Ayurveda e os desafios do atendimento on-line

De acordo com o Instituto Ipsos, 53% dos brasileiros declararam que seu bem-estar mental piorou um pouco ou muito no último ano. Outros estudos também trazem dados preocupantes, como a pesquisa “ConVid Comportamentos”, realizada em parceria pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em que 40,4% das pessoas entrevistadas disseram ter sentimentos de tristeza ou depressão e 52,6% afirmaram experimentar sentimentos de nervosismo ou ansiedade, muitas vezes ou sempre.

Como terapeuta em ayurveda, percebi que a procura por alternativas de como lidar com o estresse aumentou significativamente após o início da pandemia. Em meio à devastação causada pela Covid-19 e à necessidade de isolamento social, é perceptível o crescimento do consumo de bebidas alcoólicas, cigarros e comidas processadas, a redução na prática de exercícios físicos, a diminuição das horas de sono e o aumento do tempo de acesso à televisão e internet.

De acordo com essa medicina ancestral, a ansiedade é provocada pelo excesso de movimento na mente e no sistema nervoso, desequilíbrio que é alimentado por constantes estímulos negativos. Porém, apesar de classificarmos esse desconforto como mental, o desequilíbrio também tem origem física. Por isso, o passo inicial para o tratamento sempre será o ajuste da qualidade do fogo digestivo, ou seja, da capacidade de digerirmos de forma adequada um alimento, uma emoção ou um pensamento. E, para isso, um bom diagnóstico é necessário.

Com a pandemia, muitos paradigmas tiveram que ser quebrados, veja-se, por exemplo, o sucesso das aulas de yoga à distância, por meio das quais muitas das escolas sobreviveram ao gap provocado pelo confinamento mantendo as classes on-line.Isso não foi diferente com os atendimentos de ayurveda. Claro que os procedimentos corporais tiveram que ser interrompidos e, na medida do possível, os próprios pacientes foram incentivados a praticá-los.

No entanto, como em toda boa medicina oriental, um tripé é necessário para que o resultado de qualquer atendimento seja positivo: um bom vaidya (médico), um paciente qualificado e um ambiente adequado.

Os elementos de um bom atendimento

No ayurveda, é dada muita importância às boas qualidades de um médico. Espera-se que um vaidya seja um especialista versado, possuindo conhecimento teórico, experiência, habilidade prática e limpeza.

O profissional tem que ter um comportamento condizente que o diferencie do charlatão. De acordo com Sushruta, um vaidya deve possuir determinação, coragem, memória, boa fala e paz. Charaka ecoa esses sentimentos e expõe que o médico deve ser saudável, modesto, paciente, verdadeiro, habilidoso e destemido. Ele precisa ter uma mão firme, uma mente disciplinada e não se gabar de seu conhecimento.

Pela perspectiva do ayurveda, o papel do médico vai além do mero tratamento de doenças. Ele deve ajudar o indivíduo a alcançar o objetivo espiritual final de autoemancipação, que é mais difícil sem uma mente e um corpo saudáveis. Deve educar as pessoas sobre saúde e doença e ser capaz de se comunicar com o público leigo e também com os acadêmicos. Isso exige sabedoria e comunicação habilidosa. Portanto, um médico ayurvédico precisa se envolver em estudos de tópicos filosóficos, ter um discurso profissional e tornar-se proficiente na arte de falar em público.

Por outro lado, de acordo com o ayurveda, ao paciente são necessárias quatro qualidades: smruti – boa capacidade de memória para aprender as instruções sobre medicamentos e sua ingestão, nirdeshakaritva – capacidade de seguir as instruções corretamente, abhirutva – destemor e coragem e jnapakatvam cha roganaam – boa memória sobre a lista de queixas ou doenças que sofre e uma expressão desinibida.

Por fim, com relação ao ambiente de atendimento, o ayurveda determina que ele precisa ser agradável, limpo e adequado para a prática e aplicação dos tratamentos. A equipe de atendimento deve ser composta por cuidadores aptos, inteligentes, fortes física e mentalmente e com o coração entregue ao serviço e proteção dos enfermos.

Acrescente-se ainda que o médico deve ter uma sorte de medicamentos disponíveis para os tratamentos, que tenham qualidades como rasa, upasara, guna, veerya, vipaka e karma. Devem ter sido cultivados em uma terra fértil, sem contaminação e preservada de forma metódica. É necessário que tenham sido coletados em datas auspiciosas, contendo cheiro, cor e sabor adequados. E precisam, ainda, ter a capacidade de destruir os doshas mórbidos quando administrados em forma de medicina.

Diagnóstico em ayurveda

Explicada a composição para que um bom atendimento em ayurveda aconteça, podemos entrar no tópico de como fazer um diagnóstico ou pareeksha.

Desde o começo da pandemia, mais e mais os atendimentos médicos tiveram que ser adaptados, visto que o próprio Ministério da Saúde permitiu a ampliação do sistema de telemedicina por meio da Portaria nº 467/2020.

Porém, o ayurveda é um darshana, isto é, observação. E darshana é o primeiro passo para um bom diagnóstico. Na medicina moderna, essa etapa é conhecida como inspeção, a diferença é que um bom vaidya irá realizá-la com dedicação e compaixão.

De acordo com Sushruta, antes de prescrever qualquer procedimento terapêutico, o médico deve examinar o tempo de vida do paciente e se ele tem vida útil residual e, então, seu vyadhi (doença), ritu (estação), agni (poder digestivo), vaya (idade), deha (corpo), bala (força), sattva (mente), satmya (fatores conducentes), prakriti (constituição), bhesaja (droga) e desa (habitat).

Toda essa avaliação segue alguns passos, sendo que o primeiro deles é darshana –observação profunda e ampla. No atendimento presencial, essa etapa já se inicia enquanto o paciente caminha em direção à sala de consulta, quando é possível fazer uma avaliação da marcha, do físico e da aparência. Com a mudança para o on-line, elementos como uso de maquiagem, procedimentos estéticos ou filtros utilizados nas ferramentas de conexão entraram na lista inaugural da checagem prévia. Nesse caso, conferir as fotos do corpo, rosto, unhas e língua é uma ótima forma para auxiliar o pareeksha.

O Dr. Vasant Lad, um dos primeiros vaidyas a vir para o ocidente, explica que a face é o espelho da mente e os olhos, a janela da alma. Espelho da mente porque manovaha srotas, que tem sua raiz no plexo cardíaco e permeia todo o corpo, desemboca nos órgãos dos sentidos e pontos mármicos. Isso quer dizer que um bom médico de ayurveda compreende o funcionamento da mente e entende qual parte do corpo está adoecida apenas por observar o rosto do paciente.

Além disso, ele ensina que a face cobre todas as conexões com o cérebro, pois cada órgão dos sentidos está conectado a uma determinada área. Por exemplo: os olhos estão ligados à área occipital, onde a interpretação da percepção visual acontece.

Por isso, o exame detalhado do rosto e da cabeça pode ser uma ferramenta importante no diagnóstico on-line. Essa parte do corpo é tão fundamental que há análises específicas para as orelhas, íris dos olhos (prática que no ocidente é conhecida como iridologia), cabeça e língua.

O segundo passo da avaliação é sparshana – toque, percussão e auscultação, que compreende a observação de outros fatores, como temperatura do corpo, margens de inchaços na pele e alargamentos de órgãos. Os métodos clínicos usados podem ser os de palpação, percussão e auscultação. No atendimento presencial, é comum efetuar a leitura e observação do pulso, da língua, dos dentes, do cabelo e dos olhos, a fim de confirmar o estágio e duração da doença, caso ela exista. No on-line, a utilização das ferramentas da medicina moderna, como os exames laboratoriais, pode ajudar a confirmar o prognóstico.

E por fim, mas não menos importante, vem prashna – questionamento por meio de perguntas investigativas, quando devem ser levantadas informações acerca da idade, local de moradia, estação do ano, relações familiares, entendimento da força do corpo e da mente do paciente, da sua capacidade digestiva, dos seus hábitos gerais, dieta, medicações ingeridas e histórico de doenças.

Uma vez, quando o Dr. J. R. Raju foi questionado se durante a checagem de pulso ele utilizava habilidades médicas ou a intuição, respondeu: “intuição é simplesmente a extensão da lógica”, isto é, o que parece ser intuitivo é meramente a análise conjunta de uma série de sinais coerentes, sintomas e impressões. Por isso, para fazer um bom diagnóstico, o médico ou o terapeuta em ayurveda deve ser um excelente detetive.

Somado a isso, em seu livro Textbook of Ayurveda – vol. 2, o Dr. Vasant Lad esclarece que os sentidos do médico ou terapeuta são as principais ferramentas para a realização de um bom diagnóstico. Através do aperfeiçoamento constante, essa habilidade será atingida. Porém, o maior inimigo é a própria mente, que se utiliza dos mesmos sentidos, das emoções e do medo para convencê-los a tratar apenas dos sintomas da doença, a fazer dinheiro e nada mais. Mas como praticantes de ayurveda devemos nos perguntar constantemente: quem dirige a carruagem? Estou na prática para o meu próprio ganho e distraído pelo estímulo sensorial? Ou mantenho-me dedicado para o crescimento pessoal e para o bem-estar dos pacientes, movendo-me para além do medo e da ignorância?

Nesse último aspecto, a experiência do praticante é chamada de Brahma bhavati sarathi, onde Brahma é o condutor da carruagem. Por isso, quando o seu coração detém as rédeas do seu diagnóstico, do tratamento e da interação entre médico e paciente, o praticante estará comunicando de alma para alma e seu coração, e não a sua mente, será o seu guia.

Estudo clínico da doença

A etapa seguinte é o estudo clínico da doença, que começa com nidãna pañchakam. Nidãna significa etiologia e pancha, cinco. Então, são cinco os parâmetros clínicos com os quais pode-se entender a doença, conforme descritos abaixo.

1 – Nidãna: etiologia ou causa, englobando causa interna ou externa, ação imediata ou de longo prazo, causa forte e específica ou fraca e múltipla com efeito acumulado, causa secundária ou direta, ato que provoca de forma direta a doença ou ato que desbalanceia o dosha criando a doença, fator que estimula o dosha mas não cria a doença ou fator que estimula o dosha provocando a doença, causas apropriadas à estação/local ou inapropriadas à estação/local, doença primária causando uma segunda doença ou complicações secundárias que provocam outras doenças, ama envolvido no desequilíbrio do dosha ou quando não há presença ama no desequilíbrio, injúrias físicas que afetam o corpo e provocam determinadas doenças, desejos não atendidos (fazendo-se o que não se quer) configurando ações que provocam desordens mentais e afetam os canais da mente, causas sutis que afetam jivatman ou genética, causas que foram manifestadas devido a uma ação na vida passada ou na presente, causas decorrentes de não ouvir a inteligência do corpo ou fazer mau uso dos órgãos dos sentidos, causas relacionadas ao tempo, tais como fatores que causam envelhecimento, sazonais ou pertinentes aos estágios da digestão, causas ambientais ou pertinentes às estações do ano, originárias de dieta inapropriada, relacionadas a parasitas, como bactérias, vírus e fungos, riscos ocupacionais, traumas que possam afetar o corpo e mente e distúrbios iatrogênicos, isto é, alteração patológica ocasionada pela má prática médica.

2 – Purvarupa: sintomas e sinais prodrômicos (fase que precede o aparecimento de sintomas de uma dada doença, na qual a maioria dos sinais clínicos são inespecíficos). Normalmente, as pessoas não procuram um médico nessa fase, preferindo esperar a manifestação do próximo estágio e ignorando os sinais que o corpo apresenta. Porém, se a manifestação da doença for tratada nessa etapa, ela será facilmente manejada.

3 – Rupa: sintomas e sinais cardinais (sinais clássicos do processo inflamatório). Nessa fase, os sinais do adoecimento tornam-se mais claros, pois os doshas em excesso saem do trato digestivo e viajam pelo corpo até chegarem a um local enfraquecido para ali penetrarem e permanecerem.

4 – Upashaya: diretrizes terapêuticas. Quando o indivíduo tem sintomas vagos, possivelmente envolvendo dois ou três doshas, o ayurveda recomenda usar ervas medicinais, dieta e estilo de vida como terapia exploratória. O médico ou terapeuta pode aplicar essa fase investigativa utilizando tratamentos antagônicos (como na alopatia) ou similares (como na homeopatia).

5 – Samprapti: patogenia, origem e desenvolvimento da doença.

Estratégias de tratamento

Só depois da averiguação do paciente e do entendimento da origem, caminho e manifestação da doença é que um tratamento deve ser prescrito. No atendimento on-line, a parte da averiguação do paciente e entendimento da doença não muda, porém a escolha do tratamento e de como fazer samprapti vighatana, sim. Porque irá depender se o médico ou terapeuta que está realizando o atendimento tem uma equipe de apoio no local onde o paciente vive, se existe restrição regional (dependendo do país) para aplicação de determinados procedimentos corporais medicinais, se há disponibilidade de medicamento (onde comprar ou como preparar) ou se há restrição de movimento (como é a situação atual, por conta da pandemia.

Mas primeiro é preciso entender quais são os tratamentos listados pela literatura. Samprapti vighatana significa quebrar samprapti, isto é, encerrar a patogênese e destruir a doença. Também significa destruir e abortar o complexo dosha-dushya, ou seja, dosha dushya sammurchana. Isso só pode ser alcançado por um tratamento assertivo em qualquer estágio da doença. Assim, samprapti vighatana também é sinônimo de tratamento.

As medidas abaixo mencionadas devem ser implementadas de modo a causar um samprapti vighatana eficaz e, portanto, fornecer um tratamento abrangente e cura ao paciente enfermo.

1 – O diagnóstico oportuno dos estágios de agravação dos doshas (dosha kriya kala) e formação da doença (vyadhi kriya kala) e o tratamento dos mesmos são essenciais para destruir eficazmente os samprapti de uma doença. Quando diagnosticada em condições precoces de patogênese e tratada prontamente com medidas eficazes de intervenção, a doença não progride para os estágios sucessivos.

2 – Nidãna parivarjana (descontinuação dos fatores causais). Evitar os fatores causais responsáveis pela agravação dos doshas e a causa da patogênese da doença (samprapti) corresponde, por si só, a 50% do tratamento. Manter as causas das doenças afastadas interrompe o processo de adoecimento devido à indisponibilidade de fatores que agravam ainda mais um dosha viciado ou doença estabelecida. Os nidãnas não apenas causam uma doença, mas também aprimoram a condição de doença já existente ou a agravação dos doshas.

3 – Dinacharya e ritucharya palana. Seguir a rotina diária (dinacharya) e o regime sazonal (ritucharya) certamente contribuirá para a cura enquanto estiver em parceria com samprapti vighatana. Todo médico deve insistir em um protocolo diário e sazonal adequado durante o tratamento.

4 – Dosha pratyaneeka chikitsa significa tratamento específico dos doshas, direcionado aos doshas mórbidos. Medicamentos, dieta, mudanças no estilo de vida e terapias que atenuem ou eliminem os doshas mórbidos devem ser implementados no dosha kriya kala, o qual inclui os três primeiros estágios da patogênese, ou seja, sanchaya (acúmulo de doshas), prakopa (agravamento dos doshas) e prasara (disseminação de doshas).

5 – Vyadhi pratyaneeka chikitsa significa tratamento específico da doença, direcionado para interromper o seu processo. Medicamentos, dieta, mudanças de estilo de vida e terapias que quebrem o dosha-dushya sammurchana e forneçam cura abrangente para as doenças devem ser implementados em vyadhi kriya kala, o qual inclui os últimos três estágios da patogênese (samprapti), ou seja, sthana samshraya (localização e alojamento dos doshas nos tecidos), vyakta (manifestação da doença) e bheda (manifestação de complicações de uma doença).

6 – Langhana significa terapias, tratamentos e medicamentos clareadores que induzem leveza no corpo. É administrado para destruir ama, kapha e gordura que geralmente causam peso no organismo. Isso ajudará no samprapti vighatana quando combinado com medicamentos eficazes e mudanças no estilo de vida.

A sensação de peso indica que certas atividades diminuíram no corpo, que há alguns bloqueios ou que alguma patologia está se desenvolvendo. Frequentemente, é representada por uma digestão lenta (fraca), com formação de ama ou produtos intermediários da digestão, que causam bloqueios nos canais (srotas) do corpo.

Por outro lado, a leveza é um dos sintomas de recuperação de qualquer doença e de restabelecimento da saúde. Langhana é de 10 tipos, mas na maioria das vezes upavasa rupa langhana, ou seja, a aplicação de jejum (total ou parcial) ou consumo de alimentos leves será suficiente.

7 – Deepana inclui a implementação de medicamentos e tratamentos que aumentam o fogo metabólico, incrementando o apetite. A sensação de bom apetite e fome oportuna é um sinal de boa saúde e bom estado de agni. Contanto que o fogo do intestino seja bom, os demais agnis dependentes dele, como dhatu agni, também serão saudáveis ​​e equilibrados, contribuindo assim para uma boa saúde.

De acordo com Vagbhata, “sarve api rogau mande agnau”, isto é, todas as doenças são causadas devido ao agni fraco. Isso mostra a importância de equilibrar o fogo digestivo para manter uma boa saúde. O mesmo princípio é aplicável na fase inicial do tratamento de doenças sistêmicas, onde o agni é corrigido e ama, removido. Assim, deepana e a correção de agni ajudam em samprapti vighatana.

8 – Pachana inclui a administração de medicamentos e tratamentos que ajudam na digestão de ama, que é um subproduto da digestão lenta (manda agni). Quando o agni do estômago está fraco, a capacidade digestiva fica debilitada. Nesse caso, o alimento não é totalmente digerido e o resultado do processamento incorreto é chamado de ama.

Ama, quando colocado em circulação após a digestão, bloqueia todas as vias, incluindo os srotas (sistema de canais e dutos) do corpo. A comunicação intracelular fica obstruída e todas as funções são interrompidas, impedindo que a nutrição e os componentes essenciais necessários às funções construtivas do corpo cheguem aos tecidos destinados.

A remoção dos bloqueios pela administração de medicamentos para digestão/destruição de ama (ama pachana) é uma estratégia-chave de tratamento durante a implementação de samprapti vighatana para muitas doenças.

9 – Snehana (oleação) e swedana (sudação) são purvakarmas importantes (procedimentos de pré-tratamento) para panchakarma (cinco tratamentos de purificação) e também remédios individuais para muitas doenças. Snehana e swedana ajudam a mobilizar e trazer os doshas dos tecidos para o estômago.

Snehana, na forma de consumo de gorduras medicinais orais (óleos, ghee) e terapias externas como abhyanga (massagem com óleos de ervas), ajudará a mobilizar as toxinas acumuladas nas células e prepará-las para serem eliminadas.

Swedana, quando administrada após snehana, abre os canais bloqueados por kapha e ama, permitindo o fluxo livre de doshas acumulados e toxinas das células em direção ao estômago para posterior expulsão. Do estômago, os doshas são jogados fora por meio da administração de vamana (êmese terapêutica) ou virechana (purgação terapêutica).

10 – Doshavasechana (shodhana, panchakarma). A expulsão de doshas mórbidos (ou doshavasechana) do corpo é a parte mais importante das intervenções no que diz respeito a samprapti vighatana. O tratamento de doenças graves não é completo sem a eliminação dos doshas viciados do organismo.

Doshavasechana é alcançado através da administração de terapias de purificação (panchakarma) para expulsar os doshas mórbidos. Shodhana inclui as terapias vamana (êmese terapêutica), virechana (purgação terapêutica), vasti (óleo de ervas e enemas de decocção), nasya (medicamento nasal para expelir doshas da cabeça, pescoço e órgãos dos sentidos) e raktamokshana (coleta de sangue).

Quando os doshas são expulsos do sistema por meio dos doshavasechana, o corpo fica limpo e as atividades como metabolismo, força e imunidade são restauradas.

11 – Rasayana (tratamentos antienvelhecimento, rejuvenescedores). São administrados para prevenir a recorrência de doenças e aumentar a imunidade. Normalmente, são aplicados após doshavasechana, pois uma vez que o corpo torna-se limpo, as atividades corporais são colocadas em ritmo normal e a saúde é restabelecida.

12 – Bheshaja compreende medicamentos modificadores de doenças que ajudam no tratamento e no samprapti vighatana. Eles são específicos da doença ou do dosha e definitivamente devem ser incluídos durante o tratamento de uma doença ativa ou no seu acompanhamento.

13 – Pathya refere-se às atividades alimentares e medicamentos úteis e protetores para o patha ou canais e dutos do corpo, ou seja, para os srotas. Deve ser compatível com todo o sistema, isto é, com todas as células e tecidos do corpo, da mente e dos sentidos.

Samprapti vighatana não é abrangente e completo sem a administração de uma dieta adequada e balanceada, com atividades que sejam apropriadas para o indivíduo, evitando a apatia.

14 – Outras estratégias. Tratamentos e métodos externos mencionados no Dinacharya, incluindo abhyanga (massagem), udwarthana (massagem com pó), dhara (derramamento de líquidos medicamentosos na cabeça e no corpo para aliviar o estresse e distúrbios sistêmicos) e murdni taila (tratamentos feitos na cabeça com óleos medicinais) ajudarão a estabelecer uma saúde de mente-corpo abrangente, participando da samprapti vighatana de doenças psicossomáticas. Além, é claro, da prática de yoga asanas e meditação.

Medicamentos

Para o ayurveda, tudo que está disponível pode ser usado como medicamento em prol da cura, assim como todo medicamento pode se transformar em veneno. O que diferencia um do outro é apenas a dosagem.

Quem faz atendimento on-line deve ter em mente que as fases 1, 2, 3 e 4 descritas no tópico anterior, se implementadas devidamente, representam mais de 50% do tratamento. Isso quer dizer que a remoção da causa da doença (que nem sempre está relacionada apenas com a alimentação), o ajuste do agni e a orientação de dinacharya e ritucharya podem resolver a maioria dos casos que se apresentam. Nesse cenário, a cozinha torna-se a farmácia e o autocuidado, o tratamento.

Mas, se porventura, for preciso utilizar alguma medicina, devem ser escolhidas as ervas que nascem próximas ao paciente, dando preferência para a utilização das que sejam similares ou com efeitos similares às indianas. Caso isso não seja possível, o médico ou terapeuta deve ter os contatos e as referências de bons fornecedores, pois isso faz muita diferença na aplicação de ervas medicinais, evitando a aquisição de drogas estocadas por muito tempo, que possivelmente foram contaminadas ou que perderam a validade.

Equipe de cuidado

Além dos atendentes (terapeutas e enfermeiros da clínica ou do hospital), fazem parte da equipe de cuidado, os familiares e amigos. Eles formam uma parte obrigatória e essencial do sistema de cura. Sem a ajuda deles e em tempo hábil, é muito difícil para um paciente curar-se da doença.

Dentro do contexto on-line, considerando as limitações desse tipo de atendimento, pode-se incentivar e valorizar a integração entre terapeutas, arteterapeutas, massoterapeutas, professores de yoga e médicos alopatas, homeopatas e da medicina chinesa. Dito isso, é preciso que o médico ou terapeuta que esteja realizando o atendimento em ayurveda tenha uma rede de apoio composta por profissionais competentes de diversas modalidades. Isso deve ser feito, sempre mantendo em mente que o paciente é o foco.

Para o ayurveda, o médico deve ter a capacidade de entender a força do corpo e a mente da pessoa enferma, para assim propor uma linha de tratamento e terapias compreendidas dentro dos textos clássicos ou que estejam disponíveis no tempo e no espaço desse mesmo paciente.

A organização médica e a gestão hospitalar evoluíram muito ao longo dos anos. O sistema de saúde viu avanços tecnológicos exemplares, mas o básico é o mesmo e será o mesmo à medida que entrarmos em épocas diferentes. Ou seja, curar a humanidade enferma e torná-la apta a viver com uma melhor imunidade de corpo-mente. A metodologia e o custo do tratamento e da assistência médica podem ter mudado, mas mesmo o paciente de hoje sairá vitorioso de sua morbidade se conseguir um bom médico, remédios adequados e cuidadores compassivos no momento certo.

O paciente e a aderência ao tratamento

Em muitos casos, a aderência do paciente acontece quando há o entendimento do porquê das “coisas”. Dentro do ayurveda é muito comum incentivarmos a pessoa que está em tratamento a mudar os hábitos alimentares ou de estilo de vida, porém algumas sugestões são vistas como estranhas e até mesmo sem sentido. Para esses casos, reservar um tempo da consulta para explicar o porquê de cada orientação pode ajudar muito o paciente a fazer as mudanças necessárias e mantê-las, quando for preciso.

Em outras situações, o respeito pelo tempo do paciente também é fundamental, pois a correção do estilo de vida exige coragem e persistência. Em um dos meus atendimentos, uma moça por volta dos 30 anos chegou ao consultório apresentando sintomas claros de agravação e interrupção por kapha, além de um processo inflamatório consequente do bloqueio dos srotas. Iniciamos o tratamento ajustando a alimentação com o apoio de terapias corporais para expulsão dos doshas mórbidos. Ao final de dois meses, o quadro inflamatório extinguiu-se, houve perda de peso e a clareza mental, o ânimo e a disposição voltaram. Porém, como disse acima, mudar um hábito requer tempo e obstinação. No caso dessa paciente, ela entendeu que, para que não houvesse recorrência do processo inflamatório, deveria abandonar o consumo de leite de vaca e seus derivados, o que para ela era quase impossível por considerar que amava toda a sorte de queijos, iogurtes e afins. Ela levou cerca de um ano para se adaptar a essa nova realidade, o que trouxe mais clareza mental e provocou outras mudanças no seu estilo de vida, como morar nas montanhas e deixar um emprego na cidade grande. A consequência foi a conquista de mente e corpo sadios.

Analisar a força mental também é vital para checar se o paciente tem a tenacidade e paciência necessária para o tratamento proposto. Outro caso foi o de uma senhora, com cerca de 70 anos, que chegou ao consultório on-line com quadro de fibromialgia, depressão, insônia, pressão alta, colesterol alto e pré-diabetes. Por ser uma pessoa de idade e morar afastada dos grandes centros, o tratamento proposto foi o ajuste da alimentação e do agni, organização dos vegas (urina, fezes, gases, arroto, fome, sede e sono) e aplicação de ervas medicinais. Após oito meses, o colesterol foi ajustado, as dores sumiram e houve a retirada dos indutores de sono. Após um ano, ela compreendeu quais eram os gatilhos que provocavam as recaídas, como dor de cabeça, constipação e insônia. Aprendeu a voltar aos trilhos e o medo de adoecer diminuiu consideravelmente. Hoje em dia, tornou-se praticante de yoga asanas e yoga nidra para manter sua mente sã.

Dicas para o atendimento on-line

Cabe por fim acrescentar que para prestar um bom atendimento on-line é preciso ter organização, o que inclui fatores como ter um local adequado para o atendimento, certificar-se da qualidade da internet e do equipamento utilizado para fazer a conexão, pois nada é mais inadequado do que ter a consulta interrompida por má qualidade da ligação, manter próximo todo o material que possa ser necessário, como bloco de anotações, caneta, lápis, marcadores, etc. e ter o prontuário do paciente em mãos.

Cada profissional deve escolher a ferramenta de conexão que lhe seja mais adequada, podendo ser o Zoom, o Google Meet ou o próprio Whatsapp. Eu, particularmente, gosto do Zoom por manter a qualidade da imagem, além de ser mais confortável quando preciso compartilhar a tela e manter o paciente visível no mesmo ambiente. Porém, em qualquer ferramenta de conexão, é preciso certificar-se de solicitar a retirada de filtros e maquiagem, caso se queira fazer o diagnóstico pela face.

Os dados coletados, exames, fotos, etc. devem ser registrados. Pessoalmente, gosto de usar o Evernote, mas há outras ferramentas disponíveis no mercado e cada um pode optar por aquela que atenda às suas necessidades. No caso de médicos, é melhor escolher a que seja mais apropriada à sua prática médica, o que garante a segurança do prontuário.

É preciso também atestar que o paciente sabe como usar a ferramenta de conexão, lembrando que quanto mais simples for esse processo, melhor.


Luciana Kimi – Terapeuta especialista em ayurveda formada pela Clínica Dhanvantari, terapeuta em Yoga Massage pelo Viavidya Yoga e Ayurveda e facilitadora de processos de revitalização do ser, em atendimentos individuais, em grupo ou in-company.

 

Fontes

Raghuram Y. S. Ayurvedic Hospital Management – Chikitsa Chatushpada.

Raghuram Y. S., Manasa, B. A. M. S. Ayurvedic treatment strategies to break the pathogenesis.

Lad, V. Textbook of Ayurveda – vol. 2.

8 Divine Qualities of a Physician – Ashta Jnana Devata.

Khuddaka Chatushpada Adhyaya – Charak Samhita Sutrasthana 9.