Transferência e contratransferência são conceitos fundamentais numa relação terapêutica, em qualquer uma de suas diversas modalidades.
Em uma psicoterapia analítica ou psicanalítica, existem várias fases durante o processo de encontro de duas pessoas (uma que ouve e outra que fala de si mesma), voltado para um objetivo psicoterapêutico, cujo fim é promover uma transformação psíquica e comportamental.
No tipo de psicoterapia que é chamada de análise ou psicanálise, busca-se explorar os potenciais conscientes e inconscientes de um indivíduo, visando ao aumento da consciência sobre si mesmo.
E há uma outra modalidade, que pode ocorrer como tratamento isolado ou dentro do processo de análise ou psicanálise e que é denominado psicoterapia de conteúdos complexos ou apenas psicoterapia dos complexos. Nesse processo, que pode ser breve ou prolongado, abordam-se aspectos psicodinâmicos e psicopatológicos, causadores de sofrimentos não só existenciais, mas que dizem respeito à história de vida do indivíduo, que em seu desenvolvimento no tempo carrega consigo “feridas” dessa existência.
Para a realização de uma psicoterapia de cunho exploratório psicanalítico, que visa ao conhecimento do ser e à ampliação da consciência, é preciso que haja ética, capacidade de compreensão, conhecimento teórico e de si mesmo e disponibilidade para uma escuta especializada. Mas não há a necessidade de que o profissional seja um psicólogo ou médico, ainda que se oriente nesse sentido.
Porém, numa psicoterapia de cunho psicodinâmico/psicopatológico, em que será preciso lidar com “feridas” ou complexos patológicos ou não, há que se exigir formação específica na área de saúde (profissional que seja médico ou psicólogo e que conheça psicopatologia, neurologia, farmacologia, etc.), pois a responsabilidade é muito grande no desencadeamento e revivescência de traumas passados (infantis) ou traumas presentes (perdas traumáticas, frustrações), ou seja, complexos ideoafetivos que exigem colaboração intensa de ambos (profissional e paciente).
Freud e Jung
Quando Sigmund Freud descobriu o fenômeno da transferência no processo de análise e que este poderia ser um instrumento de grande valia para as transformações, trouxe à luz para nós, que hoje somos profissionais da psicanálise, um tesouro incomensurável para nossa atuação profissional.
Porém, Freud, sendo um homem que privilegiava o processo de pensamento secundário, ou seja, pensamento racional, não deu ênfase à contratransferência, a não ser patologizando a mesma.
Freud contemplou somente pessoas que conseguem transmitir sua história e repeti-la nesse nível mental, ou seja, no nível de formação cérebro-frontal do pensamento (recordar). Esse repetir acabava não incluindo o pensamento de processo primário na relação, já que para isso o terapeuta teria que ser incluído nas vivências, imagens e sentimentos.
Com base nisso, ele classificou as análises em termináveis e intermináveis. O que seria isso? Pessoas que conseguiam lidar com suas emoções em nível de insights, ou seja, entrar em contato com seus sentimentos (daí o recordar, repetir e elaborar) conseguiam terminar a análise. Pessoas que tinham dificuldades para entrar em contato com seus sentimentos e que precisavam revivê-los em análise, mas cujos sentimentos não encontravam respaldo na relação com o analista, ficavam eternamente em análise, pois não havia espaço no processo terapêutico para essas vivências límbicas (elas paravam no processo de recordar e repetir).
Ao teorizar sobre inconsciente pessoal e inconsciente coletivo, Carl Gustav Jung percebeu que na sombra da transferência pessoal conceituada por Freud existe outra sombra, que se chama sombra coletiva e que não aparece espontaneamente nas transferências do inconsciente pessoal (a não ser a sombra do ego) sem o aprofundamento com o analista.
Buscando entender esse tipo de transferência, Jung encontrou na alquimia o substrato para captar o seu significado.
A transferência alquímica
A transferência, em sentido alquímico, contempla TODAS as pessoas, pois ela se dá em nível de pensamento do “processo primário” (imagens, delírios, alucinações, sonhos e fantasias), que está ligado ao chamado sistema límbico do cérebro.
Nesse nível límbico, emocional, caem as diferenças e denominações psicopatológicas e as pessoas, todas elas, podem passar pela psicoterapia em conjunto com o analista, que acaba por ser incluído nesse processo tão intenso.
O processo alquímico traz, para o “palco” analítico, analisando (ou paciente) e analista, pois o analista torna-se participante desse processo, à medida que ocorre a diluição da persona, a entrada na sombra e o aprofundamento nos mistérios do inconsciente coletivo (morada dos deuses).
A alquimia, com a rubedo (inflamação), nigredo (entrada em contato com a sombra), putrefatio (morte do complexo), calcinatio (diluição dos conteúdos) e sublimatio, alcança o que denominamos processo de pensamento primário e processo de pensamento secundário. Forma uma gestalt completa. Morte e ressurreição.
Desse processo, ambos, analista e analisando, saem enriquecidos e com a consciência ampliada, não sem um sacrifício intenso por parte dos dois.
A análise não se faz só do ponto de vista racional (cortical), mas profundamente límbico, englobando os afetos e sentimentos irracionais de ambos, analista e analisando.
Aqui, podem ser utilizadas todas as técnicas conhecidas e não apenas a fala (processo de pensamento secundário). Podem-se utilizar desenhos, sandplay e técnicas expressivas, como teatro, dança, poesia, pinturas, argila (ou seja, todo o chamado processo de pensamento primário), pois o objetivo é abarcar toda a personalidade.
Assim, alcançam-se todas as inteligências e não apenas a inteligência racional. Desenvolvem-se os potenciais e ampliam-se as possibilidades de abranger as várias faces dos tipos psicológicos (pensamento, intuição, sentimentos e sensação, funções introvertida e extrovertida da libido), já que se utilizam diversas abordagens dos processos de pensamento primário e secundário.
Estudar alquimia é estudar o processo de transferência em nível profundo. Tanto Freud como Jung têm razão em suas formulações. Ambos se complementam.
Dr. José Rubens Naime – Médico com especialização em Psiquiatria, pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), em Psicanálise, pelo Instituto Sedes Sapientae, em Psicologia Analítica, pela Universidade São Francisco e em Psiquiatria e Dependência Química, pela Universidade de Santo Amaro. É professor na UNIFEV, em Votuporanga e supervisor na Unicastelo, em Fernandópolis.