Ryodoraku: recurso eletrodiagnóstico na prática clínica da acupuntura

Os profissionais amantes das práticas integrativas primam pela busca de melhores estratégias na avaliação ou diagnóstico energético de seus pacientes. Diagnosticar é a arte de identificar onde se manifesta o desequilíbrio energético, para consequentemente ser assertivo no tratamento.

Sabe-se bem que há muita dificuldade em relação à acuidade dos métodos avaliativos, pois as percepções passam pela subjetividade dos interrogatórios e de ambos os interlocutores: interrogado e interrogador. Portanto, se pudermos acrescentar recursos, nesse processo, que validem com mais assertividade os achados, eles serão sempre muito bem-vindos.

Na medicina tradicional chinesa, classicamente são utilizadas a análise do pulso, um método revelador, porém difícil de ser aplicado, e a observação da língua, que se baseia na apurada avaliação da cor, forma, característica da saburra e possível presença de umidade, as quais classificarão a provável evolução de determinada doença, configurando a percepção dos possíveis desequilíbrios energéticos dos indivíduos.

Quando a acupuntura chegou ao Ocidente, na década de 70, havia pouca credibilidade, pois ainda se mostrava carente de embasamento científico.

Devido à dificuldade de compreender conceitos e termos como yin e yang ou canais de energia – meridianos, é que os médicos ocidentais não captavam a ação neurofisiológica exercida pela acupuntura no corpo humano. E em contrapartida, para os chineses, termos como sistema nervoso periférico ou neurotransmissores não faziam parte de seu vocabulário. A visão oriental sempre esteve pautada na análise energética e sua expressiva representação no corpo humano através das análises da língua e do pulso supracitadas.

A partir do instante em que a acupuntura passou a ser analisada sob o prisma da pesquisa científica no Ocidente, por meio das técnicas e práticas científicas ocidentais, seu mecanismo de ação neurofisiológico foi gradativamente desmistificado.

Sendo assim, nos dias atuais sabe-se que não há misticismo ou empirismo acerca da prática da acupuntura.

Há aproximadamente 22 anos ou mais, realizam-se ensaios clínicos utilizando o método ryodoraku na Divisão de Medicina Física e Reabilitação do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, sendo que esse empenho científico com certeza trouxe edificações sólidas para a prática desse recurso.

Neste artigo, falaremos sobre o método ryodoraku, com o objetivo de informar sobre a praticidade e funcionalidade de sua aplicação.

Ryodoraku: a origem do método

A origem do método ryodoraku se deu por volta do ano de 1950, quando o médico e pesquisador japonês Yoshio Nakatani, entusiasta da acupuntura, descobriu em seus ensaios que a maioria dos pontos dispostos ao longo dos canais de energia – meridianos (Jing Mai), da acupuntura tradicional, apresentava baixa impedância elétrica na pele em relação à superfície corpórea. Dessa maneira, hoje entre os pesquisadores da área médica consensualmente se define que o ryodoraku corresponde aos meridianos da acupuntura tradicional chinesa.

O Dr. Nakatani denominou esses pontos como ryodoten, que significa pontos hipereletrocondutíveis. Foi nesse período que ele elaborou a tese sobre “Condutividade eletrodérmica, nervo autônomo e acupontos”.

A palavra “ryodoraku“ é formada pelos termos ryo = bom, do = eletrocondutor e raku = linha, significando “linha de boa condutância”, ou seja, canais em japonês.

Foram 25 anos de estudos e milhares de pacientes analisados e tratados com rigor científico.

O Dr. Nakatani introduziu esse recurso como um método de eletroacupuntura, pois, além de diagnosticar, o aparelho de ryodoraku promoveria um estímulo elétrico no ponto de acupuntura correspondente.

A princípio, o tratamento da dor foi o carro-chefe dessa técnica promissora. O Dr. Nakatani observou ainda que poderia haver uma íntima relação entre a atividade do sistema nervoso simpático e as sintomatologias descritas pelos indivíduos, que poderiam ser explicadas em função da energia que percorre o organismo humano: o Qi, na visão da acupuntura.

Essa técnica teria, então, o benefício de facilitar a compreensão da eletroacupuntura, por parte da prática médica ocidental, frente à dificuldade ou não familiaridade com as teorias de yin e yang e dos cinco elementos da medicina tradicional chinesa.

Benefícios da técnica

Atualmente, os aparelhos de ryodoraku nacionais realizam o diagnóstico do desequilíbrio energético, mas não o estímulo elétrico nos pontos a serem tratados.

É possível que o leitor já tenha ouvido que não se realiza uma nova avaliação com o método ryodoraku após o tratamento numa mesma sessão terapêutica! De fato, na Europa, onde os aparelhos permitem diagnosticar e em seguida tratar com a eletroestimulação pontual, não há necessidade de uma segunda leitura avaliativa, pois se entende que o desequilíbrio já foi tratado.

Mas, no Brasil, em que apenas se diagnostica, sendo portanto o tratamento realizado com outra técnica de acupuntura que não o ryodoraku, é primordial que o terapeuta realize uma outra leitura diagnóstica com o aparelho na mesma sessão.

Há uma íntima ligação entre o método ryodoraku e o sistema nervoso autônomo, pois quaisquer desequilíbrios ou desordens dos órgãos internos manifestam-se como fenômenos nervosos reflexos na superfície corporal, ou seja, na pele (Goto – 2008).

Pode-se concluir que o ryodoraku é um recurso terapêutico que ajusta a excitabilidade do sistema nervoso autônomo a um estado fisiológico equilibrado, sendo também conhecido como terapia de ajuste nervoso autônomo de corpo inteiro.

Dentre os tantos benefícios alcançados com a sua utilização, podem-se citar os seguintes: fornece dados mensuráveis para o diagnóstico; auxilia na escolha da melhor estratégia de tratamento; com base nos dados do gráfico, na ficha de anamnese e na observação da constituição física do paciente, permite projetar as áreas em que as patologias irão aparecer, de forma a trabalhar estrategicamente melhor na prevenção das mesmas; permite avaliar o potencial homeostático do paciente, que é indicado pelo nível de excitação do sistema nervoso simpático (alto nível indica forte função homeostática e baixo nível, fraca função homeostática); com base na avaliação sobre os níveis dos canais no gráfico, possibilita determinar o estágio da patologia (recente, avançada, aguda ou crônica); permite a elaboração de um prognóstico e inspira confiança e torna a terapia de fácil compreensão para o paciente, ajudando-o a aderir ao tratamento.

Os pontos (ryodoten) a serem avaliados nesse método totalizam 24, sendo 12 pontos bilaterais na região do punho e 12 pontos bilaterais na região dos pés. Após a tomada da medida de eletrocondutividade de cada um deles, verifica-se o gráfico resultante e inicia-se a intervenção terapêutica.

O processo diagnóstico é, dessa forma, conduzido por um meio extremamente facilitador da compreensão do quadro clínico e energético observado e da escolha terapêutica a ser desenvolvida.

Exemplo de aplicação na prática clínica

O exemplo relatado a seguir mostra uma análise pelo método ryodoraku com a utilização de um aparelho nacional, que fornece um gráfico para leitura e análise das condições energéticas do paciente.

Paciente de 70 anos, com diversas comorbidades e em tratamento de uma úlcera venosa. Faz uso de vários medicamentos que comprometem a boa funcionalidade e vitalidade de órgãos importantes, como o fígado, os rins e o estômago.

No gráfico ryodoraku, vemos um excesso energético nos meridianos do fígado e do estômago e uma deficiência energética do coração, baço/pâncreas, rins e vesícula biliar.

Entre as diversas interpretações da terapia ryodoraku, o fato de a energia de rim e vesícula biliar mostrar-se sempre deficiente, formando um grande W no gráfico (Figura 1), é um indicador de doença crônica presente.

Gráfico ryodoraku em acupuntura
Fig. 1 – Ryodoraku: leitura do pré-tratamento. Fonte: arquivos dos autores.

Já, na Figura 2, nota-se que após o tratamento os pontos estão mais harmônicos, com diversos deles situando-se dentro da faixa fisiológica de equilíbrio (faixa rosa), demarcada ao centro do gráfico.

Gráfico ryodoraku em acupuntura
Fig. 2 – Ryodoraku: leitura após o tratamento. Fonte: arquivos dos autores.

Os valores que ficam fora dessa faixa no gráfico (tanto para cima como para baixo) são considerados em estado de desequilíbrio. Esse desequilíbrio pode ser ocasionado por uma capacidade de adaptação fisiológica do organismo humano, seja por hiper ou hiporreatividade aos fatores externos como estresse, clima, etc. Outros fatores podem determinar a apresentação do gráfico com pontos abaixo ou acima do corredor fisiológico.

O que na verdade importa é que o terapeuta seja um bom conhecedor das síndromes energéticas e suas possibilidades de tratamento. Acredita-se que as disfunções evidenciadas e/ou latentes em algum órgão, víscera ou canal energético podem ser detectadas e tratadas precocemente pela alteração observada na representação gráfica.

O método ryodoraku evidencia o quão valioso é o conhecimento e o domínio das técnicas para uma prática terapêutica conduzida com expertise.

Como disse o escritor norte-americano C. S. Lewis, “você nunca é velho demais para definir outra meta ou sonhar um novo sonho”.


Prof. Dr. André Gomes – Bacharel em Fisioterapia pela Universidade Nove de Julho, com pós-graduação lato sensu em Acupuntura – Medicina Tradicional Chinesa (Ceata) e Treinamento na WFAS – China.

Profa. Me Dra. Andréa Fernanda Leal – Bacharel em Fisioterapia (Uniban) e em Educação Física (Faculdades Integradas de Guarulhos), doutoranda pelo Departamento de Cardiologia da Unifesp e mestre em Ciências da Saúde (FMABC), com pós-graduação lato sensu em Acupuntura (Faculdade Mário Schenberg, com apoio do Ceata). Especialista em Fisioterapia Respiratória Pediátrica e Neonatal (Faculdade de Medicina da USP – Hospital das Clínicas), em Fisioterapia Pediátrica (Universidade Cidade de São Paulo) e em Fisioterapia Neurológica (Universidade Cidade de São Paulo).

 

Referências bibliográficas

Goto, K. Eletroacupuntura e Eletrodiagnóstico, Método Terapêutico Ryodoraku de Regulação do Sistema Nervosos Autônomo, J.S.R.M. – Japanese Society Ryodoraku Medicine, Ed. Gasho, 2008.

Imamura, S. T. Eletroacupuntura Ryodoraku, Ed. Savier,1996.

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Scilipoti, D. Filosofia e Acupuntura Ryodoraku, Ed. Roca, 2007.