Foi em certo momento, quando meu pai adoeceu e acabou falecendo por causa de um câncer de fígado, que comecei a me interessar por alguma abordagem um pouco diferente da tradicional, visto que não fiquei muito “satisfeito” com o que a medicina “convencional” havia me oferecido nesse caso, apesar de ter proporcionado o que existia de melhor.
Na verdade, pouco antes disso, fui, por curiosidade, assistir a um curso de iridologia, com o Dr. Celso Battelo. Sou oftalmologista e vários pacientes me perguntavam sobre suas íris (“os olhos são porta de nossas almas”, não é assim que falam?) e não estudamos essa área na nossa especialidade. Saí do curso muito impressionado com o que aprendi. Foram abordados os aspectos psicológicos de cada indivíduo a partir do formato de suas íris (método Rayid) e o que parecia ser uma “viagem” acabou sendo útil até para eu perceber como estava “oxidado”, afinal trabalhava muito e pouco cuidava de minha saúde, como de hábito os médicos fazem.
Depois fui estudar, também como curiosidade, a prática ortomolecular, que nada mais é do que a bioquímica aplicada. Fiz uma pós-graduação na Fapes, sob a coordenação do Dr. Efraim Olzewer e tive que voltar a estudar os conceitos de oxidorredução, rever o até então “terrível ciclo de Krebs” e aprender mais profundamente sobre o processo da inflamação, etc. E apesar disso exigir muitas horas de estudo, foi um aprendizado que de imediato transferi para minha prática clínica na oftalmologia.
Na sequência, fiz outra pós-graduação, dessa vez em nutrologia, e acabei obtendo o título de especialista também nessa área.
Conforme já disse, curioso que sou, e por gostar de novos aprendizados, fui estudar ainda acupuntura e medicina tradicional chinesa, ayurveda e homotoxicologia, entre várias outras especialidades.
Nesse momento, já estava encantado com a medicina integrativa e até imaginava trocar minha especialidade de origem, a oftalmologia, por essa área mais abrangente e que analisa o paciente de uma forma mais completa. Como se sabe, a oftalmologia é uma área muito técnica e, a princípio, bem pouco “integrativa”.
Comecei a sentir-me muito gratificado em ver os pacientes bem felizes, sendo tratados por meio da nutrologia e com a utilização dos conceitos integrativos, a partir de tudo o que eu havia aprendido. Já, na oftalmologia, por ser uma especialidade onde houve, e continua a haver, um enorme desenvolvimento tecnológico, os resultados esperados pelos pacientes, principalmente em relação aos procedimentos cirúrgicos, são não menos do que 100%, ou seja, somos “obrigados“ a lhes entregar o que eles “exigem” receber .
Como a tecnologia avançou enormemente na oftalmologia, na percepção dos pacientes as cirurgias, via de regra, tornaram-se “fáceis” de serem feitas, o que claramente não é verdadeiro. Isso me incomodava um pouco.
Interessante que, ao preparar as monografias no final das pós-graduações (fiz ainda outra sobre envelhecimento saudável), utilizei os temas que já conhecia da oftalmologia, especialmente a degeneração macular relacionada à idade, área em que já tinham sido realizados os estudos AREDS, que mostraram que antioxidantes, vitaminas e minerais poderiam diminuir a progressão da DMRI, particularmente quando utilizados nas primeiras fases da doença.
Passei a estudar mais sobre esses mecanismos fisiológicos, que são tão pouco observados com atenção na oftalmologia, e a participar de eventos internacionais nesse segmento.
Iniciativas pioneiras
Com base nesses aprendizados e experiências, comecei a ter ideias para o desenvolvimento de pesquisas, unindo conceitos bioquímicos e integrativos com a oftalmologia. Entendi que havia grandes possibilidades de encontrar “coisas novas“ com essa interligação.
Entrei em contato com o Prof. Fernando Fonseca, chefe do Laboratório de Análises Clínicas da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), instituição em que exerço o cargo de professor há algum tempo, e começamos a desenhar projetos.
Na mesma época, iniciaram-se, ainda na FMABC, as disciplinas eletivas de medicina integrativa, sob coordenação minha e do Dr. Celso Battelo, e as de nutrologia com prática ortomolecular, sob coordenação minha e do Dr. Efraim Olszewer, iniciativas que são pioneiras no Brasil.
Formou-se a Liga de Medicina Integrativa e, em 2018, obtivemos uma premiação no Congresso Mundial de Medicina Integrativa, em Baltimore, com um trabalho sobre estresse em alunos de medicina.
Enquanto isso, eu atendia pacientes em oftalmologia e percebia que não era incomum eles apresentarem queixas subjetivas que nada tinham a ver com problemas oftalmológicos, e sim com estilo de vida, ansiedade e estresse. Abri literalmente os olhos para entender a importância de considerarmos os olhos como partes integrantes do organismo que sofrem influências tanto de processos metabólicos como de fatores psicológicos, tal qual outros órgãos do corpo humano.
Pode soar estranho “definir” a oftalmologia integrativa como a “integração dos olhos ao resto do corpo”! Isso parece óbvio, mas na prática não é!
Todos os avanços tecnológicos levaram-nos a ser superespecialistas, conhecendo cada vez mais sobre uma área do corpo humano, os olhos especificamente, cada vez menor. Entendi que teríamos que pensar de uma forma “macro”, da célula da camada mais externa da córnea para o organismo como um todo!
Levei essa ideia para a UNIFESP, onde eu fizera mestrado, e desde então já organizamos três cursos sobre oftalmologia integrativa dentro do SIMASP, importante simpósio anual de oftalmologia, organizado por essa universidade. Estamos também realizando o terceiro curso sob coordenação do Centro de Estudos em Oftalmologia da UNIFESP, que conta cada vez com mais interessados, o que mostra que a área está se firmando. Atualmente, está acontecendo o Curso Introdutório de Oftalmologia Integrativa, com aulas online semanais e participação de 600 inscritos.
Em parceria com a Faculdade de Medicina do ABC, foram organizadas ainda duas edições do Simpósio Brasileiro de Oftalmologia Integrativa, também com grande sucesso.
Nesses eventos, são apresentados temas como estresse oxidativo e os olhos, relação com os distúrbios do sono, síndrome metabólica/diabetes, efeitos dos tóxicos ambientais e importância, para a saúde ocular, dos carotenoides e da boa alimentação, dos hábitos e estilo de vida saudáveis, da microbiota intestinal, da vitamina D, da suplementação de vitaminas e minerais, dos ácidos graxos ômegas e de práticas como meditação e acupuntura/medicina tradicional chinesa.
Com a preciosa iniciativa da Dra. Cristina Muccioli, o Departamento de Oftalmologia da UNIFESP autorizou a criação do Núcleo de Estudos em Oftalmologia Integrativa, o que proporcionará a realização de mais pesquisas e mesmo a formação de um ambulatório nessa área!
Tivemos o privilégio de ter três trabalhos científicos premiados, em anos consecutivos (2019/2020/2021), no principal evento de ciências em oftalmologia, o congresso da ARVO (The Association for Reserch in Vision and Ophthalmology), com base nos conceitos de oftalmologia integrativa, apresentando estudos pioneiros sobre os efeitos da vitamina D na lágrima e sobre aspectos termográficos das cirurgias refrativas.
Visão sistêmica sobre a saúde ocular
Os olhos confirmadamente sofrem com poucas horas de sono, com o sedentarismo, com as alterações metabólicas, com a má alimentação, com aspectos psicológicos como a ansiedade e o estresse, com a disbiose e, especialmente, com a inflamação crônica silenciosa. E é muito importante que os colegas oftalmologistas saibam orientar seus pacientes sobre esses pontos, o que só trará benefícios para o tratamento.
A prevenção de doenças oculares começa a ter importância em nossa área quando abordamos a relevância da prática de hábitos saudáveis. É interessante que perguntas relativas a alimentação, sono, uso de outros medicamentos, processos inflamatórios em outros órgãos, eventual sobrepeso, realização de práticas esportivas, etc. façam parte da anamnese nos atendimentos oftalmológicos.
Na verdade, os conceitos da medicina integrativa servem para praticamente todas as especialidades e estamos mostrando que em oftalmologia eles podem e devem ser aplicados.
A medicina integrativa é uma realidade em países desenvolvidos, fazendo parte da grade curricular das principais universidades norte-americanas e estando presente nos principais hospitais. Em nosso país, encontra-se ainda em estado incipiente, apesar do crescente interesse dos colegas médicos em praticá-la e dos pacientes em recebê-la.
Por fim, a oftalmologia integrativa visa a unir os olhos ao resto do corpo, enfatizando a importância desse processo aos oftalmologistas, para que se atenham a uma avaliação mais completa dos pacientes, que compreenda outros fatores e aspectos que não somente os exclusivos dos olhos! Os pacientes serão beneficiados com isso e o sentimento de gratificação em trabalhar com nossa tão bela especialidade será ainda maior!
Dr. Renato Leça – Mestre em Oftalmologia pela UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo, especialista em Oftalmologia pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia, presidente do Núcleo de Estudos de Oftalmologia da FMABC – Faculdade de Medicina do ABC, professor de Oftalmologia e coordenador da disciplina eletiva de Medicina Integrativa na FMABC, sócio-diretor da In Sight Oftalmologia e palestrante em congressos nacionais e internacionais.