Nos últimos anos, concomitantemente ao grande desenvolvimento da biomedicina, baseada em alta capacidade resolutiva, observa-se que as pessoas querem mais atenção e estão descontentes com essa medicina convencional vigente.
As novas descobertas da física quântica e da terapia genética têm demonstrado que a perspectiva futura é de uma abordagem muito mais individualizante do ser (seu genoma, suas predisposições, escolha do medicamento exato na dose exata para cada um, etc.), na contramão da medicina inespecífica que administra a mesma terapia para indivíduos tão complexamente diversos.
A homeopatia é uma importante ferramenta para a obtenção de qualidade de vida e encaixa-se perfeitamente nessa expectativa de personalização das abordagens terapêuticas.
Pouco pesquisada nos meios acadêmicos, a eficácia clínica dessa terapia é inquestionável para médicos e terapeutas homeopatas, além de principalmente para quem já observou em si mesmo seus benefícios.
Essa racionalidade médica baseia-se na lógica do cuidado ao sujeito, considerando todas as suas subjetividades e idiossincrasias, assim como o meio em que vive e as relações que estabelece com esse meio. Tem como parte importante a conversa com o indivíduo adoecido e a atenção à totalidade de suas demandas físicas e psíquicas. Costuma-se dizer que é uma terapia que pensa o doente e não a doença.
Atenção à individualidade e aos sintomas raros na homeopatia
Nos séculos XVIII e XIX, o médico e tradutor alemão Samuel Hahnemann já se preocupava com a questão da atenção ao sujeito. Ele desenvolveu a homeopatia em um período em que havia um descontentamento crescente com a eficácia dos métodos utilizados para cura de doenças e em que se estabelecia o conceito de medicina social como forma de aumentar a salubridade das cidades.
Os médicos eram os cientistas da época. Sua formação geralmente incluía várias áreas do conhecimento, como química, física, botânica e filosofia, entre outras e, nessa época, conquistavam cada vez mais o monopólio pela manutenção da saúde das pessoas.
Alguns desses médicos questionavam a realização das pesquisas de medicamentos em seres doentes e não em pessoas saudáveis, outros acreditavam que as doses altamente ponderais dos medicamentos lesavam mais que curavam os doentes e poucos ainda percebiam que substâncias que provocavam determinado sintoma em casos de intoxicação podiam ser utilizadas de forma bem-sucedida para tratar esses mesmos sintomas em pessoas adoecidas.
Nesse tempo, as pesquisas ainda eram muito fragmentadas e havia pouca comunicação entre os teóricos e práticos da medicina.
Hahnemann conseguiu acessar grande parte dessas informações e elaborou as quatro leis homeopáticas: experimentação em indivíduo são, similitude, remédio único e doses infinitesimais e mínimas.
Porém, talvez o maior mérito desse médico alemão tenha sido o de considerar as especificidades de cada ser e priorizar suas características mais peculiares para guiar uma terapia. Ele defendia a ideia de que se deve elencar os sintomas raros, a maneira exclusiva com que cada indivíduo responde aos estímulos adoecedores do meio em que vive.
Homeopatia e ciências humanas: transdisciplinaridade
Essa terapia do sujeito, preconizada por Hahnemann, requer novas formas de pesquisa clínica e uma interação com as ciências humanas para ser melhor compreendida e para que sua eficácia seja comprovada nos meios acadêmicos, com o propósito de resistir aos constantes ataques de alguns profissionais da biomedicina e da indústria farmacêutica que tentam desmerecê-la por não apresentar resultados consistentes nas pesquisas quantitativas.
Ora, como uma racionalidade médica que se funda na complexa especificidade de cada ser pode ser apreendida pela lógica e pelos números das ciências exatas e biológicas?
É um contrassenso, já que a homeopatia não se fixa apenas no padrão, mas no que foge à normalidade! A transdisciplinaridade oferece o porto seguro onde a homeopatia pode se ancorar para sobreviver.
Pesquisas clínicas qualitativas que acompanham a evolução de cada caso são capazes de identificar a validade da homeopatia, pois além dos resultados laboratoriais e clínicos, consideram também o discurso dos envolvidos: como se sentem, a melhoria da qualidade de vida, a nova maneira como encaram as adversidades do meio em que vivem e principalmente a autonomia que adquirem ao se tornarem capazes de identificar e modificar aquilo que os adoece.
O terapeuta deixa de ser o único responsável pela alteração do estado de adoecimento para se tornar o cúmplice no processo de retomada da saúde, aquele que indica caminhos possíveis e alternativos para o indivíduo se reencontrar.
Os pesquisadores das ciências humanas têm experiência suficiente para contribuir com esse debate e, em equipes transdisciplinares (formadas por médicos, terapeutas, antropólogos, sociólogos, farmacêuticos, psicólogos, nutricionistas, etc.), adequar e desenvolver metodologias de pesquisa clínica a serem aplicadas pelos terapeutas e médicos homeopatas para avaliar, validar e mesmo compreender melhor essa racionalidade médica.
Precisamos demonstrar a eficácia clínica da homeopatia sem perder seu maior trunfo: a terapia do sujeito.
Patricia Stumpf – Nutricionista, pós-graduada em acupuntura, shiatsuterapeuta, homeopata, coordenadora do Curso de Acupuntura da ASBAMTHO – Associação Sino Brasileira de Acupuntura, Moxabustão e Terapias Holísticas e coordenadora das PICs nas Academias da Saúde do SUS, em Petrópolis, no Rio de Janeiro.
Fontes
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HAHNEMANN, Samuel. Exposição da doutrina homeopática ou Organon da arte de curar. Ed. GEHSP Benoit Mure. 2013.
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ROSENBAUM, Paulo. Novíssima medicina. Ed. Organon. 2008.
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