Câncer de estômago: tratamento com fitoterapia

O câncer gástrico é uma neoplasia muito significativa sob o ponto de vista de incidência no Brasil. O Instituto Nacional do Câncer (INCA) estima que para cada ano do triênio de 2020/2022 sejam diagnosticados no País 21.230 novos casos de câncer de estômago (13.360 em homens e 7.870 em mulheres). Entre os homens, pode ser considerado o quarto tipo mais incidente, sendo o sexto entre as mulheres.

A forma mais comum da doença é o adenocarcinoma, responsável por cerca de 95% dos casos. A sua incidência é maior em homens, variando de acordo com o país, estando provavelmente associado a dietas ricas em alimentos defumados, curados e enlatados.

O consumo de sal acima de 5 mg a 6 mg por dia é um fator de risco importante para essa doença. Os brasileiros consomem em média 12 g de sal por dia. O sal parece favorecer o surgimento de Helicobacter pylori no estômago. Estima-se que 75% dos casos de câncer de estômago estão ligados à presença dessa bactéria, que aumenta a possibilidade de surgimento de úlceras gástricas, as quais por sua vez constituem um fator de risco para o câncer, como mostram Nicole Tegtmeyer e colaboradores.

Além de homens, outros grupos de risco para o desenvolvimento de câncer de estômago são pessoas com histórico familiar desse tipo de câncer, infectadas com H. pylori, com pólipos estomacais, com gastrite crônica ou outras inflamações crônicas do estômago, com anemia perniciosa e fumantes.

Diagnóstico e estadiamento

O diagnóstico é inicialmente feito com um exame clínico, em que o médico avalia os primeiros sintomas e o histórico do paciente, solicitando exames complementares, como endoscopia, tomografia computadorizada, exame radiológico do estômago, biópsia, avaliação citológica, ultrassonografia endoscópica e ressonância magnética.

Com base nos resultados de todos esses exames, é possível fazer o estadiamento da doença, que pode estar em um dos seguintes estágios: estágio I – quando o tumor encontra-se limitado ao seu local inicial de origem, estágio II – quando o câncer começa a atingir as camadas mais profundas do tecido, estágio III – quando o câncer cresce para as camadas mais profundas do estômago e pode expandir-se para os linfonodos e estágio IV – quando o tumor já cresceu além do estômago e alcançou estruturas vizinhas. Nesse estágio, ele pode atingir outros órgãos, ocorrendo então as metástases.

A principal complicação é a metástase, ou seja, o potencial do tumor de espalhar-se para outros órgãos. Chega aos vasos sanguíneos e pode atingir outros tecidos e se proliferar. Nessas condições, o câncer pode levar o paciente à morte.

Outra complicação possível de acontecer é a obstrução da passagem de alimentos devido ao crescimento da massa tumoral no estômago. Sangramentos também são frequentes e incômodos para o paciente, além de vômitos e diarreias, o que pode levar à perda de peso e agravar as condições gerais de saúde da pessoa.

Tratamentos convencionais

A cirurgia é uma das formas de tratamento aplicadas em casos de câncer de estômago. Tem como função remover a massa tumoral, podendo ser realizada nos estágios iniciais da doença, de como a impedir que o tumor cresça e espalhe-se. Outra opção é a gastrectomia parcial, que consiste na remoção de parte do estômago, em contraposição à gastrectomia total, que envolve a retirada de todo o órgão e de tecidos adjacentes. A cirurgia de remoção de linfonodos também pode ocorrer, caso o tipo de câncer detectado seja um linfoma.

A radioterapia (RT) consiste no bombardeamento do tumor com raios de alta energia. Pode ser feita antes da cirurgia, para redução da massa tumoral, sendo nesse caso chamada de terapia de RT neoadjuvante, ou após a cirurgia, para eliminação dos resquícios do tumor, quando então é denominada de terapia adjuvante. A radioterapia pode também ser associada à quimioterapia, para maior eficácia.

A quimioterapia consiste no uso de medicamentos para eliminação do tumor, podendo ser administrada antes da cirurgia (terapia neoadjuvante) ou após a cirurgia (terapia adjuvante). Pode ser conduzida com agentes alquilantes, alcaloides da vinca ou outros agentes quimioterápicos usados para câncer. Outras drogas utilizadas são o imatinibe e o sunitinibe.

Quimioprevenção

Quimioprevenção é o uso de substâncias químicas naturais ou sintéticas para diminuir o risco de ocorrência de câncer. Alguns produtos químicos podem ser úteis na prevenção do câncer de estômago, tais como antioxidantes, antibióticos e anti-inflamatórios não esteroides.

Muitos fatores carcinogênicos induzem as células a formarem um radical livre. Os radicais livres podem danificar partes importantes das células, como os genes. Dependendo da gravidade do dano, as células podem morrer ou se tornarem cancerígenas. Os antioxidantes são um grupo de nutrientes e de produtos químicos que podem destruir os radicais livres. Esses nutrientes incluem a vitamina C, o betacaroteno, a vitamina E e o selênio mineral. Até agora, os estudos que analisaram o uso de suplementos alimentares para reduzir o risco de câncer de estômago tiveram resultados mistos. Existem algumas evidências de que as combinações de suplementos antioxidantes podem reduzir o risco de câncer de estômago em pessoas com má nutrição. Entretanto, mais pesquisas são necessárias.

Estão também em andamento estudos para avaliar se o tratamento antibiótico de pessoas cronicamente infectadas pelo H. pylori ajudará a prevenir o câncer de estômago. Em algumas dessas pesquisas foi descoberto que o tratamento desse tipo de infecção pode prevenir o aparecimento de lesões pré-cancerígenas no estômago, mas ainda são necessários mais estudos o tema. Embora, na verdade, não constituam uma quimioprevenção, os antibióticos podem prevenir o câncer de estômago e em alguns casos a recidiva. Pesquisadores demonstraram que o uso de antibióticos pode reduzir o risco de recidiva em outra parte do estômago, em pacientes que foram tratados com ressecção endoscópica da mucosa para estágios iniciais de câncer de estômago. Infelizmente, os tumores de estômago são frequentemente diagnosticados em estágios avançados e, por isso, não está clara a utilidade desse tratamento.

Alguns estudos mostraram ainda que pacientes que usam medicamentos anti-inflamatórios não esteroides, como ácido acetilsalicílico ou ibuprofeno, podem ter um menor risco de desenvolver câncer de estômago. Entretanto, mais pesquisas são necessárias para definir melhor essa ligação. Enquanto isso, os médicos não recomendam o uso desses medicamentos apenas com a intenção de diminuir o risco de câncer, pois eles podem provocar importantes efeitos colaterais em algumas pessoas.

Tratamento integrativos

Observando a importância dos medicamentos fitoterápicos e o crescimento de seu uso para diversas doenças, também cresce a preocupação das autoridades com a regulamentação e a normalização desses medicamentos.

Estima-se que aproximadamente 60% dos pacientes com câncer utilizam métodos alternativos de tratamento de sua doença, como cita Carlos Augusto P. da Silva. Fatores como a falta de uniformidade no tratamento do câncer, a necessidade de reduzir a ansiedade dos pacientes e de eles retomarem o controle de sua saúde são apontados como possíveis razões para que os pacientes oncológicos busquem a medicina não convencional. Segundo Larissa Rodrigues Dell’Antonio e colaboradores, estudos mostram cada vez mais o aumento no uso da fitoterapia como uma forma alternativa de tratamento do câncer em todo o mundo.

A utilização de produtos naturais como agentes anticancerosos começou com a medicina popular e, através dos anos, foi se incorporando à medicina tradicional e alopática. Muitas drogas que são atualmente usadas em quimioterapia foram isoladas de determinadas espécies de plantas ou derivadas de um protótipo natural, como lembram Lorena Gomes de Moraes e colaboradores. São medicamentos à base de plantas medicinais para o tratamento de câncer.

Com base na identificação de seu material vegetal, é possível destacar vários exemplos de agentes anticancerígenos de sucesso na prática clínica da medicina atual. Dentre as plantas medicinas com atividade anticancerígena, podem ser citados o ginseng (Panax ginseng), que possui uma raiz que vem sendo usada há milhares de anos em países da Ásia, o ipê-roxo (Tabebuia avellanedae), cuja casca apresenta atividades anti-inflamatórias, anticancerígenas, cicatrizantes e antibacterianas e o alho (Allium sativum L.), muito aplicado no tratamento de diversas doenças, incluindo o câncer, como citam Silva e Dell’Antonio e colaboradores.

Algumas plantas medicinais são também utilizadas para o controle de efeitos colaterais de diversos tratamentos, como lembram Oliveira e colaboradores. É o caso do alecrim (Rosmarinus officinalis L.), usado para alívio do mal-estar após as sessões de quimioterapia, o barbatimão (Stryphnodendron barbatiman Mart.), aplicado para a cicatrização de feridas (câncer de pele) e a camomila (Matricaria chamomilla L.), utilizada para aliviar as queimaduras provenientes da radioterapia.

O irinotecan exibe significativa atividade contra os carcinomas gástrico, pulmonar, pancreático e cervical e, ainda, contra tumores do sistema nervoso central de grau elevado, linfomas e leucemia. Outras plantas que podem atuar no tratamento de efeitos colaterais oriundos da neoplasia estomacal são a valeriana, a calêndula, a canela, a melissa e o banchá.

A homeopatia é também uma prática integrativa a ser levada em consideração em casos de câncer. É certo que, atualmente, não existe nenhum medicamento homeopático indicado para a cura do câncer de estômago, entretanto a homeopatia pode ser usada para melhorar o estado de saúde geral do paciente e combater alguns efeitos colaterais dos tratamentos convencionais, com a utilização de calêndula, traumeel S, iodum, phosphorus e lapis albus.

Como acredita-se que o câncer de estômago está diretamente relacionado à alimentação, algumas dicas podem ser importantes para a prevenção da doença, tais como ter uma dieta rica em frutas, verduras e legumes, principalmente os ricos em vitaminas A e C, aumentar o consumo de fibras solúveis e insolúveis, reduzir a quantidade de alimentos defumados nas refeições, evitar a ingestão de alimentos curados, como queijos e embutidos, reduzir a quantidade de sal usado na comida, evitar o consumo excessivo de alimentos enlatados, aumentar a ingestão de água e incrementar o consumo de peixes e carnes brancas.

Também é importante praticar atividade física regularmente, o que ajuda na eliminação de toxinas do organismo, não ser tabagista e combater a H. pylori e a gastrite.

De acordo com um estudo britânico, publicado em 2014, a ingestão diária de 75 mg a 100 mg de aspirina (ácido acetilsalicílico) reduz o risco de câncer de estômago em 30% após 10 anos do início do tratamento, o que diminui a chance de óbito em 35% a 50%. No entanto, o efeito protetor da aspirina somente se manifesta depois de um período de tratamento de pelo menos cinco anos, se possível 10 anos. A ingestão diária de aspirina deve começar entre 50 e 65 anos de idade.

Efeitos colaterais e interações medicamentosas

A importância dos fitoterápicos é indiscutível em um país como o Brasil, onde a pobreza da população, os conhecimentos herdados da cultura indígena e a existência de uma rica flora fazem com que o uso de plantas medicinais seja intenso, inclusive no que se refere ao tratamento de câncer. E os efeitos colaterais oriundos da utilização dessas substâncias são frequentes, haja vista que a grande maioria dos medicamentos utilizados para essa finalidade apresenta baixo índice terapêutico.

Portanto, o consumo de algum extrato vegetal, mesmo que em pequenas doses, com finalidades imunoestimulante (Echinacea purpurea), antiulcerogênica (Maytenus ilicifolia) ou mesmo como adaptogênico (Panax ginseng), pode levar a importantes interações medicamentosas e que muitas vezes passam despercebidas pelo oncologista.

Existem dados sobre interações medicamentosas entre quimioterápicos e o consumo de produtos vegetais em humanos. O estudo mais evidente, publicado em 2002, por Ron H. J. Mathijssen e colaboradores, demonstrou que o consumo da erva de São João (Hypericum perforatum) deve ser evitado por pacientes que estejam sendo submetidos a quimioterapia com Irinotecan®, uma pró-droga que precisa ser biotransformada para se tornar ativa para matar as células neoplásicas. O consumo simultâneo levou a uma menor mielossupressão induzida pelo Irinotecan, além de diminuir os níveis plasmáticos de SN-38 (o componente ativo) em 42%. Esses efeitos foram caracterizados pela ação da hiperforina, princípio ativo da erva de São João, de induzir a expressão da CYP3A4 via ativação do receptor PXR.

Outro trabalho sobre o mesmo assunto, publicado em 2004, por R. F. Frye e colaboradores, mostrou que o consumo da erva de São João diminuiu também a ação do Gleevec® (mesilato de imatinibe) em pacientes com câncer.

É extremamente importante que cada paciente seja avaliado criteriosamente, para que se observe a necessidade de se usar algum tipo de fitoterápico e como esse uso poderá interferir no tratamento de câncer de estômago.


Mari Uyeda – Coordenadora de Pesquisa no Centro de Oncologia Campinas e coordenadora de pós-graduação na Unyleya.

 

Fontes

Tegtmeyer, N., Wessier, S., Necchi, V., Harrer, A., Rau, T. T., Asche, C. I. et al. Helicobacter pylori Employs a Unique Basolateral Type IV Secretion Mechanism for CagA Delivery Cell Host & Microbe. DOI: 10.1016/j.chom.2017.09.005, Mayo Clinic.

Mathijssen, R. H. J., Verweij, J., de Bruijn, P., Loos, W. J., Sparreboom, A. Effects of St. John’s wort on irinotecan metabolism. J Natl Cancer Inst 2002; 94:1247-9.

Mannel, M. Drug interactions with St John’s wort: mechanisms and clinical implications. Drug Saf 2004; 27:773-97.

Frye, R. F., Fitzgerald, S. M., Lagattuta, T. F., Hruska, M. W., Egorin, M. J. Effect of St John’s wort on imatinib mesylate pharmacokinetics. Clin Pharmacol Ther 2004; 76:323-9.

Silva, C. A. P. Avaliação da citotoxicidade do extrato de Spilanthes oleracea e seu potencial uso no tratamento do câncer. [monografia]. Paraíba: Curso de Ciências Biológicas. Faculdade de Educação e Artes. Universidade do Vale do Paraíba. 2012.

Dell’Antonio, L. R. et al. O uso de plantas medicinais por mulheres com diagnóstico de câncer de mama em um programa de reabilitação. Revista Brasileira de Pesquisa em Saúde. 2015; 17(4):85-97.

Moraes, L. G., Alonso, A. M., Oliveira-Filho, E. C. Plantas medicinais no tratamento do câncer: uma breve revisão de literatura. Universitas: Ciências da Saúde. 2011; 9(1):77-99.

Oliveira, L. A. R., Machado, R. D., Rodrigues, A. J. L. Levantamento sobre o uso de plantas medicinais com a terapêutica anticâncer por pacientes da Unidade Oncológica de Anápolis. Revista Brasileira de Plantas Medicinais. 2014; 16(1):32-40.