O zumbido, definido como percepção consciente de um som originado nas orelhas ou no sistema nervoso auditivo do paciente (auditivo periférico/auditivo central), representa até os dias atuais um grande desafio no que concerne ao seu tratamento. O maior obstáculo para o tratamento é descobrir o que leva a essa emissão indiscriminada de impulsos, já que o zumbido em si não é uma doença, mas sim um sintoma.
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, cerca de 28 milhões de pessoas sofrem de zumbido, que é conhecido também como “tinnitus”. E, no mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), são 278 milhões de indivíduos com o problema.
Vários são os mecanismos que tentam explicar a origem do zumbido. A criação de um sinal anormal que, em cascata de eventos, produzirá a percepção do zumbido, pode depender de uma série de diferentes mecanismos e suas interações: emissão otoacústica espontânea, dano desproporcional entre as células ciliadas internas e externas, envolvimento do cálcio na disfunção coclear e hiperatividade das vias auditivas.
Sabe-se que o sistema nervoso central compensa a diminuição de determinado estímulo através do aumento na sensibilidade dos centros envolvidos nessa percepção. A função do sistema nervoso central é orientar a homeostasia por meio de excitação ou inibição, interagindo em todos os níveis. A total ausência de determinado estímulo deve resultar em atividade anormal dos centros nervosos envolvidos no processamento dessas informações, de acordo com Ricardo Ferreira Bento, Aroldo Miniti e Sílvio Antônio Monteiro Marone. Para melhor compreensão, esses autores dizem que um paralelo pode ser traçado entre o indivíduo que entra em local totalmente escuro, podendo ter sensações luminosas na retina pela privação do estímulo visual e o indivíduo que entra em ambiente acusticamente isolado e tem a sensação de estímulos auditivos.
Percepção auditiva “fantasma”
É impossível saber como é exatamente o ruído do zumbido. Pelos relatos supõe-se que os sons não sejam sempre os mesmos. Pacientes relatam como barulho os mais diversos: de cigarra, apito, escape de panela de pressão, chiado, cachoeira, esvoaçar de insetos, pulsação de coração.
Pode apresentar-se de forma contínua ou intermitente e mono (apenas uma melodia) ou politonal (superposição de melodias), cada qual com uma tonalidade diferente. Localiza-se em um ouvido ou em ambos e a intensidade é variável de indivíduo para indivíduo.
Em um quadro normal, os ouvidos captam a vibração dos sons gerados no ambiente e os enviam na forma de impulso elétrico para o cérebro. A síndrome instala-se quando as vias auditivas passam a enviar impulsos mesmo sem haver uma fonte gerando som. O zumbido é uma percepção auditiva “fantasma”, percebida exclusivamente pelo paciente.
Essa característica subjetiva limita as condições de investigação de sua fisiopatologia. Contudo, fatores limitantes presentes são: necessidade de investigação de várias possibilidades etiológicas, uma vez que o zumbido é sintoma e não doença; incapacidade de mensurá-lo objetivamente; dificuldade de obtenção de modelo experimental fidedigno; flutuações que podem ocorrer com estados emocionais diversos, como esclarecem os autores Tanit Ganz Sanchez, Adriane Iurck Zonato, Roseli S. M. Bittar e Ricardo Ferreira Bento, no artigo Controvérsias sobre a fisiologia do zumbido, publicado em International Archives of Otorhinolaryngology, em 1997.
Estudo de caso
Os objetivos do trabalho desenvolvido com o estudo de caso de paciente com zumbido, naquela ocasião (setembro de 2015), tratado por acupuntura, de acordo com os princípios da medicina chinesa, foram os seguintes: comprovar a eficácia do uso da acupuntura em um indivíduo com zumbido no ouvido, segundo a perspectiva da medicina chinesa; verificar a melhora da qualidade de vida nas pessoas que passaram pelo tratamento com acupuntura e ampliar o debate e a discussão sobre o uso da acupuntura no tratamento de zumbido.
O paciente que participou do estudo na época ficou extremamente satisfeito com o resultado, pois houve uma diminuição, segundo sua própria avaliação, de “cerca de 80%” no nível do zumbido. Como consequência, ele encerrou o tratamento na 12ª sessão.
Para mensurar a evolução do tratamento foi utilizado o “Questionário de Mensuração do Zumbido (Tinnitus Handicap Inventory – THI)”, criado em 1996, por Craig W. Newman, G. P. Jacobson e J. B. Spitzer, com a função de caracterizar e quantificar o zumbido. O objetivo do uso desse questionário foi possibilitar uma avaliação, o mais próxima possível, do desconforto enfrentado pelo paciente, que produz alterações significativas em sua qualidade de vida.
Antes da primeira sessão, o paciente respondeu ao questionário, que foi reaplicado em intervalos de três sessões.
Associação de técnicas de tratamento
Recentemente, isto é, a partir de julho de 2017 decidi associar, no tratamento dos clientes com distúrbio caracterizado como zumbido do ouvido, acupuntura e fitoterapia chinesa, esperando obter os mesmos bons resultados, porém abreviando o tempo de terapia.
A metodologia de desenvolvimento do trabalho obedeceu rigorosamente aos critérios da anamnese prescritos pela medicina chinesa: avaliação de sinais, sintomas, tomada de pulso, observação da língua e obediência aos oito princípios de diagnóstico.
Essa associação apresentava-se como bastante desafiadora, visto que a classificação das ervas na matéria médica chinesa segue as quatro naturezas, que são chamadas de Si Qi. Dentro desse conceito, Si Qi indica a temperatura das substâncias: quente (re), morna (wen), fresca (liang) e fria (han). E também se deve considerar aquelas que não são nem quentes nem frias e não possuem uma classificação dentro das quatro temperaturas, sendo classificadas de ping, o que significa neutra. Assim, do mais quente ao mais frio tem-se: muito quente, quente, morna, levemente morna, neutra, fresca, levemente fria e fria.
Na prática clínica, substâncias quentes ou mornas são utilizadas para aquecer o corpo e tratam sintomas de frio, enquanto que as substâncias frescas e frias são utilizadas para eliminar calor e combater síndrome de calor. Portanto, o princípio filosófico da medicina chinesa na relação YIN/YANG, que é provavelmente um dos fatores mais difíceis de compreensão e aceitação pela medicina ocidental, está contido no Si Qi.
Não há instrumentalização para se aferir esse princípio filosófico que atenda aos critérios exigidos pela “ciência ocidental” para comprovação da efetividade científica no tratamento do zumbido pela medicina chinesa, que considera a resposta do paciente como fator de avaliação da eficácia do tratamento.
Jeremy Ross, no livro Zang Fu: Sistema de Órgãos e Vísceras da Medicina Tradicional Chinesa (2009), comenta que “a estrutura e a função representam a dicotomia ocidental, em que a estrutura constitui a armação material e a função é tida como os resultados de um fluxo de energia através dessa armação. O pensamento chinês vê a estrutura e a função como algo contínuo, não fazendo distinção nítida entre elas, por isso, não são vistas como áreas separadas”. Ele prossegue, acentuando que “a medicina ocidental tende a ver todos os fatos em termos de estrutura, de morfologia, de anatomia e histologia, além da bioquímica molecular, enquanto a função é vista em termos de estrutura, como a patologia e as doenças, que também são relacionadas como alterações das estruturas. A medicina chinesa é completamente diferente, enfatiza sobremaneira a função, e é dada pouca ênfase na estrutura, principalmente nas estruturas internas. Por isso, em decorrência, os conceitos de Zang Fu, que constituem o sistema de órgãos da medicina chinesa, não se relacionam tanto às estruturas, mas sim às funções que esses órgãos exercem no corpo e na mente”. Então, para a medicina chinesa o zumbido ou tinido pode ter como origem diversos fatores, que incluem o aparelho auditivo, o bloqueio de algum canal de fluxo de energia e os problemas emocionais, abrangendo diversas teorias básicas, como Yin e Yang, Wu Xhing (5 movimentos), Zang Fu (órgãos e vísceras), Qi, Xue (energia e sangue) e Jing-Luo (canais e colaterais).
Outra propriedade primária das substâncias da medicina chinesa é o sabor (wei), em número de cinco: picante ou pungente (xin), doce (gan), azedo (suan), amargo (ku) e salgado (xian). Substâncias que não possuem nenhuma dessas propriedade são classificadas como brandas (dan).
Além disso, é necessário considerar a questão do tropismo – canais ou meridianos-alvos. Todas as substâncias penetram nos meridianos, entretanto algumas penetram em um e outras em mais de um. Na prática clínica, reconhecer o meridiano-alvo de uma substância produz bons resultados terapêuticos.
Integrar essas duas técnicas de tratamento, acupuntura e matéria medica chinesa (fitoterapia), foi desafiador, pois distúrbios de natureza quente devem ser resfriados e distúrbios de natureza fria, aquecidos.
Dentre os vários pacientes em tratamento, foram selecionados dois com diagnósticos opostos quanto às causas do zumbido do ouvido, a partir de 2017.
Paciente 1 – Sexo feminino, 51 anos, casada, com crises de ansiedade, enxaqueca e insônia. Pulso corda, afundado. Língua rosa, cianótica, saburra ausente e fissura na região do estômago. Ascensão yang do fígado com deficiência de yin do coração. Antes do agulhamento da primeira sessão, em 30/04/2017, o somatório dos pontos da paciente, conforme o THI, atingiu o valor de 54 pontos, baixando para 26 pontos após a quarta sessão, em 20/05/2017.
Paciente 2 – Sexo feminino, 39 anos, casada, obesa, com marido alcoólatra e crises de ansiedade. Pulso escorregadio, afundado, lento. Língua grossa, rosa, com saburra amarela e fissura na região do estômago e dentada. Deficiência de yang do rim e do baço. Antes do agulhamento da primeira sessão, em 27/06/2017, o somatório dos pontos da paciente, conforme o THI, atingiu o valor de 50 pontos, baixando para 18 pontos após a quarta sessão, em 30/07/17.
Considerações finais
Os resultados corresponderam à expectativa, mas foi recomendado às pacientes que se submetessem a mais quatro sessões e prosseguissem fazendo uso das ervas por mais dois meses, para consolidar o tratamento e que, por fim, retornassem após seis meses para avaliação.
Em ambos os casos, no retorno, as pacientes revelaram ter ocorrido uma leve percepção do zumbido quando submetidas a alguma situação estressante.
Neyval Costa Reis – Acupunturista e praticante de Medicina Chinesa.