Depressão e os benefícios da aplicação de estimulação transcraniana por corrente contínua

A depressão tem como característica central a ocorrência de episódios de tristeza, desânimo, perda de interesse em atividades que antes eram prazerosas para o indivíduo, alterações no apetite e da libido, diminuição da energia e cansaço, sendo um transtorno mental em que os sentimentos negativos persistem por pelo menos duas semanas e que, conforme sua maior duração, vai causando prejuízos funcionais.

Alguns dos sistemas orgânicos e mecanismos alterados presentes nos casos da depressão maior são a neurotransmissão, neuroinflamação, estresse oxidativo, ritmos circadianos, sistema de resposta ao estresse, endocanabinoide e endovaniloide.

A partir disso, podem ocorrer déficits cognitivos (prejuízos no raciocínio e memória), alterações no processo emocional (pensamentos de viés negativo), comportamentos desadaptativos, pensamentos ruminativos, alterações psicomotoras, dificuldades de concentração, ideias de desvalia, sintomas psicóticos e, por fim, — indicando maior gravidade do caso — ideação suicida.

Isso ocorre principalmente porque os sistemas orgânicos e mecanismos mencionados acima guardam profunda relação com o sistema nervoso central (SNC), sendo inclusive responsáveis por uma série de processos fisiológicos regulatórios e pela disponibilidade de importantes recursos ou artifícios que o corpo humano usa para regulação e manutenção da homeostase orgânica.

Portanto, o bom funcionamento do organismo depende dessas atividades naturais do corpo humano. Por isso, a depressão pode também associar-se, por exemplo, a condições crônicas ou doenças autoimunes, em que existe uma ampla gama de estágios relacionados, que vão se somando em direção ao agravamento da patologia.

A história de ligação entre doenças autoimunes e ocorrência de transtornos mentais é vasta, sendo que essas podem causar depressão e vice-versa, porque o SNC e o sistema imunológico são interconectados. Neurotransmissores e neuro-hormônios exercem importante papel como mediadores entre os dois, fazendo a conexão.

Nesse sentido, quando se fala em depressão maior não está se falando apenas de alterações do processo emocional, pois para chegar até esse transtorno o indivíduo pode estar passando ou ter passado por diversos problemas, como alteração nos sistemas orgânicos e mecanismos de regulação, tornando-se assim a depressão uma patologia que pode ter origem multifatorial — biológica, psicológica e social, como a ocorrência de doenças autoimunes, eventos que engatilham episódios depressivos como a perda de entes queridos, mudanças bruscas na rotina, traumas de infância e uso de substâncias psicoativas, entre outras.

Uma situação que se relaciona ao desencadeamento da depressão são as alterações na modulação dos neurotransmissores e a neuroplasticidade, que ocorrem sob diversos fatores, como por exemplo o estresse.

Portanto, na depressão a dinâmica dos circuitos neuronais é alterada, sendo que estudos de neuroimagem geralmente mostram atividade reduzida no córtex pré-frontal.

Adicionalmente, a psicologia expõe que quanto maior for o comprometimento pela depressão maior será a deterioração das emoções e sistemas orgânicos, causando mais sentimentos de desemparo, medo, tristeza, impotência e inutilidade.

Como consequência disso, o indivíduo acometido fica mais suscetível a outras patologias, aumentando por exemplo o número de consultas médicas, internações e outros gastos.

A depressão pode, assim, ser descrita como bidirecional, ou seja, os níveis de depressão vão ditar graus de comprometimento físico e psicológico futuros e as limitações físicas causadas predizem aumento nos níveis da própria patologia, sendo que essa dependência tem, portanto, caráter de ciclo vicioso.

Depressão refratária

Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil é o país com maior prevalência de depressão na América Latina e está em segundo lugar nas Américas, sendo essa patologia a principal causa de incapacidade em todo o mundo.

A gravidade, frequência e duração da depressão variam conforme cada indivíduo e suas condições psíquicas, acontecendo independentemente da idade.

Um estudo epidemiológico recentemente realizado pelo Ministério da Saúde mostra que, nos próximos anos, até 15,5% dos brasileiros poderá apresentar esse transtorno ao menos uma vez ao longo da vida.

Para além da psicoterapia, o uso de fármacos na busca de reequilibrar os mecanismos neurológicos de homeostase é um tratamento usual nesses casos. Porém, há limitações associadas ao consumo de antidepressivos, pois podem ocorrer variadas reações adversas, como disfunção sexual, efeitos gastrointestinais, e outros.

Além disso, a frequência de indivíduos refratários à medicação, ou seja, que não apresentam boa resposta terapêutica a partir do tratamento medicamentoso, é significativa — cerca de um terço dos acometidos.

Portanto, dentre essas pessoas, aquelas em situação crônica de depressão que foram submetidas à terapêutica com pelo menos dois antidepressivos, por tempo e doses julgadas efetivas e não obtiveram o resultado desejado são consideradas refratárias à medicação, necessitando de outra modalidade terapêutica que além de ser menos tóxica proporcione desfechos mais favoráveis, trazendo real melhora.

Nesses casos, a modulação da função cerebral ou neuromodulação pode ser feita a partir da terapia somática denominada estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC).

Uso da estimulação transcraniana por corrente contínua em casos de depressão

A estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC) é um método não invasivo de estimulação do cérebro, que modifica o potencial de repouso da membrana das células neuronais por meio de corrente elétrica de baixa intensidade.

Trata-se, portanto, de uma técnica neuromodulatória que pode ser utilizada no tratamento de disfunções do sistema nervoso que provocam transtornos neuropsiquiátricos.

Aplicada em pontos do couro cabeludo, essa técnica induz mudanças prolongadas na excitabilidade cerebral, as quais permanecem mesmo após o término do estímulo dado. A depender da intensidade e duração da corrente elétrica utilizada na realização da técnica, esses efeitos podem perdurar por mais de uma hora e clinicamente até por várias semanas, de acordo com os parâmetros de estimulação, provocando benefícios importantes.

Técnicas de neuromodulação não invasivas são conhecidas desde 1930 e foram ganhando espaço no cenário da pesquisa, ciência e tecnologia.

A ETCC constitui-se de uma técnica de simples aplicação, é segura, tem baixo custo, é melhor aceita do que antidepressivos, não interage de forma adversa com drogas, não tem contraindicações ou efeitos colaterais significativos, é bastante associável a outras terapias e dispensa a realização de procedimentos neurocirúrgicos.

Suas aplicações podem, por exemplo, induzir mudanças no nível das sinapses, levando ao aprimoramento da neuroplasticidade, que é a capacidade de adaptação ou moldagem do sistema nervoso central a novas situações.

Com relação à dor crônica, a ETCC influencia regiões relacionadas à neuromatriz da dor, para alterar o estado disfuncional da atividade cerebral.

Já o uso da estimulação transcraniana por corrente contínua sobre o córtex pré-frontal dorsolateral diminui os escores de depressão.

Ocorre que a estrutura chamada sistema nervoso central é dinâmica, estando em constante mudança. A neuroplasticidade, como uma de suas propriedades intrínsecas, é consequência de cada ato motor, associação, sinal de recompensa e plano de ação, entre outros, sendo portanto um estado normal e contínuo do SNC, que com isso tem possibilidades imensuráveis de adaptação relacionadas a demandas ambientais, funções exigidas e até mesmo limitações funcionais que ocorrem devido a patologias.

Assim, a ETCC ajuda que a função dos circuitos neuronais seja otimizada e adaptada. Isso provoca mudanças na balança da atividade cerebral no nível de neurotransmissores e outras atividades importantes, trazendo reorganização dos circuitos neuronais e mapas sinápticos associados e criando conexões mais duradouras.

Tudo isso — neuroplasticidade e neuromodulação — tem relevante importância para a alteração do estado de excitabilidade cerebral, regulação dos estados comportamentais e adaptação a eventos traumáticos, o que auxilia em muitos problemas psiquiátricos, como a depressão.

Dessa forma, a estimulação transcraniana por corrente contínua facilita a capacidade do SNC de adaptar-se a novas situações vigentes no organismo. Os processos de plasticidade cerebral dependem de mudanças que ocorrem diretamente na força sináptica, sendo função da ETCC alterar essa força, efeito que é observado em casos de patologias neurológicas e psiquiátricas, trazendo melhorias nas áreas motoras e comportamentais.

Seus mecanismos de ação envolvem receptores N-metil-D-aspartato, principalmente com relação aos efeitos pós-estimulação, que são influenciados pela produção de neuromoduladores como a dopamina, serotonina, adrenalina, GABA e acetilcolina — substâncias importantes para melhorar casos de depressão e outros.

Portanto, a ETCC muda a excitabilidade no cérebro, tendo ação antidepressiva — redução ou remissão dos sintomas depressivos — e efeitos cumulativos observados ao longo das sessões.

Ela fortalece processos cognitivos que modulam estados emocionais negativos e melhora o controle cognitivo afetivo, o processamento emocional, a memória e a atenção, contribuindo para a funcionalidade dos indivíduos com depressão maior.

Em comparação com os fármacos utilizados para essa patologia, os efeitos adversos da ETCC são escassos. Além disso, sua portabilidade e possibilidade de uso domiciliar e seu custo-efetividade ou possível melhora mais rápida dos sintomas depressivos em comparação com o uso de antidepressivos são fatores que a tornam uma técnica importante, particularmente nos casos de depressão refratária.

Em vista de tudo o que foi exposto, entende-se que a ETCC constitui-se de uma técnica que possui vasto campo de aplicabilidade, podendo ser usada não só nos casos de depressão, mas também no tratamento de diferentes distúrbios em que seus benefícios podem trazer resultados significativos, como doença de Parkinson, sintomas de Alzheimer, dores crônicas, fibromialgia, compulsão por drogas ou alimentos, acidente vascular cerebral, aprendizagem motora implícita e desempenho motor e modulação do controle autonômico cardíaco.


Profa. Dra. Janine Soares Camilo – Master em Microsemiótica Irídea, bacharel em Cosmetologia e Estética pela Unitri – Universidade Integrada do Triângulo e pós-graduada em Acupuntura pelo IPGU – Instituto de Pós-Graduação de Uberlândia e em Homeopatia pela Faculdade Inspirar.

 

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