Por 18 anos, trabalhei com pessoas com deficiência, dentro do programa de reabilitação do IMRea (Instituto de Medicina Física e Reabilitação), do Hospital das Clínicas da USP, dando aulas de teatro e expressão corporal.
Nesse período, eu utilizava o chi kung e o tai chi chuan como atividades de preparação corporal para as práticas a serem realizadas.
Eram nove turmas por semana, com duas horas de duração cada uma e com até 30 participantes por aula, com as mais diversas deficiências: AVE, lesão medular, amputação, uso de cadeiras de rodas ou meios auxiliares de locomoção, deficiência visual, auditiva ou cognitiva, síndrome de Down, esquizofrenia e espectro autista, dentre outras.
Cada participante recebia o acompanhamento de dois professores, eu e o Prof. Jorge Oliva, sendo que, em alguns casos, havia a necessidade da presença do cuidador para auxiliar na realização da atividade. As aulas eram supervisionadas pela Dra. Gracinda Tsukimoto, chefe da Terapia Ocupacional do instituto.
Benefícios físicos e psicológicos
Respostas como redução da ataxia em pacientes pós-AVE, bem como uma melhora em afasia de fala leve foram as primeiras mudanças observadas nesse grupo de praticantes de chi kung e tai chi chuan. Foi possível identificar também uma maior mobilidade do tronco, amplitude de movimentos de membros superiores e melhora da concentração, atenção focal, entendimento e memória. Após cada aula, os alunos relatavam sentir mais calma e tranquilidade, além de referirem melhoria na qualidade do sono.
Aqueles que mantiveram a prática por meses, de forma regular, obtiveram resultados positivos em relação às funções renal, intestinal e respiratória, além de melhora da marcha (andar) e redução de quedas, principalmente no caso de pessoas usuárias de meios auxiliares de locomoção (bengalas, muletas ou andadores).
Com relação ao uso de medicação, os mesmos pacientes relataram ter reduzido a utilização de medicamentos ansiolíticos, antidepressivos e para hipertensão arterial.
Quanto aos aspectos psicológicos, tanto pacientes praticantes quanto seus cuidadores comentaram ter havido um espaçamento na ocorrência de surtos, crises convulsivas e atitudes agressivas, além de menor agressividade também na comunicação.
Benefícios também para os cuidadores
Muitas vezes, os cuidadores também demandam atenção. Apresentam com frequência dores ou lesões de coluna, ombros, quadris e joelhos, que normalmente estão relacionadas ao excesso de força e mau posicionamento para transferência, transporte e banho, entre outras tarefas realizadas para o cuidado da pessoa com deficiência, sem a orientação adequada.
Os cuidadores que participaram das atividades de chi kung e tai chi chuan também relataram uma redução muito significativa nas dores e maior facilidade e força para a execução das tarefas, referindo ainda melhora da qualidade de vida e da qualidade do sono, assim como maior paciência e mais calma para lidar com conflitos.
Avaliação e autorização médica
Os relatos citados demonstram a demanda pela produção de trabalhos científicos para investigar os efeitos da prática de chi kung e tai chi chuan, além de estabelecer a didática a ser utilizada para pessoas com deficiência, bem como para seus cuidadores, sujeitos a síndromes de esgotamento nervoso/emocional e sobrecarga de trabalho.
Para o início da prática, o mais importante é saber o que não se pode/deve fazer com um paciente/aluno diante de suas patologias e limitações, uma vez que forem avaliadas por uma equipe multidisciplinar e de forma individual. Caso isso não possa ser feito, torna-se imprescindível, antes de começar as atividades, obter uma autorização médica, juntamente com um relatório descritivo das limitações do paciente e possíveis objetivos de tratamento.
Em muitos casos, a pessoa com deficiência precisará de um acompanhante que a auxilie durante as atividades, em tarefas como o posicionamento em uma cadeira de rodas ou execução de algum exercício.
Os pacientes com doença ou deficiência mental, além da demanda de autorização do médico para poderem acompanhar as aulas, devem seguir as orientações médicas, tomando a medicação de forma adequada. Caso apresentem algum sinal de instabilidade, o fato deve ser relatado imediatamente ao cuidador/acompanhante, com suspensão imediata das aulas até que estejam estáveis para retomar as atividades, com a apresentação de um novo laudo médico.
Expectativas vs. tempo de aprendizagem
Outro grande problema identificado são as expectativas apresentadas pelos pais, cuidadores e professores em relação ao tempo de aprendizado dos movimentos de chi kung e tai chi chuan por parte dos pacientes/alunos.
É importante ressaltar que cada aluno tem seu tempo de aprendizagem, demandando um processo individualizado, com respeito às suas dificuldades intrínsecas e limites a serem vencidos.
Dessa forma, identificar precocemente as expectativas de todas as pessoas envolvidas pode auxiliar no processo de aprendizagem de cada aluno, além de fornecer um espaço seguro e apto para uma adequação a essa nova linguagem.
Atenção individualizada
A capacidade do professor em adaptar as atividades da prática de chi kung e tai chi chuan para cada aluno de forma particularizada torna-se também um grande desafio. Não se pode ensinar um deficiente visual e uma pessoa usuária de cadeira de rodas da mesma forma.
Muitas vezes, precisa-se de um número reduzido de participantes para poder dispensar a atenção necessária a cada aluno.
Ter a supervisão de um profissional da área de saúde (médico, fisioterapeuta ou terapeuta ocupacional, entre outros) pode ser um facilitador para a atividade, além de respaldar o trabalho do ponto de vista legal/jurídico e no aspecto médico.
A prática das atividades de chi kung e tai chi chuan para pessoas com deficiência é extremamente gratificante, pois se observam resultados rápidos e objetivos, aumentando a compreensão, significado e manejo, frente às necessidades do dia a dia.
Sérgio H. S. Lins Costa – Bacharel em Biologia pela UNESP, pós-graduado em Medicina Tradicional Chinesa pelo Centro Brasileiro de Fisioterapia e em Práticas Corporais da Medicina Tradicional Chinesa – Tai Chi Chuan pela USP/SBTCC. Instrutor de Tai Chi Chuan, com Habilitação Profissional na Forma Longa 103, pela SBTCC e formação em Tai Chi Chuan – Health Qigong estilo Yang Sheng Zhang, pela Associação Chinesa de Health Qigong, em Pequim – China. Professor do Curso de Especialização de Medicina Tradicional Chinesa – CEATA e coordenador do Curso de Pós-graduação de Medicina Tradicional Chinesa do Centro Brasileiro de Fisioterapia por três anos.