Síndrome de fadiga crônica: ela existe, é grave e deve ser tratada de forma integrativa

A síndrome de fadiga crônica, ou encefalomielite miálgica, pode ser definida como um cansaço intenso e persistente sentido pelo paciente, sem que exista a presença de uma causa claramente estabelecida.

Diversas doenças orgânicas podem causar cansaço, como diabetes e outras relacionadas ao coração, glândulas e sistema neurológico. Na verdade, as queixas sobre fadiga aparecem em cerca de 70% a 80% das consultas de qualquer médico. Dificilmente um distúrbio orgânico não é seguido de cansaço. Às vezes, doenças até muito simples, como as provocadas por parasitas intestinais, podem estar roubando do organismo o ferro que é imprescindível para a oxigenação dos tecidos.

É por isso que o diagnóstico diferencial é tão importante na caracterização dos casos de síndrome de fadiga crônica. O primeiro e fundamental passo é descartar a existência de demais doenças que também provocam cansaço, por meio da realização minuciosa e exaustiva de exames clínicos e laboratoriais.

Mas é exatamente nesse ponto que surge uma outra grave questão. A síndrome de fadiga crônica ainda é encarada com ceticismo por grande parte dos médicos e demais profissionais da área de saúde. Uma vez que os exames mostrem que “não há nada que justifique os sintomas do paciente”, alguns profissionais tendem a duvidar da veracidade das queixas apresentadas e da seriedade do quadro ou mesmo a considerar que se trata de algum tipo de problema de saúde mental.

Em decorrência disso, dados da Academia Nacional de Medicina dos Estados Unidos indicam que 84% a 91% das pessoas que sofrem com essa síndrome ainda não foram devidamente diagnosticadas.

E é aqui que a abordagem integrativa pode se mostrar mais efetiva do que a abordagem convencional. Médicos que aplicam práticas integrativas e complementares em seus atendimentos costumam adotar uma visão mais integrada sobre o quadro geral dos pacientes, levando em consideração aspectos físicos, mentais e espirituais e ouvindo todas as queixas de forma atenta e com uma postura mais sistêmica.

Embora o número total de pessoas portadoras de síndrome de fadiga crônica seja desconhecido, em razão dos próprios tópicos apontados acima, o fato é que ela afeta milhões de indivíduos no mundo todo e pode ter consequências graves. Portadores da doença enfrentam dificuldades com a realização de tarefas rotineiras e pelo menos um quarto deles fica limitado à sua casa ou cama devido aos efeitos de sua condição.

Diagnóstico

Um comitê de especialistas convocados pela já citada Academia Nacional de Medicina, observando que a denominação de síndrome de fadiga crônica possa ter contribuído para a banalização do transtorno, chegou a propor que o distúrbio passasse a ser chamado de doença sistêmica de intolerância ao esforço (systemic exertion intolerance disease – SEID), como forma de refletir melhor as principais características da enfermidade, facilitar o diagnóstico de acordo com novos critérios propostos e aprimorar seu tratamento.

Uma das causas que dificulta o diagnóstico é a má divulgação sobre as características desse transtorno. De fato, menos da metade dos livros de medicina e menos de um terço dos currículos escolares médicos contêm alguma informação sobre a doença. Segundo a comissão de especialistas, essa falta de conhecimento resulta em diagnósticos tardios e “gestão inadequada dos sintomas dos pacientes.”

De acordo com a comissão, o diagnóstico da síndrome de fadiga crônica pode ser feito com base na presença dos seguintes sintomas: cansaço persistente que prejudica as funções do dia a dia e que piora após esforço físico, mental ou emocional e sono não reparador (a pessoa continua fatigada mesmo após dormir). Além desses, os pacientes também devem apresentar ao menos um dos seguintes sintomas: comprometimento cognitivo (como memória ou capacidade de tomada de decisões) ou intolerância ortostática (início dos sintomas depois de levantar-se rapidamente da cama ou de uma cadeira ou depois de pegar alguma coisa no chão).

É imprescindível que o distúrbio seja adequadamente diagnosticado, pois esse é o primeiro passo para a realização de um tratamento eficaz.

Esgotamento físico e mental

A fadiga prolongada caracteriza-se como um esgotamento tanto físico quanto mental. Do ponto de vista físico, somos continuamente inundados por poluição de todos os tipos: magnética, química, bacteriológica. Devido a esse excesso, os mecanismos de defesa do organismo, que existem para promover a eliminação desses agressores, ficam sobrecarregados.

Essa sobrecarga no sistema de eliminação provoca uma queda geral da energia do corpo, que passa a se dedicar muito mais à defesa contra os agressores e pouco às funções metabólicas normais.

O excesso também ocorre no aspecto mental, devido ao contínuo e exagerado fluxo de informações a que somos submetidos diariamente e que em grande parte referem-se a fatos negativos e/ou catastróficos. Por questões de sobrevivência, o cérebro humano foi formatado para focalizar e prestar muita atenção em aspectos nocivos e potencialmente perigosos. Portanto, esse tipo de informação desperta naturalmente nosso interesse e nos leva à reação automática de defesa de lutar ou correr. Os seres humanos já não precisam mais enfrentar tantos problemas de vida ou morte como nossos ancestrais que viviam nas cavernas ou savanas. Mas o corpo ainda reage da mesma maneira como se estivéssemos cercados de feras perigosíssimas, que colocassem em risco a nossa vida física.

Esse estado persistente de atenção e de alerta gerado pela sobrecarga de notícias e pensamentos tóxicos e interpretados como ameaçadores também gera muito cansaço.

Cabe ainda acrescentar que a fadiga prolongada também está relacionada ao estilo de vida de cada indivíduo e à maneira como ele reage diante desses estímulos e dos acontecimentos que já ocorreram e que estão ocorrendo em sua vida, ou seja, à forma como cada pessoa sente, pensa e age.

O excesso de problemas, estímulos e de estresse pode realmente levar os mecanismos de adaptação aos desafios da vida, que são fisiológicos e naturais, a um estado de quase exaustão, fazendo com que o organismo já não consiga mais se recuperar com tanta facilidade.

Estratégias para melhoria dos sintomas

Ao longo de três décadas de atuação em medicina e com base na experiência que adquiri em psiquiatria integrativa, pude observar que existem determinadas estratégias, muitas das quais são até contraintuitivas, que podem trazer grande auxílio aos pacientes no manejo dos sintomas de fadiga crônica.

Uma delas é que a pessoa passe a selecionar o tipo de informação que chega até ela, seja por meio dos veículos de comunicação, das redes sociais ou mesmo de amigos, colegas de trabalho e familiares, evitando assim que seu cérebro seja continuamente estimulado a focar em coisas negativas e a tentar solucionar problemas que na verdade, na maioria das vezes, estão fora do alcance do indivíduo e que poderão levá-lo à condição de exaustão mental.

Outro aspecto importante é buscar reformular as experiências estressantes ou traumáticas do passado pessoal, quer seja por conta própria ou com o auxílio de um profissional.

O padrão de funcionamento do organismo humano é procurar por problemas e tentar resolvê-los. E essa dinâmica acontece de forma espontânea. Vivemos grande parte de nossas vidas nesse modo automático. E precisamos desenvolver formas de interromper esse automatismo e de fazer nosso corpo trabalhar a nosso favor.

Nesse sentido, costumo recomendar aos pacientes uma estratégia bastante simples, mas muito eficaz. O senso comum diz que quanto mais ficarmos refletindo sobre um determinado problema, mais fácil será achar a solução. Mas não é bem assim que a mente funciona. É preciso dar tempo e oportunidade para que o inconsciente processe as coisas e encontre soluções e também para que o organismo restaure-se.

Por isso, o que recomendo aos pacientes é que sempre que perceberem que estão pensando repetidamente em um problema, interrompam esse processo. Falem para si mesmos: “eu não sou o problema. O problema é o problema e eu sou eu”. Marquem então, em uma agenda ou no celular um horário para “conversar” com o problema. E prossigam com as atividades do seu dia. Quando chegar o horário determinado, parem e pensem a respeito do que está incomodando.

Essa técnica ajuda a reduzir a dimensão do problema e a olhá-lo sob uma nova perspectiva. E assim será possível encontrar soluções melhores com mais facilidade, evitando a exaustão mental provocada pelo pensar ininterrupto. Não se trata de dizer para a pessoa ignorar seus problemas, mas sim para pensar sobre eles de uma maneira mais sábia.

E já que falamos em agenda, outra estratégia interessante é organizar melhor o dia a dia, anotando o que precisa ser feito e registrando quando cada tarefa já tiver sido realizada. É algo simples, mas que evita que a pessoa mantenha-se o tempo todo atenta tentando recordar-se de coisas importantes.

A recomendação-chave é sempre essa: não permitir que o organismo fique em constante estado de alerta.

Sono: um processo ativo

A qualidade do sono é outro aspecto absolutamente fundamental para combater os sintomas de fadiga. E aqui também a verdade científica vai contra o senso comum. Várias pessoas pensam que dormir é uma atitude passiva. Mas nós não ficamos um terço de nossas vidas desligados inutilmente. O sono é um processo muito ativo. Durante suas diversas fases, o corpo se restabelece, os pensamentos se reestruturam e as emoções se equilibram, para que no dia seguinte estejamos em condições de prosseguir com nossas vidas.

Muitas pessoas, especialmente mulheres, que se queixam de dores migratórias, ou seja, dores que a cada momento aparecem numa área diferente do corpo, como joelho, coxa ou costas, precisam se perguntar como está sua qualidade de sono. Se a pessoa não passa adequadamente pela chamada fase delta do sono, em que acontece o relaxamento muscular profundo, não haverá a possibilidade de eliminação, por exemplo, do ácido láctico que provoca dores musculares.

Respiração

A última estratégia para desativar de forma parcial os mecanismos corporais de alarme e atenção é ao mesmo extraordinariamente simples e altamente eficaz: respiração.

A técnica deve ser aplicada em intervalos de uma hora a uma hora e meia e consiste em respirar, durante apenas um minuto ou um minuto e meio, de maneira calma, lenta e pausada. Inspira-se pelo nariz, segura-se o ar brevemente e solta-se pelo nariz ou entre os lábios semifechados. Mas o ponto principal é este: o tempo de expiração deve ser sempre o dobro do tempo de inspiração. Nem é preciso contar de forma exata os segundos, basta guiar-se pela percepção.

Existem trabalhos realizados em grandes universidades pelo mundo que mostram que esse tipo de respiração equivale a um calmante químico.

Motivação intrínseca

O estilo de vida atual, altamente competitivo, é gerador de insegurança e de desgaste físico e mental excessivo que pode levar à fadiga crônica.

Os objetivos de vida de uma pessoa não podem estar pautados na comparação com o que os outros indivíduos ao seu redor possuem ou estão fazendo e sim naquilo que traz um sentido maior para sua existência. Ou seja, naquilo que tecnicamente é chamado de motivação intrínseca.

Se alguém diz “eu quero ganhar mais dinheiro porque desejo ter um carro mais bonito”, está se comparando com outras pessoas. E sempre haverá alguém que tenha um carro ainda mais bonito do que o dele. Esse é um exemplo de motivação extrínseca, determinada pelos outros e pela sociedade, mas não pela própria pessoa.

Agora, se um indivíduo pensa “eu quero ganhar dinheiro, porque desejo garantir uma vida melhor para os meus filhos ou tirar férias em um lugar muito aprazível”, está sendo guiado por uma motivação intrínseca, que é aquela que diz respeito aos seus maiores interesses, não depende de outras pessoas, não sofre comparação e gera muito menos desgaste mental e emocional e consequentemente físico.

A grande pergunta que todos nós temos que fazer diante dos nossos objetivos é essa: “estou querendo isso para me comparar, para ser melhor do que os outros ou porque quero alcançar metas importantes na minha vida?” Essa resposta é uma das chaves de acesso para uma vida em equilíbrio.


Dr. Cyro Masci – Médico psiquiatra em São Paulo/SP, atuando em clínica privada com abordagem integrativa.