A denominação síndrome de burnout, também conhecida no Brasil como síndrome de esgotamento profissional, vem do termo em inglês burn-queima e out-exterior. É uma referência à exaustão e ao estresse prolongado, diretamente ligados ao trabalho, causando o desinteresse em executar as atividades e manter a rotina laboral.
Atualmente, a síndrome de burnout já é considerada um problema de saúde pública, visto que sua ocorrência tem aumentado significativamente nos últimos anos no mundo todo. No Brasil, os estudos relacionados ao tema ainda são escassos, além da maioria deles estar voltada aos profissionais que mantêm uma relação íntima de ajuda constante e direta com o cuidado de outras pessoas, como os que atuam na área de saúde e professores, apesar da síndrome acometer profissionais de todas as áreas.
Frente a isso, torna-se clara a necessidade de prevenção precoce, investigação e fundamentação estratégica para os meios de tratamento, alertando os profissionais habilitados que se dispõem à aplicação das práticas integrativas como a medicina chinesa, a sociedade e as gestões corporativas para a necessidade de implementação de melhorias nas condições de trabalho em todas as áreas acometidas.
A medicina chinesa faz parte das práticas integrativas e complementares de saúde (PICS), oferecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o que faz com que a população se familiarize cada vez mais com o uso dessas técnicas, sendo apresentadas juntamente com o programa Saúde da Família, que já proporciona resultados positivos na melhoria da qualidade de vida das pessoas. Esse formato favorece muito a inserção e o desenvolvimento das PICS, uma vez que reforça e apoia o tratamento médico, acelerando os resultados ou promovendo melhoria de sintomas e diminuição na ingestão de remédios.
Segundo o relatório de monitoramento das PICS no Brasil, houve um aumento de 16% na oferta dos serviços voltados para as práticas integrativas e complementares de saúde. Os dados indicam que quase 100% das capitais do País já possuem postos que oferecem as técnicas integrativas, entre elas a acupuntura e a auriculoterapia, que estão acima da média em crescimento de implantação.
A pretensão deste artigo é elucidar como a medicina chinesa pode auxiliar no tratamento dessa doença moderna, quanto às questões de saúde laboral relacionadas com o diagnóstico ocidental da síndrome de burnout.
Burnout: uma perspectiva geral
A síndrome de burnout está diretamente relacionada com o estresse, especialmente àquele advindo do trabalho. Hoje entende-se o estresse como um fator de desgaste geral do indivíduo, que gera um conjunto de reações fisiológicas necessárias para adaptação a novas situações.
Segundo Christina Maslach, Wilmar B. Schaufeli e Michael P. Leiter, apesar de existirem várias definições da síndrome, todas apresentam cinco elementos em comum: predominância de sintomas relacionados à exaustão emocional e mental, fadiga e depressão; sintomas relacionados ao trabalho e que não se apresentam na vida social e pessoal; ênfase nos sintomas comportamentais e mentais e não nos físicos; manifestação em pessoas “normais”, que até então não sofriam de distúrbios psicológicos e presença de atitudes e comportamentos negativos que levam a uma diminuição da afetividade e do desempenho no trabalho.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) oficializou em 2019, através da 11ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças, a síndrome de burnout como um fenômeno crônico relacionado ao trabalho. A síndrome entrou na nova Classificação Internacional de Doenças (CID – 11), que abrange a lista de doenças relacionadas a transtornos mentais e do comportamento, sendo incluída também na CID-10, na mesma categoria da CID-11, porém com uma definição mais detalhada. Segundo a OMS, burnout é resultante de um estresse crônico que não foi gerenciado com sucesso, causando os sentimentos de exaustão, esgotamento de energia, aumento do distanciamento mental do próprio trabalho, sentimento de cinismo e redução na eficácia profissional.
Geralmente, o portador de burnout mede sua autoestima pela capacidade de realização e sucesso profissional. Tem início com satisfação e prazer e acaba quando o desempenho não é devidamente reconhecido, transformando o sentimento inicial em compulsão e obstinação.
Identificam-se doze estágios de burnout: necessidade de afirmação ou de provar ser sempre capaz; dedicação intensificada – com predominância da necessidade de fazer tudo sozinho, a qualquer hora do dia, também identificada como imediatismo; descaso com necessidades pessoais; repressão de conflitos; reinterpretação dos valores; negação de problemas emergentes; recolhimento e aversão a reuniões; mudanças evidentes de comportamento; despersonalização; vazio interior e depressão.
Hans Selye, médico endocrinologista que introduziu o conceito de estresse na área de saúde, cita e divide o estresse em um modelo trifásico e defende que o indivíduo participa de forma ativa no aumento do estímulo estressor. Segundo ele, a probabilidade de adoecer vai variar dependendo da forma como o paciente avalia e enfrenta os fatores estressores, bem como de acordo com sua vulnerabilidade psicológica e orgânica. O modelo trifásico descrito por esse autor contempla as fases indicadas a seguir.
Fase de alerta: em que o organismo prepara-se para a reação de luta ou fuga, que é essencial para a preservação da vida. Nessa fase, todos os sistemas dizem respeito ao preparo do corpo e da mente (estímulo de vigília) para a preservação da vida.
Fase de resistência: inicia-se quando o organismo tenta se adaptar, em razão de sua tendência a buscar a homeostase interna.
Fase de exaustão: é quando os sintomas e as doenças físicas aparecem.
Medicina chinesa e a síndrome de burnout
Diferentemente das práticas da medicina ocidental, a medicina oriental é uma ciência que enxerga o paciente de forma holística, ou seja, considera o ser humano como um todo. Além do corpo, integram-se também os aspectos da mente e do espírito e, ainda, suas relações com o meio ambiente.
Na visão da medicina chinesa, o equilíbrio dinâmico é de extrema importância para que a saúde se estabeleça. Dessa forma, entende-se que a doença é a desarmonia de uma ou mais partes integrantes do ser.
Sendo a prática da medicina chinesa completa e com uma visão holística da saúde, ela agrega diversas técnicas como base do sistema médico, para proporcionar o tratamento adequado das manifestações patológicas de forma completamente natural, sem criar nenhum tipo de dependência química.
A atuação da medicina chinesa tem como objetivo deixar o corpo e a mente em harmonia, mantendo aquele equilíbrio dinâmico. No ocidente, a acupuntura é uma das práticas mais conhecidas e difundidas da medicina chinesa, sendo que, em comparação com a medicina alopática, é acessível e relativamente barata, principalmente quando se levam em consideração todos os benefícios proporcionados.
Os métodos e técnicas oferecidos pela medicina chinesa trazem o paciente para o tratamento de forma que ele seja parte atuante da evolução, apresentando uma postura ativa no processo de reequilíbrio energético.
Estagnação do Qi do fígado (Gan)
A estagnação é o mais comum dos padrões observados em relação ao fígado (Gan). Sem dúvida, o estilo de vida moderno contribui para que isso aconteça e esteja cada vez mais presente em nosso cotidiano.
Em nível físico, esse padrão pode se manifestar com a presença de dor e sensação de distensão no hipocôndrio, tórax, abdome e epigástrio. Essa sensação de inchaço é o principal sintoma de estagnação do Qi do fígado (Gan).
Os aspectos emocionais que se apresentam na síndrome de burnout são uma das principais causas da estagnação do Qi do fígado (Gan). Já se sabe que o estado de frustração, raiva reprimida, depressão, angústia e ressentimento, por um longo período de tempo, faz com que o fluxo de Qi fique obstruído, de forma que a energia não flua naturalmente. É comum que as pessoas portadoras da síndrome sintam uma falta de propósito, de sonhos e de projetos, juntamente com angústia, o que acaba ocasionando a sensação de “caroço de ameixa” na garganta.
Como dito anteriormente, o fígado (Gan) é o responsável pelo livre fluxo de Qi e, dessa forma, também das emoções. Quando ocorre estagnação do Qi, há uma predominância das sensações de irritabilidade e de não conseguir realizar algo, assim como de falta de vontade e coragem. A estase do Qi do fígado (Gan) também pode resultar na ausência do “ir e vir” do aspecto mental Hun (alma etérea).
Vesícula biliar (Dan) deficiente
A vesícula biliar (Dan), sendo acoplada ao fígado (Gan), sofre diretamente com a emoção relacionada a seu movimento madeira, a raiva. Como esclarecido acima, a raiva e a frustração reprimidas podem causar estagnação do Qi do fígado (Gan), gerando calor que, consequentemente, influencia a víscera. Esse calor patogênico afeta o funcionamento correto das funções da vesícula biliar (Dan) e pode também gerar mucosidade.
Segundo Auteroche, em seguida a uma congestão dos sentimentos, o Qi acumula-se e estagna-se e as mucosidades nascem no interior. O calor e as mucosidades perturbam o interior. As funções de “descongestão-drenagem” da vesícula biliar e de “descida” do estômago estão lesadas. As mucosidades úmidas circulam seguindo o meridiano da vesícula biliar, que circunda a cabeça e os olhos. Eis porque há a presença de ofuscações, vertigens, irritação, insônia, palpitações e agitação.
Alguns dos principais sintomas da síndrome de burnout são a timidez, a indecisão e principalmente a falta de iniciativa. A pessoa sente-se na impossibilidade de tomar decisões, de agir e de mudar as situações que lhe incomodam. Não há energia suficiente para impulsionar a resolução das questões laborais.
Nesse caso, a vesícula biliar (Dan), que é o aspecto yang no fígado (Gan), encontra-se em deficiência devido à estagnação do Qi do seu órgão (Zang).
Como afirma Giovanni Maciocia, embora o padrão da deficiência do Qi do fígado não seja frequentemente mencionado, ele existe e suas manifestação clínicas incluem alguns sintomas do sangue do fígado, como tontura e visão turva (que também estão presentes no padrão da vesícula biliar deficiente). Essencialmente, o padrão da vesícula biliar deficiente ocorre junto com o da deficiência do Qi do fígado.
Tratamento de burnout: técnicas da medicina chinesa que podem ajudar
A medicina chinesa, com sua visão holística da saúde, possui diversas técnicas que podem ser agregadas ao tratamento das desarmonias, potencializando seus efeitos e resultados. Essas técnicas baseiam-se nos cinco grandes pilares descritos a seguir.
Dietoterapia: em que se indicam alimentos que auxiliam no tratamento da enfermidade, de acordo com a natureza de cada indivíduo, sendo que os cálculos são feitos através da data e hora de nascimento.
Fitoterapia: técnica que auxilia principalmente nas questões mais crônicas e profundas das doenças, atingindo camadas mais interiores das patologias. Utilizam-se formulações feitas a partir de ervas, minerais e animais.
Tui ná: prática manual de massoterapia em que, com base na teoria de canais e colaterais, aplica-se o estímulo por meio de leve pressão, com o intuito de fazer circular a energia que se encontra estagnada. Promove circulação geral da energia no corpo, propiciando bem-estar.
Qi gong: prática corporal que mantém o corpo saudável através de exercícios feitos em sincronia com a respiração. Por meio da execução de movimentos específicos, proporciona a movimentação interna do Qi (energia) e Xue (sangue).
Acupuntura e moxabustão: são as práticas mais conhecidas e difundidas no ocidente, em que se utilizam agulhas e o calor da erva Artemísia Vulgaris.
Com base nessas diversas abordagens, é possível auxiliar o paciente com burnout durante as várias fases da síndrome, mitigando os riscos e minimizando a “velocidade” com que o mecanismo da doença se apresenta.
Através da medicina chinesa – que tem seu sistema próprio de diagnóstico e tratamento – é possível identificar que a intervenção para a síndrome de burnout tem resultados eficazes e promissores.
Mudanças contínuas de hábitos e rotina
Vale por fim ressaltar que é comum notar uma melhoria contínua no bem-estar e qualidade de vida dos pacientes tratados com as técnicas incluídas nas práticas integrativas e complementares de saúde, como a medicina chinesa, uma vez que são estimulados a promover mudanças de hábitos e rotina.
Faz parte da filosofia da medicina chinesa a busca por uma vida mais equilibrada. Dessa forma, é preciso que o paciente tenha uma postura ativa em relação ao tratamento, para que este seja potencializado e a pessoa possa ser tratada em sua integralidade.
Com uma visão de saúde que integra corpo, mente, emocional e social, notam-se o crescimento na busca por práticas mais naturais que tratam o ser como um todo e a necessidade que a população tem sentido em recorrer às PICS e dispor de sua utilização por meio do Sistema Único de Saúde. Diante dessa demanda, tornam-se cada vez mais importantes o apoio e a ampliação na oferta dos programas de implantação das PICS, inserindo práticas menos invasivas e financeiramente mais econômicas e visando à melhoria da qualidade de vida da população e à prevenção de doenças crônicas.
Mariana Justino Marciano Silva – Acupunturista e terapeuta complementar.
Marina Martinho – Professora de Medicina Chinesa, terapeuta de Pediatria Integrativa, acupunturista, dietoterapeuta e pedagoga.
Fontes
Maciocia, Giovanni. Os Fundamentos da Medicina Chinesa. Editora Roca, 2017.
Ponto, Inês. Da Paixão à Exaustão: as 12 fases da Síndrome de Burnout. Brasil: Oficina de Psicologia (acessado em 14/10/2019). Disponível em https://www.oficinadepsicologia.com/da-paixao-a-exaustao-as-12-fases-do-sindrome-de-burnout/
30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a Síndrome de Burnout. Brasil: Associação Nacional de Medicina do trabalho (última atualização: 12/12/2018; citado em 22/08/2019). Disponível em https://www.anamt.org.br/portal/2018/12/12/30-dos-trabalhadores-brasileiros-sofrem-com-a-sindrome-de-burnout/
Quais são as causas do estresse. Brasil: IBC Coaching (última atualização: 15/02/2015; acessado em 27/12/2019). Disponível em https://www.ibccoaching.com.br/portal/qualidade-de-vida/quais-sao-causas-sintomas-tratamento-estresse