Mindfulness e a nova era da plena atenção: saúde da mente e das emoções

“A mente é o princípio de tudo, a mente é o mais importante, tudo tem origem na mente”. É com essa citação de uma antiga escritura oriental chamada Angurattaka Nikaya que começamos este artigo. Ainda no Oriente, no florescer da humanidade há milhares de anos, o grande sábio Hermes Trismegistus já dizia: “O universo é mental”. Assim, mencionando essas citações, podemos entender o quanto a história do mundo dá importância para a nossa mente.

Como os raios de sol, que se manifestam tocando a nossa pele, assim são os sentimentos e emoções, que emanados da nossa mente manifestam-se através de pensamentos, ideias, memórias, processos cognitivos funcionais e expressões comportamentais, interagindo com o mundo exterior.

Mas que mundo exterior é esse agora? Tudo mudou… Temos uma situação única que nenhum ser ainda havia vivido antes e para enfrentá-la teremos que nos desafiar a usar a nossa mente e seus substratos da melhor forma possível. Aqueles que puderam desenvolver suas competentes habilidades de resiliência e equilíbrio tendem a passar por essa situação de uma forma menos danosa ou até mesmo mais fortalecida. Aqueles que negligenciaram o inevitável contato com sua natureza interior passam agora a ter de fazê-lo compulsoriamente, sob pena de dificuldade ou até mesmo falência emocional.

Nessa nova situação de vida, enfrentamos a pandemia de nossos medos, a virulência de nossos pensamentos destrutivos e, assim como Darwin dizia, a adaptação do mais forte é que levará à sobrevivência, uma lei natural que vemos mais do nunca aplicada agora.

Nesse momento, é importante abandonar o que não é essencial e nos voltarmos à nossa única e possível salvação emocional: a observação ininterrupta da nossa mente, comportamentos e emoções, para que possamos nos entender melhor e nos defender mais eficazmente de nós mesmos e do mundo que se apresenta profundamente desafiador à nossa volta.

Nesse sentido, uma das mais estudadas técnicas de introspecção dos últimos tempos, a meditação da plena atenção – mindfulness – é uma das eficazes ferramentas à nossa disposição hoje, para que essa adaptabilidade possa se fazer possível.

Mindfulness e a autopercepção da consciência

A ciência tem demostrado que é possível treinar a mente para mudar o cérebro e a meditação é pura e simplesmente um treinamento de reconhecimento de si mesmo. Assim como o cirurgião disseca seu paciente, o praticante de meditação também prospecta seu terreno mental com os mesmos detalhes e apurações, gerando, à medida que progride na observação, uma capacidade cada vez maior de entender a si mesmo e, consequentemente, de ver o mundo sob uma ótica e uma lente que corrige essa miopia fundamental que nasce em todo ser: a ignorância de si mesmo.

Quando se fala em meditação, é preciso esclarecer que, em contraposição ao que se tem difundido no Ocidente nos últimos anos, ela não é a suspensão dos pensamentos, mas sim uma completa percepção da sua natureza, uma observação atenta e ininterrupta de como a nossa mente funciona. Sendo assim, ela é, em essência, a grande realização da autopercepção da nossa consciência e uma das possibilidades para que possamos mais do que nunca acalmar nossas emoções.

Mindfulness, além de ser uma técnica formal de meditação, realizada com método e apuração, passa também por um outro conceito voltado à cognição atencional, que leva o indivíduo a tornar-se mais consciente e presente na experimentação imediata do que a mente está fazendo, enquanto ele realiza alguma atividade. Então, nesse sentido, a validade do treinamento se dá na rapidez e clareza em identificar os sentimentos e emoções mais desafiadores deste momento: a ansiedade, a incerteza, a angústia do cerceamento de ir e vir, a impaciência da convivência perpétua durante o isolamento, a falta de espaço para si mesmo, o medo da morte ou da perda de um ente querido e a possibilidade de desestruturação do capital, fundamental à existência material do mundo.

A mente que vive em superficialidades, nas fake news, nas fofocas alheias, nas redes sociais sem limites, pode ver somente coisas com uma importância relativa, nunca absoluta. Ao aprofundarmos a percepção da consciência, chegamos à interioridade das coisas, aos níveis sutis da vida. Existe uma profundidade inerente a essa observação: seu significado dever ser revisto a todo momento. Agora mais do que nunca paramos para avaliar o que isso significa para nós.

Estamos no modo de sobrevivência do nosso organismo, com o sistema límbico ativado mais do que nunca, a amígdala cerebral sendo constantemente exigida, o sistema simpático a todo vapor e o córtex pré-frontal sendo chamado em tomadas de decisões nunca antes feitas, tentando a todo custo estabelecer um equilíbrio entre razão e emoção. Sem esquecer que, ao mesmo tempo e por causa disso, nosso comportamento emocional é constantemente desafiado. Resta-nos, assim, uma única pergunta: e agora?

Mindfulness: reduzindo a depressão e melhorando a qualidade do sono

Diversas pesquisas ao longo dos últimos anos sugerem que a prática constante de meditação mindfulness pode ajudar na diminuição nos índices de burnout, depressão, ansiedade e estresse, como mostram os autores L. Fortney, C. Luchterhand, L. Zakletskaia, A. Zgierska e D. Rakel, no estudo Abbreviated mindfulness intervention for job satisfaction, quality of life, and compassion in primary care clinicians, de 2013.

Aliás, num país como o nosso, que se tornou um grande líder na prescrição de ansiolíticos e benzodiazepínicos, um olhar cuidadoso se faz necessário para um possível aumento da prevalência de depressão e estados de humor depressivos. Sendo assim, praticar mindfulness com um instrutor especializado, por exemplo, em MBCT (mindfulness baseado em terapia cognitivo comportamental para recaída em depressão) pode levar a uma diminuição e prevenção de recaídas em pessoas com histórico de depressão, como foi demonstrado no estudo Mindfulness training increases momentary positive emotions and reward experience in adults vulnerable to depression, realizado em 2011, por N. Geschwind, F. Peeters, M. Drukker, J. van Os e M. Wichers.

Outra questão significativa notada durante a pandemia é a que diz respeito ao sono. Há um discurso muito ativo no sentido de que tudo que estamos vivendo tem tido um impacto significativo em nosso sono, o que é bastante justificável, pois ele é fundamentalmente um processo de desligamento ou sossego emocional, algo tão difícil de se manter atualmente.

A meditação mindfulness atua também como um processo psicofisiológico comportamental e pode ajudar muito no tratamento de insônia. Uma pesquisa feita no Brasil mostrou resultados importantes nesse campo, evidenciando que um treinamento de oito semanas nas técnicas de mindfulness pode diminuir a severidade da insônia e melhorar a qualidade do sono e também a qualidade geral de vida (The effects of mindfulness and relaxation training for insomnia (MRTI) on postmenopausal women, publicada em 2018, pelo autor deste artigo, juntamente com E. H. Kozasa, S. Tufik, L. E. Mello e H. Hachul). Saiba mais em Meditação mindfulness e sua aplicação na insônia.

Adaptação emocional e resiliência

De forma prática, as técnicas contemplativas atencionais de mindfulness recomedam uma parada, ou melhor várias pequenas paradas durante o dia, para que se façam momentos de observação, não somente da respiração, das sensações corporais, mas também da mente e seus subprodutos – pensamentos e emoções, para que se crie um espaço maior, para que se explore a vastidão que ela possui, pois, quando nosso mundo exterior se constringe, o mundo interior deve se abrir, isto é, gerar adaptação emocional, resiliência e melhor possibilidade de se lidar com tudo o que acontece, independentemente de se viver na situação em que o mundo se apresenta agora.

A capacidade de praticar uma técnica que possibilita um balanço emocional pode gerar uma alteração no padrão de resposta durante um episódio potencialmente estressor, o que sugere uma possível redução da reatividade, importante fator em tempos de pandemia e isolamento.

Quando iniciamos o caminho da meditação, começamos a buscar a felicidade internamente, dentro dos nossos corações e de nossas mentes. À medida que nos familiarizamos com a mente e o modo como ela funciona, aos poucos vai ficando claro que a principal causa da ansiedade, da insatisfação e do sofrimento é a falta de conexão com a nossa verdadeira natureza de consciência.

Neste momento, então, é essencial incentivarmos nossa auto-observação. Pode ser da respiração, pode ser das relações interpessoais ou mesmo das atividades cotidianas:  quando comemos, quando decidimos e quando vivenciamos o mundo.

Talvez o maior alento é que estamos todos juntos nessa situação e que a compreensão de que algo melhor deve estar por vir é a nossa maior esperança.


Dr. Marcelo Csermak – Mestre e doutor em Psicobiologia pela UNIFESP, pesquisador e praticante especialista em mindfulness.