Transtornos psicossomáticos: visão organoneurológica, psiquiátrica e psicanalítica

O termo psicossomática surgiu a partir das observações de que, logo após ocorrências de enfermidades aparentemente só orgânicas, havia o desencadeamento de expressões psíquicas ligadas a essas expressões físicas, ou sintomáticas, quer fossem encontradas lesões de tecido ou não.

Por exemplo: perda de um membro ou ocorrência de um acidente vascular cerebral, tumoração, enfarte, etc. Ou desmaios decorrentes de causas psíquicas, conversões somáticas do psíquico para o físico, dores sem lesões aparentes, parestesias sem lesões detectáveis. Ou úlceras gastroesofágicas, retocolites ulcerativas, asma sem fatores alérgicos. E abalos emocionais que desencadeavam desmaios e sintomas físicos, tais como pruridos e lesões de pele, pulmonares, gastrointestinais e tireoidianas, cujo órgão de escolha depende do tipo de choque emocional vivenciado pelo indivíduo e do momento em que ele ocorreu.

Sigmund Freud, o criador do método e da teoria psicanalítica, chamou essas ocorrências de neuroses orgânicas, porque suponha que a repressão, não podendo evoluir para o nível mental, colocava-se em nível corporal e instalava-se de forma semelhante ao que acontece no processo psicótico. Não podendo ser transmitida em palavras, traduzia-se fisicamente.

No final do século XIX, início do século XX, Franz Alexander, médico e psicanalista húngaro, deu então a essa nova entidade o nome de psicossomática.

Doença ou transtorno?

A palavra psicossomática, entretanto, não traduz fielmente o conceito de doença, pois psicossomáticos somos todos nós, já que somos formados de psique (mente/alma) e soma (organismo considerado fisicamente).

Passou-se a chamar os distúrbios psicossomáticos de doenças psicossomáticas. Mas essa generalização também não é fiel ao conceito de doença psicossomática, pois nem todo distúrbio psicossomático caracteriza-se como uma doença psicossomática típica.

Com o avanço dos estudos organoneurológicos e neuropsiquiátricos, chegou-se ao conhecimento anatomofisiológico do cérebro, dos hormônios envolvidos e do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal (responsável pelo funcionamento de vários órgãos e produção de adrenalina e corticoides), além do sistema límbico (responsável pelas emoções).

De posse desse conhecimento, passou-se a denominar de transtornos psicossomáticos o conjunto de alterações organopsíquicas, englobando os quadros de alterações psico-orgânicas, com ou sem lesões visíveis. Reservou-se, assim, o nome de doenças psicossomáticas para as que apresentam alterações teciduais confirmadas em exames clínicos e laboratoriais, denominando-se como alterações psico-orgânicas as que não apresentam lesões demonstráveis, já que nelas predominam os fatores psíquicos.

“O que a boca cala, o corpo fala”

A gênese dos transtornos psicossomáticos inicia-se na relação do indivíduo com o mundo externo, ou seja, na forma como, através dos órgãos dos sentidos, a pessoa capta o mundo externo, lida com esses estímulos em termos dos sentimentos (sistema límbico) e reage como resposta.

Os indivíduos que desenvolvem transtornos psicossomáticos são aqueles que não conseguem elaborar as sensações e afetos ao nível do cérebro frontal (local dos pensamentos abstratos). Não conseguindo abstrair, dificultam a transmissão das sensações pela fala. Daí vem o aforismo: “o que a boca cala, o corpo fala”. As sensações e afetos permanecem ao nível do sistema límbico, o que vai se refletir diretamente nas áreas hipotalâmicas e na hipófise, com descargas hormonais, principalmente das glândulas suprarrenais (adrenalina e corticoide).

Dependendo da intensidade das emoções envolvidas, as respostas do indivíduo podem traduzir-se em conversões orgânicas (hipocondria e histrionia) ou doenças psicossomáticas (lesões em órgãos). As respostas hipocondríacas e histriônicas ocorrem quando da emergência de conflitos psíquicos reprimidos e que necessitam de uma expressão sintomática sensível (geralmente emoções de caráter agressivo-negativo). As respostas psicossomáticas, em termo de doença, têm sempre a mesma expressão (“órgão de choque”) e dependem da fase psicossexual em que foram estabelecidas (oral, anal ou fálica).

Epigenética

Quando lidamos com a questão da saúde e com seu desequilíbrio (a doença ou as doenças), temos que levar em conta a epigenética, ou seja, onde vivemos e como vivemos. Somos produtos do meio em que vivemos e das transformações a que esse meio está sujeito: alimentação, qualidade da água e do ar, quantidade de estresse.

Esses fatores externos, que interferem na natureza em geral, interferem também mais de perto no ambiente em que vivemos (temperatura e alimentação). Como somos feitos de ácidos ribonucleicos (DNA e RNA, que formam os genes), sofremos a influência direta desses componentes. Não mudamos os genes em si, mas mudamos a composição desses ácidos pela forma como manipulamos nosso ambiente. Com isso, interferimos na evolução, para melhor ou para pior… não sabemos.

Com a interferência na composição de nossos alimentos e de nosso meio ambiente (ar e temperatura), podemos estar contribuindo ou não para que os futuros seres humanos tomem formas diferentes, pois esses ácidos (RNA e DNA) são os transmissores de nossas características fisiopsíquicas.


Dr. José Rubens Naime – Médico com especialização em Psiquiatria, pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), em Psicanálise, pelo Instituto Sedes Sapientae, em Psicologia Analítica, pela Universidade São Francisco e em Psiquiatria e Dependência Química, pela Universidade de Santo Amaro. É professor na UNIFEV, em Votuporanga e supervisor na Unicastelo, em Fernandópolis.