A medicina integrativa representa um modelo internacional de mudança na forma de se exercer a prática médica. Representa a resposta a novas questões suscitadas pelas modificações sociais e epidemiológicas que levaram a um aumento na expectativa de vida da população, não apenas nos países desenvolvidos, mas também em todo o mundo e que possibilitaram que parcelas inteiras da população tenham a possibilidade de atingir idades que para seus antepassados pareciam impossíveis. Sempre houve pessoas longevas, mas o que se destaca no presente é que grandes volumes dessas parcelas alcançam em conjunto idades avançadas.
Essa circunstância, nova na história da humanidade, no entanto apresenta um problema: vive-se mais tempo, mas os parâmetros de qualidade de vida não acompanham essa realidade. Vive-se mais, mas vive-se com as dificuldades representadas pelas doenças e suas complicações adicionais durante os últimos anos de vida.
Estamos também presenciando uma mudança epidemiológica, em que o foco deixou de ser sobre os quadros agudos para mover-se em direção a uma “cronificação” da sociedade. As doenças crônicas assumem a primazia, em termos de incidência e prevalência.
A mudança foi intensa e rápida. Uma simples análise das pirâmides demográficas nos permite observar como as bases começam a ser mais fracas que as cúspides. Uma figura que, no plano geométrico, não se sustenta e nem tampouco do ponto de vista social, econômico e médico. Essa mudança começou de forma progressiva no início do século XX, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, mas alcançou uma aceleração após a Segunda Guerra Mundial e com o advento da chamada geração “babyboom”, uma geração composta por pessoas que, ao contrário de seus pais e avós, foram “mimadas” em todas as fases de sua existência e que agora estão entrando no último estágio de suas vidas.
São elas que, em grande parte, estão pressionando a medicina a procurar um novo modelo de ação. E é isso que uma parcela da classe médica vem buscando: criar um novo paradigma de trabalho, a chamada “integração, integrativa, integrada”: medicina integrativa.
O que querem os pacientes?
O modelo médico esteve tradicionalmente baseado no poder que o papel do “curador” (xamã, curandeiro, homem da medicina, médico) representava em todas as sociedades. Um papel hegemônico com um rol de poder. Um conhecimento próprio e exclusivo, que além disso refere-se a um aspecto essencial das necessidades humanas: evitar a dor, evitar doenças, evitar a morte. Era uma posição de poder e uma relação unilateral, hegemônica e piramidal. O médico diagnosticava, dava um remédio e a mistura da natureza, de seu conhecimento e da boa ou má sorte fazia o resto. Não se questionava nada.
O conhecimento sempre representou um poder. Embora fosse um conhecimento leve e questionável, era a verdade oficial. Diante do médico, todas as pessoas são iguais, sejam elas reis ou mendigos, ao se despirem e permitirem que o corpo seja tocado, palpado, para encontrar o mal e sua causa. Aparentemente.
Mas hoje as pessoas não são mais “pacientes”, são cada vez mais dotadas de conhecimento, educação e, acima de tudo, acesso a um universo de informações que representa a internet. A internet tem sido um dos instrumentos mais revolucionários no sistema de relacionamento médico/profissional-paciente. E para a medicina em suas relações com os pacientes, mais causa de dor de cabeça do que benefícios. Os pacientes, os cidadãos a que se havia dito que em sua carta de direitos fundamentais estava a segurança de sua saúde começam a exigir não só conhecimento por parte dos profissionais da área médica, mas também um modelo de relação não piramidal, mais horizontal, em que querem participar ou coparticipar na tomada de decisão de algo que os afeta de maneira especial: sua saúde e/ou de seus familiares.
Pedem explicações, geram debates e apresentam e oferecem dúvidas. Solicitam ainda não uma relação burocratizada, mas próxima, humana, uma visão de seu ser global, porque entenderam que são algo mais do que corpos físicos e que sua psique, suas emoções, suas relações interpessoais são uma fonte de saúde e vida e também origem de numerosos processos de doença. Querem ser ouvidos e ouvir, querem explicações realistas. E querem que, se todos os dados não estiverem disponíveis e houver incerteza, que sejamos honestos e que isso lhes seja dito. Querem não só médicos competentes e uma medicina de alto conhecimento, mas também e, acima de tudo, uma medicina que se preocupe com eles. E pedem que o médico não seja tão somente um prescritor de medicamentos ou exames. Temos assolado os pacientes com a tecnologia, temos substituído a arte médica (resultado de uma ampla combinação de conhecimento global, experiência pessoal e intuição – o que em certo momento foi chamado de “olho clínico”) por um modelo que pretende ser biomatemático e que nos ameaça, ao final do caminho, com a substituição do “ser humano médico” por um algoritmo, para que se enfrente o “ser humano doente”.
Modelo padronizado
Esse era o cenário que pacientes, cidadãos, classe médica como instituição e médicos e outros profissionais ligados a ela em particular percorriam por caminhos paralelos, mas divergentes em amplos espaços. Após a Segunda Guerra Mundial, a medicina – que já havia sido tabulada em grande parte, no início do século XX, com os relatórios norte-americanos da Fundação Carnegie para o Avanço do Ensino, sob a direção do pedagogo Flexner – manteve um modelo padronizado de aprendizagem, em uma única direção: medicina alopática e com aspirações de incorporar a medicina às ciências experimentais.
Predomínio do número de horas dedicadas à análise do corpo humano como enfermo, frente a um escasso reconhecimento da manutenção da saúde fomentando a fisiologia e a prevenção como medidas prioritárias e não esperar que o ser humano adoeça para atuar de maneira “salvadora” e aplicando medidas extraordinárias, como a cirurgia e a farmacologia. Hoje, falar sobre terapia é falar sobre prescrição. O espaço físico também é um templo: o hospital. Um lugar separado do âmbito de ação real. O hospital se vendia e se vende como o grande lugar da qualidade do saber médico, onde existe a tecnologia de última geração, que permite qualquer abordagem. Apesar dos diferentes apelos de instituições internacionais e declarações políticas, a atenção primária à saúde não é atrativa.
Esse modelo começa no sistema primário: o educativo, que desde seu início passa a triturar as mentes jovens moldando um formato mental em que não se pensa, apenas se acumulam dados, nomes, referências e se quantifica. As relações entre os fatos são escassamente estabelecidas, nunca se questiona. Até o modelo de exames é fechado: não há folhas em branco. São itens, perguntas de múltipla escolha a serem marcadas. Não é um modelo inerte. A seleção dos alunos busca um 9,5 em acumular dados. Não se valoriza e nem se treina em aspectos humanísticos, em valores de empatia, escuta, não se fala das relações interpessoais, do valor da compaixão ou de saber dar esperança, inclusive quando já não há mais nada. Não se analisam as limitações da medicina, as incertezas em que se move a realidade clínica, os fatores económicos ou sociais que estão na origem das enfermidades. Nada se diz sobre os componentes emocionais do ser humano.
O homem, como ser humano, é mais estudado como um aglomerado de massa magra, ossos ou tendões do que como ser semelhante a quem o está analisando. Os jovens estudantes vão formando-se como licenciados em medicina e apenas alguns deles acabam como médicos, de acordo com o que isso significa em sua globalidade científica e humana. O modelo se apoiará nas relações não tão sutis entre o Big Pharma, que fornece recursos econômicos para fortalecer um modelo de pesquisa que leva às drogas patenteáveis, e a visão do médico como “prescritor”, como se diz no jargão empresarial. Quase todo o financiamento da formação de pós-graduação é apoiado pelo setor farmacêutico.
Esse modelo se projetará em um sistema de especialização que, sem dúvida, tem obtido enormes benefícios para apoiar um sistema de saúde que de outra forma seria impossível de sustentar, mas onde o certificador da especialidade é parte e juiz. Ele oferece as regras em que a medicina é praticada e que deverão ser cumpridas para que se possa ser objeto de um certificado final adicional: “você é um dos nossos”, a especialidade oficial, porque sem ela o deserto de trabalho representa a única alternativa. O modelo é quase perfeito. Todo ele culmina com espaços de referência científica: revistas médicas, congressos, publicações que reforçam o sistema.
MBE frente à realidade incerta e imperfeita
Tudo está entrelaçado como os nós de um bom tapete. É impossível pensar fora disso. É até heroico. O goleiro final é chamado Medicina Baseada em Evidências (MBE). Uma medicina baseada em certezas, com um objeto de estudo – o ser humano – curiosamente complexo, onde as certezas e o absoluto são extremamente escassos.
A medicina é ciência de ciências. Subsume ideias, técnicas, modos e procedimentos de outras ciências. Não é ruim. Ao incorporá-los a seu objeto de estudo trata de estabelecer novas conexões entre eles, o que lhe permite crescer: um exemplo foi a recente adição da psiconeuroimunologia, em que três áreas de conhecimento se unem com novas conexões e nos fazem compreender melhor o ser humano. Sempre tenta aplicá-las a um ser complexo: o humano. Porque todos nós sabemos que nosso conhecimento sobre ele é imperfeito. A medicina e seus profissionais trabalham em um mundo de incertezas. Nossa educação – caduca – está cheia de dados, mas muito pouco é dito sobre os espaços que existem no meio, que estão entre os fatos determinados. A medicina é um mundo incerto e em grande parte sem lei, como afirma o oncologista e ensaísta Siddharta Murherjee, em seu livro As Leis da Medicina, quando descreve com humor o furor pela nomeação compulsiva de partes, de reações químicas, de patologias com sinais e sintomas, tão intensos que bem se poderia chegar a pensar que surgem como mecanismos inventados pela profissão para defender-se dessa grande esfera “do incógnito”.
Fomos ensinados com um modelo aparentemente verdadeiro, fixo, concreto, quase perfeito, mas ao transladá-lo para o pensamento clínico, na frente de uma pessoa em particular, que nós chamamos de “um paciente”, o que nos espera…? Encontramos um cosmos incerto, abstrato e muito imperfeito. E é aí que nos movemos. Nas leis da imperfeição.
Hoje, a Medicina (com letra maiúscula) encontra-se em meio a uma reorganização de seus princípios fundamentais. Modelos híbridos onde o conhecimento passado mescla-se com o presente, o que dá a ilusão de uma certa sistemática, mas a realidade é outra. Inventamos regras que definem o normal. Mas ainda precisamos conhecer em profundidade muitos aspectos da natureza e da vida. Desde o primeiro salto intelectual que foi passar do mito ao logos na Grécia clássica, teve-se que esperar quase mil anos até o início do século XVII para se deslocar da especulação ao plano científico: o empirismo de Bacon (tudo deve vir da experiência), racionalismos (todo conhecimento deve ser transferido para uma linguagem matemática). Mas a medicina colide com a impossibilidade ética de experimentação em humanos. Houve também resistência em incorporar a estatística à medicina (já foi levantada a questão da individualidade frente aos dados estatísticos globalizados). Chegamos então ao século XX, quando o ensaio clínico foi planejado (Austin Bradford Hill). A medicina levou 200 anos para entrar no paradigma científico, com a bioestatística, ciências básicas e ensaios clínicos. Após 30 anos do primeiro ensaio clínico, a MBE (Medicina Baseada em Evidências) foi estabelecida. E de uma fase de incerteza passou-se para uma aparente ajuda para se ter certezas.
Mas o aparente avanço da MBE se torce com os acontecimentos ocorridos após a publicação, em 2001, do relatório RALES, publicado no NEJM, onde se afirmava que o uso de espironolactona trazia melhora para pacientes com ICC grave. Em 2004, na mesma revista, um estudo de seguimento mostrou que o número de prescrições emitidas para essa droga havia aumentado, em uma área do Canadá, passando de 34:1000 pacientes em 1994 para 149:1000 em 2001, multiplicando por quatro as prescrições. Esses dados indicavam que os médicos faziam uso de fontes de informação “contrastadas” e agiam em linhas gerais de acordo com um modelo racionalizado e padronizado. Mas quando os benefícios do uso (em ambientes clínicos reais) de espironolactona em ICC foram analisados, as vantagens iniciais do estudo não foram percebidas, nem na redução das internações hospitalares e nem nas taxas de mortalidade por ICC grave. Não se havia levado em conta o dano potencial da intervenção e que a incorporação da droga juntamente com os inibidores usuais da ECA implicava um desequilíbrio nos níveis de potássio (hipercalemia). O medicamento podia produzir mais danos do que benefícios.
“Tudo isso supunha e supõe que a MBE não é uma regra de valor definitivo. A tomada de decisão deve ir além das evidências e os danos embasados em conhecimentos muito mais amplos obtidos na atividade clínica em relação ao paciente”, afirma David Rackel, no livro Medicina Integrativa.
Houve movimentos políticos, como a conferência de Alma-Ata ou o relatório Lalonde, que sinalizaram uma graduação de fatores que originam as doenças: o determinante da saúde não era mais a tecnologia, mas sim a educação em autocuidados de saúde. Os anos 80, com a criação das patentes internacionais, proteção intelectual ou a Lei Bayh-Dole, que permite patentes de biomoléculas de laboratório para exploração comercial, possibilitaram a entrada das grandes multinacionais no mercado de medicamentos e saúde. Abel Novoa escreveu que os médicos são os últimos positivistas, os últimos “crentes do fato”. Qualquer um que se atreva a criticar minimamente esse modelo atual sofre a ira do convertido.
Ciência da complexidade
Muitos afirmam que nos encontramos nos limites da medicina tecnocientífica.
Ambas as crises se apoiam: por um lado, o modelo científico gera rachaduras e, por outro, não resolve novos problemas. Junto a isso, as exigências do objeto de estudo – nada mais e nada menos do que “um ser humano” – não estão cobertas.
A entrada da medicina nas ciências da complexidade implica uma série de conclusões, que vão desde a concepção dos processos biológicos como uma totalidade, com caráter aberto, não linear e sob a cooperatividade dos processos biológicos que evoluem por flutuações que levam a bifurcações e apresentam o caos como uma entidade conceitual necessária para a interpretação médica e o valor das condições iniciais na consideração do processo de saúde-doença entre outros.
Como resposta a tudo isso, começa a se desenvolver esse novo modelo que contribui para a visão a longo prazo de novos valores (restauração dos valores tradicionais hipocráticos da salutogênese), busca o trabalho em equipes multidisciplinares junto a um paciente que adquire conhecimentos para destiná-los a seu momento atual e seu momento futuro, ao autocuidado, utiliza meios simples sempre que seja possível, reduzindo a dependência farmacológica, e tem uma visão global da pessoa: não apenas física, mas emocional-psíquica e social. Além disso, implanta um processo de diagnóstico diferente, com base em uma fisiopatologia de sistemas, onde órgãos e tecidos se correlacionam, chegando a permitir a adoção de medidas de terapia e cuidados sem a necessidade de um diagnóstico-padrão.
Dr. José F. Tinao Martin-Peña – Diretor médico da CMI – Clínica Medicina Integrativa, em Madrid, na Espanha.