O sintoma como espelho do inconsciente

É verdade que a teoria básica da medicina chinesa mantém-se praticamente inalterada há mais de trezentos anos. Os últimos grandes clássicos são dessa época, como o Bencao Gangmu – O Grande Compêndio de Matéria Médica, de Li Shizhen, mas também a divulgação e vulgarização dos pontos mu, dos pontos de comando ou das nove agulhas para o retorno do yang, de Gao Wu, e a popularização dos cinco pontos espirituais, localizados no ramal externo da bexiga, cada um ao nível do shu dos cinco principais órgãos, que não constam sequer de nenhum texto clássico, sendo apenas pontos empíricos.

Mas uma coisa é a teoria básica, outra é a prática em clínica. A medicina chinesa não deixou de receber o acréscimo de novas técnicas (eletroacupuntura e craniopuntura, por exemplo), de abordagens a distúrbios próprios da atualidade (não referidos nos antigos livros) e de novas combinações de pontos (mais eficazes ou com efeitos mais rápidos para determinadas patologias, como as três agulhas do Dr. Jin, o método do equilíbrio do Dr. Tan, o método de balanço do Mestre Tung e o sistema Yamamura), bem como de novas substâncias, como plantas, raízes ou cascas de frutos, em fitoterapia.

Então, por que não devemos estar atentos às novas aquisições na área das neurociências e das correntes terapêuticas psicocorporais, em que as leis do funcionamento energético aplicam-se no tratamento dos distúrbios afetivos e comportamentais do ser humano?

São infindáveis os estudos sobre as relações entre os estados emocionais e as patologias físicas, que usualmente se consideram como isoladas do todo, independentes do momento emocional que o paciente atravessa, ou seja, como resultados de puro acaso. Dados os casos tão semelhantes que se observam em diferentes países com pessoas de diversas antropomorfologias, gêneros, idades e condições sociais, não é possível ignorar a relação de causa-efeito entre psique e soma. E uma vez que, recuperando premissas de antigos médicos, da antiguidade grega à própria medicina chinesa milenar, “o paciente deve estar na disposição de abolir as causas de sua responsabilidade que contribuíram para a doença”, então, se nos for possível descortinar uma relação entre o mal-estar físico que traz a pessoa à clínica e a situação emocional que ela vive ou viveu no passado, mas que continua a ter algum “poder” sobre o seu estado de espírito, devemos valorizá-la e relatá-la ao nosso paciente. Isso é um desafio para nós, uma vez que a matéria é vasta e não está, ainda, resumida em volumes de cariz científico. Por isso, somos deixados à nossa liberdade de associar os dois mundos do paciente – emocional e físico. Muitas vezes, as queixas não são sequer físicas, mas do próprio humor – depressão, ansiedade, insônia, desconcentração, memória precária, etc. E também estas podem ter por trás um episódio mal resolvido na história pessoal do indivíduo.

Podemos encontrar ou não pistas e as que encontrarmos podem ou não fazer sentido para o paciente. Mas a verdade é que, se essas pistas forem fundamentadas e fizerem sentido para o paciente, o trabalho clínico que se segue é muito mais bem-sucedido. Mas para que esse trabalho desenvolva-se de maneira sustentável, é preciso que essa nova abordagem das doenças comece a ser acreditada e fundamentada cada vez mais de um ponto de vista científico. Pois já percebemos que apesar de as explicações puramente biológicas sobre as doenças estarem sendo questionadas em diversos estudos que evidenciam a influência da mente e das emoções nos estados de saúde, essas novas premissas ainda não são predominantes na medicina. Acredito que cabe, assim, aos profissionais da área de medicina integrativa e complementar abrirem caminho, de maneira a ampliar o campo de visão, para que as reflexões acerca da interação entre os aspetos somáticos, cognitivos e emocionais contribuam cada vez mais para a questão dos fundamentos a partir dos quais a ciência médica se constrói e se desenvolve.

Quando começamos a nos questionar e a alargar o leque de conhecimento dentro dessa temática, percebemos que a manifestação do sintoma vai muito além do consciente e do mundo tangível, atingindo dimensões que só são possíveis de serem compreendidas quando se acredita no nascimento de uma nova ciência que pretende alcançar o mundo espiritual e esclarecer a diferença entre misticismo e ciência dimensional. Chegamos então a um momento em que a ciência e a espiritualidade já não se encontram tão afastadas uma da outra. Passamos a compreender que o ser humano é mais do que um corpo físico e que existem outras dimensões para além da matéria.

Saúde e autoconhecimento

Quando atingimos esse estado de consciência e de percepção da realidade, conseguimos ampliar o nosso campo de visão e podemos realmente começar a encaminhar o paciente para aquilo que o sintoma físico pretende através da sua manifestação na matéria: passar uma mensagem.

É possível perceber que a doença tem um propósito e uma finalidade. A nossa alma comunica-se através das manifestações físicas que nos aparecem, pois o inconsciente, para falar conosco, precisa encontrar uma forma pela qual consigamos interpretá-lo. A doença acaba por ser o veículo dessa comunicação, uma vez que a dor e o desconforto que ela provoca não nos deixam olhar para o sintoma como algo secundário e que pode ser colocado de lado. Ele está sempre presente e tentando chamar a atenção.

Então, se abordamos as reflexões sobre a interação entre corpo e mente sob a perspectiva de que as doenças e acidentes são projeções dos nossos pensamentos e que qualquer distúrbio orgânico tem ligação com estados emocionais ou comportamentais, iremos começar a apresentar aos pacientes um trabalho que se assenta na ideia de que a cura das doenças passa pelo autoconhecimento. Esse reconhecimento de si mesmo, segundo as propostas difundidas pelas principais abordagens da psicossomática e da terapia simbiológica, é obtido por meio da interpretação dos sintomas, uma vez que esses estudos defendem que no sintoma da doença espelha-se aquilo que a mente esforça-se por rejeitar e esconder.

Assim, se a grande parte das propostas apresentadas pelos somaticistas sobre as causas das doenças tiver fundamento, de um ponto de vista clinico, esse conhecimento fornece uma ferramenta extremamente útil ao profissional da área de saúde, no sentido de ajudar os pacientes a ultrapassarem mais rapidamente ou, quem sabe, definitivamente o problema que os levou a pedirem ajuda. O ponto importante desses estudos e abordagens é que eles nos mostram que essa ferramenta que nos é apresentada permite-nos utilizar a doença e os seus sintomas como eixo central para a cura.

Precisamos, assim, explicar ao paciente que a doença que se desenvolveu tem um papel fundamental na nossa evolução, pois torna-nos sinceros e revela o que estava escondido nas nossas mentes. O paciente precisa compreender que a doença, por ser um estado de imperfeição e vulnerabilidade, também nos vem pedir que sejamos humildes para reconhecer que a ideia que temos de nós mesmos é uma ilusão, já que, quando falamos de autoconhecimento, estamos falando do processo que nos permite resgatar conteúdos do nosso inconsciente. E que se as doenças começam com uma atitude de não aceitação, levando a uma luta interior, isso evidencia o quanto as nossas questões psicológicas e emocionais interferem no nosso equilíbrio físico e mental.

Durante esse caminho de autodescoberta, o paciente tem de auscultar a si próprio e estabelecer a comunicação com os seus sintomas, se deseja vir a perceber o teor da mensagem.

Tem de estar disposto a questionar-se rigorosamente acerca das suas opiniões e fantasias a respeito de si mesmo e a assumir conscientemente aquilo que o sintoma procura lhe transmitir por via do corpo. Por outras palavras, tem de conseguir tornar o sintoma supérfluo reconhecendo aquilo que lhe falta. A cura está sempre associada a uma ampliação do conhecimento e ao amadurecimento.

Nesse processo, o terapeuta acaba por desempenhar um papel de facilitador para desbloquear ou decodificar essa mensagem. Cabe a cada terapeuta aperfeiçoar a sua “observação” para além das queixas físicas e emocionais, assim como a sua capacidade de ajudar os pacientes em suas questões sem os expor demasiadamente. Por norma, é possível deduzir se a nossa interpretação está correta ou não pela reação que ela suscita nos pacientes. As interpretações corretas começam por desencadear uma espécie de mal-estar, uma sensação de medo e, por conseguinte, de afastamento. Isso acontece porque uma observação, quando é acertada, dói. Precisamos, contudo, ter presente que não temos todos nós o mesmo nível de consciência e que nem sempre estamos preparados para ouvir o que não queremos ouvir. É preciso relembrar que quando falamos de um aspecto psíquico reprimido referimo-nos àquilo que não é reconhecido pelo indivíduo de modo consciente. Pode dar-se o caso de uma pessoa viver plenamente o aspecto em causa sem que reconheça em si própria semelhante propriedade. No entanto, pode também dar-se o caso de que essa propriedade tenha sido reprimida de um modo tão absoluto que a pessoa não a vivencie.

Mas nessas situações, mesmo que um paciente não esteja preparado para esse processo de autoconhecimento e expansão de consciência, podemos pegar nas ferramentas que a medicina chinesa nos apresenta e tentar ajudá-lo sem o “forçar conscientemente” a isso.

Precisamos também ter ciente que existem ganhos secundários com as doenças. Então, por vezes, através da doença sempre se consegue aquilo que não se conseguia obter sem sintomas – atenção, compaixão, dinheiro, tempo livre, auxílio e poder social sobre os demais. Esse benefício secundário da doença, que se consegue alcançar por meio do recurso ao sintoma como instrumento de domínio, não raras vezes constitui um impedimento à cura.

Mas, como terapeutas, se conseguirmos transmitir a ideia de que a responsabilidade por tudo o que nos acontece na vida recai unicamente sobre nós e que a solução para a cura passa também por uma reeducação e por uma assimilação constante de novidades que conduzem à expansão da consciência, então iremos ter perante nós uma verdadeira transformação que levará à cura, tanto no plano físico como no plano anímico.

Acredito que as medicinas integrativas chegam nesta altura para despertar consciências, para colocar novamente a responsabilidade no paciente pelo seu estado de saúde e para transmitir a mensagem de que a CURA passa por um processo de reeducação, em que temos de começar a ter uma nova forma de ver, de sentir e de pensar a VIDA.


Patrícia Carneiro – Especialista em Medicina Tradicional Chinesa, pelo Instituto Português de Naturologia – IPN, psicoterapeuta em técnicas integrativas e vibracionais, com formação em leitura biológica, ThetaHealing, Usui Shiki Reiki Ryoho – nível I, cura prânica, radiônica clínica, apometria, shiatsu, aromaterapia, reflexoterapia, indução miofascial – nível I, II e III e acupuntura estética facial e corporal.