Disfunção neurovisual: muitos podem ter e não saber

Imagine que ao tentar ler suas mensagens no celular ou algum texto em papel ou no notebook as letras comecem a “dançar” ou fiquem embaralhadas ou borradas, a ponto de tornar a tarefa cansativa e difícil ou até mesmo impossível.

Cerca de 14% das pessoas de qualquer faixa etária enfrentam esse tipo de dificuldade diariamente, muitas vezes sem saber que a causa pode ser uma doença ainda pouco conhecida no Brasil: a Síndrome de Disfunção Neurovisual ou Síndrome de Irlen, como também é chamada.

Dores de cabeça frequentes, cansaço visual, desconforto em locais muito iluminados (fotofobia) e distorções na percepção de espaço e profundidade são outros sintomas geralmente decorrentes desse distúrbio.

Às vezes a pessoa é considerada distraída, desatenta e desastrada ou mesmo diagnosticada como portadora de dislexia, déficit de atenção, hiperatividade e autismo, quando na verdade o que ela tem é um mau funcionamento na maneira como o cérebro decodifica os sinais visuais enviados pelos olhos.

Por causa da dificuldade para ler e realizar outras atividades visuais, o portador da síndrome, sobretudo crianças em fase escolar e adolescentes, passam a apresentar problemas no processo de aprendizagem e de entendimento e retenção de informações, com consequências para sua autoestima e sociabilização que podem se refletir durante a vida toda, afetando seu desempenho e suas relações na escola, no trabalho, nas amizades e mesmo na família.

Como a pessoa enxerga dessa forma desde criança, por vezes ela não tem noção de que o mesmo não acontece com os demais.

O fato de que grande parte do público em geral ainda não tem conhecimento da doença, apesar de sua alta taxa de incidência, agrava a situação, pois a possível presença desse problema não é cogitada pelos pais ou educadores.

A disfunção neurovisual manifesta-se em níveis variados, desde leves até bastante severos. Portanto, mesmo alguém que consiga ler, mas sinta desconforto ou tenha que fazer esforço extra durante essa atividade, pode ser portador desse distúrbio e beneficiar-se com os tratamentos disponíveis, que não envolvem o uso de medicamentos e nem a realização de cirurgias.

Distúrbio não é diagnosticado em exames de rotina

Mesmo que já tenha passado por consultas com oftalmologistas, a criança ou adulto pode não saber que é portador dessa disfunção. Isso porque ela não é diagnosticada num exame oftalmológico de rotina.

Durante um exame oftalmológico normal, o médico mede o erro refracional (miopia, hipermetropia, astigmatismo ou presbiopia) e observa a presença de doenças restritas à região ocular. Mas essa disfunção acontece no circuito neurovisual. Não se trata de um problema ótico e sim de uma dificuldade do cérebro em processar informações visuais. A pessoa pode ter uma acuidade visual normal e mesmo assim apresentar a síndrome.

Síndrome de Irlen - Spect Scan do cérebro
Fig. 1 – Spect Brain Scan de paciente com disfunção neurovisual (Síndrome de Irlen). As imagens à esquerda mostram a ampla ativação cerebral do paciente ao tentar ler uma linha de texto. As imagens à direita mostram a redução na ativação do cérebro, durante a realização da mesma atividade (leitura de uma linha de texto), após a correção do problema.

Por isso, o diagnóstico exige que o oftalmologista tenha uma formação especializada, para aplicar exames e testes específicos.

Atualmente, no Brasil, ainda são muito poucos os médicos oftalmologistas e clínicas oftalmológicas com capacitação para realizar o diagnóstico e aplicar o tratamento necessário, que precisa sempre ser personalizado de acordo com o grau de dificuldade apresentado pelo paciente.

Para que o tratamento da Síndrome de Disfunção Neurovisual (Síndrome de Irlen) seja efetivo, principalmente no caso de crianças e adolescentes, é aconselhável recorrer a uma equipe multidisciplinar, que além do oftalmologista envolva também profissionais das áreas de psicopedagogia, psicologia, fonoaudiologia, etc.

É necessário que esses profissionais também busquem informações a respeito desse tema e façam cursos e formação específica para poder atender adequadamente os pacientes portadores da síndrome.

Tratamento: overlays e óculos espectrais

A disfunção neurovisual caracteriza-se como um desequilíbrio na capacidade de adaptação à luz. Sendo assim, seu tratamento baseia-se no uso de overlays (sobreposições) e/ou filtros espectrais, que efetuam um bloqueio seletivo da faixa de luz que atinge os olhos.

Como a síndrome apresenta-se em graus diversos de comprometimento em diferentes pacientes, é preciso dimensionar esses filtros de maneira personalizada. Em certas situações, pode-se prescrever apenas o uso de overlays, que são folhas transparentes com coloração específica que a pessoa sobrepõe ao papel ou à tela do computador, tablet e celular, para facilitar a leitura – Figura 2. Já, nos casos mais graves, é necessária a prescrição de óculos com filtros espectrais – Figura 3.

Síndrome de Irlen - overlays para leitura
Fig. 1 – Overlays: sobreposições transparentes
Síndrome de Irlen - filtros espectrais para óculos
Fig. 2 – Filtros espectrais

O tratamento corrige o problema. Entretanto, a neuromodulação, ou seja, o processo de adaptação e resposta do cérebro ao uso de overlays e/ou filtros espectrais, não ocorre imediatamente, podendo levar várias semanas.

Por isso, os pacientes, em especial crianças ou adolescentes, continuarão a necessitar do apoio do pedagogo e psicoterapeuta para melhorar seu desempenho na leitura e aprendizagem.

Tratamento integrativo de Síndrome de Irlen: relato de caso

Paciente com 35 anos de idade, casada, apresentando queixa de intenso incômodo visual e fotofobia, que, segundo relatou, teriam surgido repentinamente há dois anos.

Em função do problema, precisou afastar-se de suas atividades profissionais, assim como restringir atividades de lazer, como idas ao cinema, por exemplo, por não suportar a luminosidade vinda da tela.

Submeteu-se a consultas com diversos oftalmologistas, recebendo sempre o diagnóstico de olho seco, com prescrição de uso de lágrimas artificiais, ciclosporina e soro autólogo.

Relatou que essa medicação trazia apenas alívio imediato (durante alguns minutos), com o subsequente retorno dos sintomas incapacitantes.

Antes de ser submetida ao teste para detecção de disfunção neurovisual (Síndrome de Irlen), a paciente passou por tratamento integrativo, sendo inicialmente avaliada por meio de BDORT (Bi-Digital O-Ring Test), que mostrou a presença de uma área eletricamente alterada na região dos olhos e da cabeça, com os seguintes parâmetros: elevada concentração de metais pesados, asbesto/crisotila (amianto), melamina (produto tóxico derivado do plástico), agrotóxico e marcadores inflamatórios (tromboxinas, integrinas e inflamação subclínica).

Foi aplicado à paciente tratamento com ozonioterapia, por via retal, na dose ótima.

Após a sexta aplicação de ozônio medicinal, apresentou melhora significativa na fotofobia, com retorno às atividades laborais e de lazer, mas queixando-se ainda de desconforto quando do uso de computador por longos períodos.

A paciente foi, então, submetida a um novo e cuidadoso exame oftalmológico e, só depois, ao teste para detecção de disfunção neurovisual, que confirmou a presença dessa condição e a necessidade de prescrição de óculos com filtros espectrais.

Esse caso ilustra como em toda e qualquer patologia ou distúrbio, incluindo a disfunção neurovisual, é sempre imprescindível uma abordagem integrativa, de forma a permitir o pleno restabelecimento da saúde, bem-estar e qualidade de vida do paciente.


Dra. Wendy Falzoni – Médica oftalmologista, com especialização em Disfunção Neurovisual (Síndrome de Irlen), na Vide Oftalmologia, Vice-presidente do CMBO – Colégio Médico Brasileiro de Ozonioterapiamembro da AMBBDORT – Associação Médica Brasileira de BDORT e médica com especialização em medicina integrativa pela Uniube.