Ginecologia natural e a união de práticas integrativas na saúde da mulher

Dos saberes herdados e compartilhados por mulheres ao longo de gerações, aos protocolos de tratamentos de terapeutas holísticas e médicas com abordagem que foge do convencional, a ginecologia natural é um movimento novo que relembra conhecimentos ancestrais e tem como um dos principais objetivos estimular o autoconhecimento e a autonomia feminina.

Apesar de parecer uma novidade que tem ganhado espaço através das redes sociais nos últimos cinco anos, muitos dos saberes aplicados pela ginecologia natural são milenares.

É possível que tenham sido praticados pelas mulheres da nossa linhagem, tataravós, bisavós e, até mesmo, por algumas avós, que, diante de uma cólica menstrual, sempre recomendavam tomar um “chazinho” de camomila.

Conforme os avanços científicos e a medicina moderna foram ganhando espaço e credibilidade para o tratamento de enfermidades, principalmente na sociedade ocidental, muitos desses saberes que, no Brasil, foram herdados de povos indígenas e africanos, passaram a ser menos procurados e, em alguns lugares, até caíram no esquecimento.

Relembrando o poder da natureza

Mesmo esquecidos por parte da população e, talvez, até considerados obsoletos, os conhecimentos que, durante séculos, fizeram com que curandeiras tratassem enfermos e parteiras trouxessem à vida incontáveis crianças, continuaram existindo, sendo praticados e repassados através da oralidade para as próximas gerações de mulheres.

Tais conhecimentos sobre os efeitos das plantas e dos alimentos foram adquiridos, particularmente, pelas mulheres, em razão da divisão de tarefas estabelecida em tribos primitivas. Enquanto, geralmente, os homens caçavam, as mulheres cuidavam do cultivo das plantações, do preparo dos alimentos e do cuidado de seus familiares.

A partir dessa afinidade com a terra e de forma empírica, teriam sido as mulheres as primeiras que descobriram e utilizaram os efeitos curativos das plantas para desequilíbrios da saúde. Movimentos como o sagrado feminino e a ginecologia natural enxergam que esses saberes são intrínsecos a todas as mulheres, mas que se encontram esquecidos e adormecidos.

“Por muitos preconceitos, questões sociais e da educação, nós não acessamos esses conhecimentos”, explica Thais Memo, que é parteira e raizeira, na Chapada dos Veadeiros.

“Os saberes utilizados na ginecologia natural sempre existiram e vêm de uma época em que não havia alternativa a não ser cuidar do corpo com o que a natureza oferecia”, conta Thais, que aprendeu através da tradição da oralidade, com a mestra quilombola Dona Flor, uma parteira tradicional e raizeira, da Chapada dos Veadeiros, que é referência nos conhecimentos das plantas, especialmente no que se refere à saúde da mulher.

“Não se aprendia através de registros de livros, se aprendia ouvindo histórias e acompanhando pessoas que tinham esses conhecimentos”, diz Thais.

Uma das propostas que surgem com o movimento da ginecologia natural é relembrar a riqueza dessa sabedoria popular e mostrar que é possível cuidar da saúde feminina através de uma reconexão com a natureza e com o uso de seus recursos, assim como continuou sendo feito por alguns povos e comunidades.

Um movimento feminino e feminista

Cuidar da saúde através das plantas e alimentos é uma das principais ferramentas utilizadas na ginecologia natural. No entanto, engana-se quem pensa que essa é a única busca a ser incentivada pelo movimento feito por mulheres e para mulheres.

A ginecologia natural também tem suas raízes em ideologias feministas, como a retomada da autonomia sobre seus corpos. O movimento surgiu na América Latina, através de mulheres mexicanas, uruguaias, peruanas e chilenas, como Pabla Péres San Martín, investigadora social, escritora, parteira e uma das pioneiras a publicar sobre o tema, no Manual de Introdução à Ginecologia Natural.

O livro teve sua primeira edição em 2009, como um manifesto político que denunciava a violência obstétrica e ginecológica. Em 2018, quando já estava em sua terceira edição, ganhou uma tradução em português. Mas, no Brasil, quando o movimento começou a atrair adeptas por volta de 2016, já circulavam cópias do livro em espanhol.

“Incentivar as mulheres a se aproximarem da saúde natural, considerando-se seres integrados” é o que Pabla afirma pretender logo nas primeiras páginas do manual que, além de ensinar tratamentos com plantas medicinais e outras práticas, aborda a história da ginecologia e relata como a especialidade foi escrita e desenvolvida por homens.

A socióloga protesta sobre como o papel ancestral das mulheres não ganhou destaque ao longo da história e reforça que esse fato tem relação com as perseguições que começaram na Idade Média, em trechos como este: “as parteiras, curandeiras e xamãs são acusadas de crime de ‘bruxaria’. O holocausto se materializa até os dias de hoje, quando a medicina oficial continua perseguindo as medicinas ancestrais, classificando-as como ‘pouco válidas’ e julgando o exercício da parteira tradicional como arriscado e ilegal”.

No livro, a socióloga também aponta como os corpos das mulheres têm sido alvo de abusos e experimentações e conta como James Marion Sims, considerado o fundador da ginecologia moderna, relatou ter realizado cirurgias e experimentos, sem anestesias, em mulheres afro-americanas escravizadas, imigrantes, pobres e camponesas.

Pabla mostra como essa perspectiva da medicina patriarcal ainda funciona atualmente com, dentre outras práticas questionáveis, a prescrição de medicamentos e hormônios sintéticos, sem as devidas informações sobre os efeitos colaterais.

“Seguimos sendo ratos de laboratório para a ciência e continuaremos sendo enquanto não nos conhecermos, enquanto seguirmos nos sujeitando a suas imposições e aceitando suas prescrições sem exigir toda a informação segura de que necessitamos para nos curar”, ela afirma.

Para Débora Rosa, médica que é referência em ginecologia natural, esse panorama na medicina tende a mudar através da reivindicação das mulheres. “Se apropriando dos corpos, não aceitando mais que os médicos tenham o domínio desses corpos, sabendo todas as opções e não aceitando mais apenas uma opção de tratamento”.

A procura pela ginecologia natural

A motivação da sociedade em voltar a buscar recursos naturais quando se trata de tratar e prevenir doenças, surge, principalmente, de uma necessidade de diminuir os impactos negativos que o uso excessivo de medicamentos pode trazer para a saúde.

E quando se trata da saúde ginecológica, um dos motivos que despertam o interesse das mulheres pela ginecologia natural é o desejo de encontrar tratamentos diferentes dos que são habitualmente receitados na maioria dos consultórios, os métodos anticoncepcionais.

Apesar de nos últimos anos ter crescido o compartilhamento e o acesso à informação sobre os efeitos colaterais dos hormônios sintéticos e os riscos que bloquear o ciclo menstrual acarreta para a saúde feminina a longo prazo, basta ler a própria bula das pílulas anticoncepcionais para notar o quão grande é a lista de efeitos colaterais.

“Hoje, o tratamento da medicina convencional não é individualizado. Se o tratamento para tudo, para espinha na adolescência, para Síndrome dos Ovários Policísticos e para endometriose é pílula, que individualidade é essa?”, questiona a Dra. Débora Rosa, ao contar que, antes de estudar e inserir a abordagem da ginecologia natural no seu atendimento, ficava frustrada por ter se dedicado a estudar muito a medicina convencional e ver que as mulheres não se curavam.

“Eu ficava frustrada! Pensava: Poxa, estudei tanto para só silenciar os sintomas e passar o mesmo tratamento para todo mundo! Estudei muito à toa então, porque era só pegar qualquer amostra grátis de pílula que resolvia todos os problemas da vida”, desabafa.

Além da busca por tratamentos sem tantos riscos e efeitos colaterais, muitas das mulheres que chegam às terapeutas e médicas que atuam com a ginecologia natural optam por essa abordagem porque sentem que já tentaram de tudo.

É o que conta Ana Paula Selva, que após obter o diagnóstico de endometriose, passou por consultas com ginecologistas e, sem concordar com a abordagem que lhe foi indicada, começou a buscar outros tipos de ajuda.

“Quando encontrei a terapeuta de ginecologia natural, já estava descrente, pois, na consulta com a ginecologista, ela me propôs tirar o útero. Foi aí que meu coração bateu mais forte, pois se tratava do meu corpo e de um órgão que faz parte de mim. Não ia me submeter a cortes invasivos”.

As mulheres que chegam ao consultório da Dra. Débora Rosa também se encontram sem esperança. “São pacientes que já tentaram tudo! É a última tentativa, sabe? Já tentaram todos os tratamentos e não tiveram a cura, aí me procuram”.

Para Thais Memo, que além de ser parteira tradicional também ministra cursos e atende mulheres com endometriose, as queixas se repetem. “A maioria das pessoas que procuram a ginecologia natural chegam até meio desesperadas em busca de uma solução que vá resolver o problema delas, depois de ter tentado tudo quanto é tipo de intervenção, tomado tudo quanto é tipo de remédio que não resolve, porque na medicina convencional existe a tendência de olhar para o problema e para o sintoma de forma isolada e não numa perspectiva integrada”.

Além do incentivo ao protagonismo e à autonomia e da possibilidade de evitar efeitos colaterais ao utilizar recursos naturais, outro pilar da ginecologia natural é o olhar integrativo para a saúde. É isso que muitas mulheres que procuram os tratamentos naturais ainda não sabem e descobrem ser o grande diferencial no tratamento.

Práticas integrativas na ginecologia natural

A medicina convencional e ocidental traz a ideia de que a saúde e a doença estão vinculadas apenas ao funcionamento do corpo, priorizando os fatores biológicos na tentativa de entender, explicar ou curar uma patologia, sem considerar aspectos psicológicos, sociais, ambientais e do estilo de vida.

A perspectiva de olhar para o ser na totalidade, como a medicina integrativa propõe, é uma das bases utilizadas na ginecologia natural e um dos fatores determinantes do sucesso nos tratamentos.

“Muitas vezes, um problema ginecológico está relacionado a um hábito, a um estilo de vida e a alguma questão emocional e de saúde mental que está se passando com a pessoa. Nosso corpo todo está integrado e se não olharmos para ele dessa maneira, a tendência é de que a gente não consiga resolver os problemas”, comenta Thais Memo, que acredita que a saúde integrativa é o futuro da medicina convencional.

Dentro da abordagem da ginecologia natural podem ser utilizadas muitas práticas integrativas e complementares em saúde. A fitoterapia e a terapia com plantas medicinais são as mais usadas, tanto para prevenção e tratamento das questões físicas, como para a restauração e o equilíbrio da saúde mental e emocional.

Além do uso popular das plantas, fruto de uma sabedoria ancestral transmitida pela oralidade, há estudos acadêmicos mostrando que determinadas plantas proporcionam inúmeros benefícios terapêuticos para desequilíbrios na saúde feminina.

Para citar alguns exemplos, podemos extrair das plantas efeito anti-inflamatório para inflamações presentes nos casos de endometriose e miomas, antifúngico e antibacteriano para quadros de infecções vaginais, analgésico e antiespasmódico para cólicas menstruais e diuréticos e ansiolíticos para sintomas físicos e emocionais da síndrome pré-menstrual, dentre outros.

A Dra. Débora Rosa, que tem como base do seu tratamento a fitoterapia, conta como são muitas as práticas possíveis para utilizar as propriedades das plantas: “manipulação, chá, vaporização, escalda-pés, banho de corpo e óleo essencial”.

A aromaterapia é uma prática integrativa e complementar em saúde, que dispõe de elementos aromáticos voláteis, conhecidos como óleos essenciais. Em 1920, o químico francês René-Maurice Gattefossé, deu o nome de “aromatherapie” para essa ciência, no entanto, seu uso é tão antigo quanto o das plantas medicinais. Registros mostram que, em meados de 2.500 a.C., os egípcios utilizavam plantas aromáticas, ervas e óleos na aplicação terapêutica.

Assim como acontece com as plantas medicinais, com a aromaterapia é possível prevenir, manter e tratar a saúde feminina com efeitos medicinais como os citados anteriormente. Para essa terapêutica, o tratamento pode ser feito com a inalação, por meio de difusores pessoais e de ambiente. Também pode ser aproveitada através do uso tópico com automassagens, como, por exemplo, na região do ventre, utilizando-se um óleo essencial com propriedades analgésicas para aliviar as cólicas menstruais e dores pélvicas, sintomas comuns na endometriose.

Usar a aromaterapia com massagens, em especial, aproxima a mulher do seu próprio corpo, estimulando o amor-próprio, a prática do autocuidado e o manejo do estresse, além dos efeitos positivos que cada óleo pode trazer para a qualidade do sono e da saúde mental e emocional.

Outra prática integrativa e complementar que pode fazer parte da abordagem no tratamento com a ginecologia natural, principalmente no reequilíbrio emocional, é a terapia floral, desenvolvida pelo médico inglês Edward Bach, em 1930.

Diferentemente do que ocorre na fitoterapia e na aromaterapia, na terapia floral o modo de ação não depende das propriedades extraídas das plantas. Assim como acontece com os remédios homeopáticos, abordagem terapêutica que influenciou o Dr. Bach no desenvolvimento dos florais, a ação é desempenhada através da “energia” que é transmitida das flores para as essências florais.

Dentre as 38 essências florais desenvolvidas pelo médico, algumas já tiveram efeitos positivos observados em diferentes estudos. Destaque para um com maior interesse para a ginecologia natural, no qual mulheres com sinais e sintomas de síndrome climatérica obtiveram melhora acentuada dos sintomas clínicos, psicológicos e sexuais de forma evolutiva durante o tratamento, que teve duração de seis meses.

Ana Paula Selva afirma ter ficado surpresa com os resultados que percebeu ao utilizar as práticas integrativas no seu tratamento para a endometriose. “Fogem-me as palavras de quão fiquei maravilhada com os tratamentos. Seguidos à risca, foi como ‘tirar com as mãos’ aqueles incômodos que sentia. Senti alívio na dor, barriga desinchada e melhora no humor. Essa experiência me trouxe que nunca devemos nos abandonar e que cada pedacinho do nosso corpo tem que ser tratado com atenção e carinho”.

Importância dos “autos”

Mais do que apenas tratamentos com plantas ou quaisquer outras práticas integrativas e naturais que possam ser indicadas por terapeutas holísticas e médicas, a ginecologia natural promove a busca de um olhar mais cuidadoso da mulher para consigo mesma.

A proposta é tirar as mulheres do automático e mostrar que seu bem-estar físico depende do equilíbrio emocional e mental, que tudo isso pode ser conquistado com uma abordagem natural e, principalmente, que o seu nível de autoconhecimento e de autocuidado está diretamente ligado à sua saúde.

Conclui-se que a ginecologia natural não é uma terapia holística e muito menos uma especialidade médica, é, na verdade, um movimento que reúne práticas naturais milenares e, acima de tudo, pretende estimular a busca pelo conhecimento para que a mulher conquiste autonomia e seja a protagonista da sua saúde de forma integral.


Natália Leme – Terapeuta integrativa e de Ginecologia Natural. Pós-graduada em Práticas Integrativas e Complementares em Saúde e estudante de Nutrição.

 

Referências bibliográficas

MARTÍN, Pabla. Manual de introdução à Ginecologia Natural. 2009. História e desenvolvimento da fitoterapia. Disponível em https://efdeportes.com/efd192/historia-e-desenvolvimento-da-fitoterapia.htm.

Descolonizar o nosso corpo: ginecologia natural e a produção de conhecimento sobre corpo, sexualidade e processos reprodutivos femininos no Brasil. Disponível em https://www.scielo.br/j/sess/a/tbhTVSyXCjhXhcqLJsSVSHv/.

Anticoncepcionais hormonais: benefícios e riscos de sua utilização pela população feminina. Disponível em https://repositorio.faema.edu.br/bitstream/123456789/2903/1/okTCC-Karolaine_assinado_assinado1638315259.pdf.

GARDNER, J. Cura vibracional através dos chakras: com luz, cor, sons, cristais e aromaterapia. [S.l.: s.n.], 2007.

O uso dos Florais de Bach nos últimos 10 anos: uma revisão integrativa. Disponível em https://www.editorarealize.com.br/editora/anais/congrepics/2017/TRABALHO_EV076_MD4_SA4_ID998_27082017234849.pdf.