afetividade, um dos aspectos do comportamento humano. Por sentimento entendemos o estado afetivo, brando de prazer, desprazer ou indiferença. São as disposições de prazer ou desprazer em relação a um objeto, pessoa ou ideia que vêm a formar os sentimentos. Distinguem-se das emoções por serem reações mais calmas e com uma experiência mais complexa, com mais elementos intelectuais”.

A arteterapia é importante para se trabalhar o campo das emoções, seus ajustes e principalmente, o equilíbrio emocional, uma vez que, como cita a Associação Americana de Arteterapia (American Association of Art Terapy), o processo arteterapêutico desenvolve recursos emocionais. “A arteterapia baseia-se na crença de que o processo criativo envolvido na criatividade artística e terapêutica é enriquecedor da qualidade de vida das pessoas. Arteterapia é o uso terapêutico da atividade artística no contexto de uma relação profissional por pessoas que experienciam doenças, traumas ou dificuldades na vida, assim como por pessoas que buscam desenvolvimento pessoal. Por meio do criar em arte e do refletir sobre os processos e trabalhos artísticos resultantes, pessoas podem ampliar o conhecimento de si e dos outros, aumentar sua autoestima, lidar com sintomas, estresse e experiências traumáticas, desenvolver recursos físicos, cognitivos e emocionais e desfrutar do prazer vitalizador do fazer artístico”.

Selma Ciornai, mestre em arteterapia e doutora em psicologia clínica, estabelece que a arteterapia é o processo por meio do qual o sujeito apercebe-se de seu mundo interior. Essa autora sinaliza bem a ideia de como os recursos da arteterapia propiciam o contato consigo mesmo e a expansão da consciência para uma educação emocional. “Tanto na arte como nos processos terapêuticos se manifesta a capacidade humana de perceber, figurar e reconfigurar suas relações consigo, com os outros e com o mundo. Retiramos a experiência humana da corrente rotineira e por vezes automática do cotidiano, estabelecendo novas relações entre seus elementos, misturando o velho com o novo, o conhecido com o sonhado, o temido com o vislumbrando, trazendo assim novas integrações, possibilidades e crescimento – novas ‘informações’, isto é, a formação de figuras que criam um novo saber. São, portanto, caminhos do conhecer humano, caminhos de criação, ampliação e transformação de conhecimento. A arte facilita esses processos pela natureza dos processos que lhe são próprios (lidamos literalmente com figuras, configurações, espaços, movimentos, etc.) e também porque provê uma ‘realidade alternativa’, em que eximidos das consequências que a realidade do cotidiano nos impõe, podemos relaxar nossas defesas e nos permitir contatar, sentir, elaborar e expressar, o que de outra forma nos configuraria perigoso ou ameaçador”.

Por meio da arteterapia, o sujeito vivencia uma experiência nova e começa a observar suas expressões passíveis de significados, ou seja, o simbólico passa a exprimir e traduzir suas emoções pelas vias da expressão criativa.

Liomar Quinto de Andrade, doutor em psicologia clínica e psicoterapeuta, orienta que “o efeito terapêutico dos diversos trabalhos com expressões artísticas terá que ser definido a partir da técnica: o fazer artístico e não conforme um modelo dado por uma determinada corrente em psicologia, citando-se o tratamento psicanalítico e a situação específica do trabalho com o divã que produz uma situação que resulta em efeitos ‘terapêuticos’. A arte também pode fazer isso através da produção de situações bastante diversas do ‘divã’ psicanalítico”.

A revelação dos arquétipos por meio da arteterapia

Os estudos junguianos e sua abordagem sobre a valorização do simbólico e o processo de individuação perpassam por importantes construtos, entre os quais estão o ego, o inconsciente pessoal (registros da história pessoal), o inconsciente coletivo (registros da humanidade) e os quatro arquétipos fundamentais: a persona, o animus e a anima, a sombra e o self, que interagem e se organizam, contribuindo para o processo de formação do ser, desenvolvimento da personalidade e busca da autorrealização.

Segundo a médica psiquiatra Nise da Silveira: “arquétipos são possibilidades herdadas para representar imagens similares, são formas instintivas de imaginar. São matrizes arcaicas onde configurações análogas ou semelhantes tomam forma. […] Do mesmo modo que existem pulsões herdadas a agir de modo sempre idêntico (instintos), existiriam tendências herdadas a construir representações análogas ou semelhantes. […] o arquétipo funciona como um nódulo de concentração de energia psíquica. Quando esta energia, em estado potencial, atualiza-se, toma forma, então teremos a imagem arquetípica. Não poderemos denominar esta imagem de arquétipo, pois o arquétipo é unicamente uma virtualidade”.

Sinteticamente, os arquétipos são conteúdos que foram gravados pelo inconsciente coletivo e norteiam a ação humana, imagens que se repetem ao longo da própria história da humanidade e que são revelados por ações comportamentais.

Jung esclarece que “existem tantos arquétipos quantas as situações típicas da vida. Uma repetição íntima gravou estas experiências em nossa constituição psíquica, não sob a forma de imagens saturadas de conteúdo, mas a princípio somente como formas sem conteúdo que representavam apenas a possibilidade de um certo tipo de percepção e de ação”.

O simbolismo expresso pelo sujeito no processo arteterapêutico, por meio da materialidade adequada, acessa canais do inconsciente e, muitas vezes, revela conteúdos arquetípicos que estão submersos e que, por meio desse processo, são ativados e externados pela expressão criativa.

O papel do arteterapeuta como mediador no processo de individuação

De acordo com Philippini, “os símbolos são entidades psíquicas que reúnem determinada carga de energia e a transformam de inconsciente em consciente e vice-versa, têm um papel central não só na estruturação da consciência, como também em todos os fenômenos que decorrem do processo de estruturação (….) No processo arteterapêutico é fundamental a observação de símbolos que surjam durante o processo, pois são caminhos para o inconsciente profundo. É importante como terapeutas não atribuirmos significado imediato aos símbolos expressos em terapia, devemos nos ‘livrar’ dos clichês e de interpretações imediatistas. Devemos observá-los levando em consideração o contexto em que o paciente se encontra, sua realidade, suas crenças, contexto social e cultural, assim apesar do significado universal de alguns símbolos devemos ficar atentos a significação atribuída a esses através da ótica do paciente que supostamente vem se desvelando no processo terapêutico. O sentido de um símbolo contido em imagens plásticas normalmente é dado por toda uma sequência”.

O arteterapeuta e o cliente traçam percursos que integram o ego, acessando os conteúdos e propiciando caminhos para estimular a expressão criativa subjetiva, conforme explica a psicóloga e professora de arteterapia Maida Santa Catarina: “o arteterapeuta, por meio do fazer artístico, vai mostrando o caminho e auxiliando a pessoa a descobrir quem ela é. Confrontando o consciente com o inconsciente, torna cada aspecto de sua personalidade à luz de sua consciência, de modo que se possibilita unir cada parte do seu ser em uma síntese integrada, permitindo que o indivíduo se sinta inteiro, sinta-se um ser que coopera com a obra do criador, que é viver livremente sem amarras e sem conflitos. No desenrolar do processo arteterapêutico, há quebras de resistências inconscientes, que, de forma lúdica, ali vão sendo projetadas. Desta forma, os conteúdos mais profundos vão emergindo à consciência, estes depois serão decodificados e analisados em nível de insights, possibilitando assim a autotranscendência do eu pessoal”.

O foco do processo arteterapêutico é a expressão dos sentimentos e a busca da autotranscendência, sem julgamentos. O processo de imersão, externado pela autoexpressão, possibilita que o sujeito reorganize-se e estruture-se emocionalmente e ajuda no caminho da individuação. Para isso é de fundamental importância a intermediação do arteterapeuta e a utilização de mediadores expressivos adequados, como propõe Ciornai: “a linguagem, os materiais e os instrumentos em muito vão estimular a criatividade. É a relação do ser humano com essa matéria que a potencializa e transforma. O homem e a matéria interagem e atuam em sua energia criativa, e ambos se modificam nessa relação. Há um diálogo, às vezes uma ‘briga’, encontros e desencontros, em que o tempo e a dimensão espacial se transformam. Entre embates e buscas, a criação se processa e o indivíduo vai podendo ver na matéria o que vem de seu mundo subjetivo e de seu olhar mais consciente, percebendo sua atuação em outros momentos da vida, sentindo e conscientizando-se do que aquelas imagens que se formam ali à sua frente significam”.

Segundo Jung, o processo de individuação é complexo e seguido por fases e certas dificuldades. “A individuação”, ele explica, “significa tornar-se um ser único, na medida em que por ‘individualidade’ entendemos nossa singularidade mais íntima, última e incomparável, significando também que nos tornamos o nosso próprio si-mesmo. Podemos dizer, pois, traduzir ‘individuação’ como ‘tornar-se si mesmo’ (Verselbeting) ou ‘realizar-se do si-mesmo’ (Selbstwerwiklichung)”.

Esse processo gera um conflito no indivíduo, um movimento para a realização e para o autoconhecimento. No entanto, conforme cita Silveira, “todo ser tende a realizar o que existe nele, em germe, a crescer, a completar-se. Assim é para a semente do vegetal e para o embrião do animal. Assim é para o homem, quanto ao corpo e quanto a psique”.

A arteterapia auxilia nesse processo de individuação e autoconhecimento, que desperta o tornar-se uma pessoa melhor, de expansão da consciência e de organização de conteúdos inconscientes individuais e coletivos, que vão interferindo, de maneira constante e sutil, na percepção das emoções e da subjetividade. A autoexpressão expande o autoconhecimento, beneficiando o indivíduo física, emocional e socialmente. “Pois, a arteterapia”, afirma Phillipini, “auxilia a resgatar, desbloquear e fortalecer potenciais criativos, através de formas de expressão diversas, ademais facilita que cada um encontre, comunique e expanda a seu próprio caminho criativo e singular, favorecendo a expressão, a revelação e o reconhecimento do mundo interno e inconsciente. Em arteterapia com abordagem junguiana, o caminho será fornecer suportes materiais adequados para que a energia psíquica plasme símbolos em criações diversas. Estas produções simbólicas retratam múltiplos estágios da psique, ativando e realizando a comunicação entre inconsciente e consciente. Este processo colabora para a compreensão e resolução de estados afetivos conflitivos, favorecendo a estruturação e expansão da personalidade através do processo criativo”.

É importante destacar que o processo de individuação está vinculado com a formação da personalidade consciente e que, fundamentalmente, isso acontece na infância e evidentemente no processo escolar do indivíduo e vai alicerçando-se ao longo da vida. Na infância, quando o indivíduo começa a romper os laços da psique maternal e paternal geridos fortemente sobre sua psique, não se pode dissociar o processo de individuação do ambiente escolar, principalmente na relação entre professor e aluno.

Para Jung, estava fora de dúvida que os professores constituem as influências mais poderosas sobre a individuação da criança, sobrepujando até mesmo as dos pais. Como afirmam Calvin Springer Hall e Vernon J. Nordby, no livro Introdução à psicologia junguiana, “os professores são ou deveriam ser treinados para trazer para a consciência o ego inconsciente dos alunos”.

Jung enfatiza a importância da intervenção profissional no processo educativo e expressivo do indivíduo e salienta a importância da infância, uma vez que a escola é o primeiro ambiente que a criança encontra fora de casa. Nesse sentido, ele destaca que “o conhecimento psíquico mais aprofundado, por parte do professor, não deveria jamais ser descarregado diretamente sobre o aluno, como lamentavelmente talvez aconteça. Tal conhecimento deve em primeiro lugar ajudar o professor a conseguir uma atitude mais compreensiva em relação à vida psíquica da criança”.

Contudo, independentemente do espaço em que a arteterapia é aplicada e da faixa etária envolvida, consideravelmente são necessárias a observação e a atenção especial, por parte do arteterapeuta, sobre as dimensões física, psíquica e espiritual do ser humano e, principalmente, a perspicácia de perceber que quem vai construir o próprio processo é o sujeito.

Não obstante, a mediação adequada do profissional em arteterapia vai ajudá-lo na compreensão e no controle das emoções, no contato consigo mesmo e consequentemente na evolução como pessoa humana, dotada de sentimentos. E o principal é que, na arteterapia, esse contato do sujeito com seu mundo interior e com suas sombras, que muitas vezes são bloqueadas e racionalizadas pela expressão verbal, é feito de maneira mais lúdica, possibilitando que a expressão torne-se mais rica e prazerosa.

A arteterapia favorece a imersão em si mesmo, pela criatividade e pelos sentidos mais aguçados do sujeito, envolvendo-o de forma confortável e acolhedora no processo de contato com suas próprias emoções e na busca da individuação como ser humano dotado de expressão que só a alma pode revelar.

 Considerações finais

Considerando a amplitude dos estudos de Jung e a expressão simbólica do indivíduo como ferramenta imprescindível no trabalho arteterapêutico, percebe-se que a psicologia analítica tem muito a contribuir para o campo da arteterapia, principalmente no que tange à importância da criatividade e da expressão pura e genuína, simbolicamente externadas pela materialidade resultante do acesso ao conteúdo do consciente e do inconsciente, de forma a favorecer o autoconhecimento e o equilíbrio emocional para a evolução do processo de individuação do ser.

Ao abordar essa temática, nota-se a necessidade de compreender o sujeito do processo arteterapêutico como um ser holístico, que expressa suas emoções por meio da arte e, muitas vezes, nem se dá conta disso. É importante que a pessoa seja considerada não só do ponto de vista intelectual, mas em seus aspectos emocionais, sensitivos, sentimentais e intuitivos, pois isso contribuirá para a formação mais completa do indivíduo.

O arteterapeuta tem um papel importante no desenrolar do processo de autoconhecimento, expressão e mediação e da linguagem não verbal expressa pelo sujeito, considerando suas habilidades e aprimorando suas competências para o desenvolvimento cognitivo, criativo, sensorial e principalmente emocional.

Há a necessidade de trabalhar com as emoções expressas no setting arteterapêutico. Novos desafios na construção do conhecimento dos profissionais de arteterapia e de suas diversas práticas elencam outras possibilidades na relação entre arteterapeuta e cliente, com um olhar mais sensível e humano no sentido de considerar as individualidades e pensar que não somos iguais, que cada um tem habilidades e comportamentos inerentes, que devem ser respeitados e sintonizados com práticas expressivas diversas que iluminem sua existência e façam com que se torne mais humano, em busca da autorrealização e de como lidar com suas emoções.


Adilson João Anselmo – Pedagogo, com atuação em artes visuais e serviço social e especialista em arteterapia.

 

Fontes

Andrade, L. Q. Terapias expressivas. São Paulo: Vetor, 2000.

Carneiro, Celeste. Arte, neurociência e transcendência. Rio de Janeiro: Wak, 2010.

Ciornai, S. Arte-Terapia: o resgate da criatividade na vida. In: Carvalho, M. M. A arte cura? Recursos artísticos e psicoterapia. Campinas-SP: Editorial Psy II, 1995.

Ciornai, S. Percursos em arteterapia. São Paulo: Summus, 2004.

Dorin, L. Introdução à psicologia. São Paulo: Editora do Brasil, 1972.

Hall, C. S. e Nordby, V. Introdução à psicologia junguiana. São Paulo: Cultrix, 2014.

JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. OC. Vol. XVII. Petrópolis: Vozes, 1972.

Jung, C. G. O eu e o inconsciente. OC. Vol. VII. Petrópolis: Vozes, 1978.

Jung, C. G. Os arquétipos e o inconscinete coletivo. OC. Vol. IX. Petrópolis: Vozes, 2000.

Jung, C. G. Tipos psicológicos. OC. Vol. VI. Petrópolis: Vozes, 2008.

Jung, C.G. O espírito na arte e na ciência. OC. Vol. XV. Petrópolis: Vozes, 2013.

Michaelis. Moderno dicionário de língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2021. Disponível em https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/emo%C3%A7%C3%A3o/. Acesso em 6 de julho de 2021.

Philippini, A. Cadernos de arteterapia. Rio de Janeiro: Pomar, 1997.

Philippini, A. Cartografias da coragem: rotas em arte terapia. Rio de Janeiro: Pomar, 2000.

Santa Catarina, M. Mandala: o uso na arteterapia. Rio de Janeiro: Wak, 2011.

Silveira, N. Jung: Vida e Obra. Rio de Janeiro: José Álvaro editor, 1974.

Urrutigaray, M. C. Arteterapia: a transformação pessoal pelas imagens. Rio de Janeiro: Wak, 2006.

Xavier, F. S. O que é a arteterapia de abordagem junguiana??? Psique Objetiva, 2012. Disponível em https://psiqueobjetiva.wordpress.com/2012/09/03/o-que-e-a-arteterapia-de-abordagem-junguiana/. Acesso em 5 de março de 2021.