Prática de yoga por mulheres portadoras de câncer de mama

O câncer ainda é uma doença que causa muitas mortes e as estratégias para diminuição da mortalidade por câncer de mama têm sido um tema atual de estudos médicos, tendo em vista a crescente prevalência dessa enfermidade no Brasil e no mundo.

O câncer, de modo geral, envolve grande estresse orgânico, além do estresse emocional que o acompanha. E o câncer de mama é um dos tipos que mais traz esse impacto duplo de estresse fisiológico e psíquico, provavelmente por estar entre as neoplasias com maiores taxas de mortalidade entre mulheres, com toda a incerteza prognóstica que cerca a doença, o consequente isolamento social autoinfligido, a noção de que o tratamento pode provocar uma série de eventos adversos ou, ainda, o temor de que seja necessária uma cirurgia ampla e mutilante, com implicações estéticas, na autoestima e na sexualidade.

Esses são alguns dos fatores que explicam todo o estresse experimentado pelas mulheres portadoras desse tipo de câncer, presente desde o diagnóstico até o término do tratamento, independentemente do estágio da doença.

Existem avanços na detecção precoce do câncer, mas pouco se tem feito em relação ao modo como as mulheres passam por todo o tratamento do câncer de mama e após seu término, em termos de qualidade de vida.

Muitas pacientes acreditam que o estresse, incluindo o experimentado pelo próprio diagnóstico de câncer, possa contribuir para pior enfrentamento, progressão e até mesmo recorrência da doença.

Atualmente, novas linhas de pesquisa engajam-se em estudar outras formas de perceber as patologias e as possíveis maneiras de abordá-las, disseminando práticas multidisciplinares e holísticas. Já se têm evidências que apontam as variáveis psicossociais como preditoras de qualidade de vida de curto e longo prazo, enfatizando a importância de intervenções psicossociais precoces em indivíduos diagnosticados com câncer. As abordagens integrativas visam a associar ao paradigma biomédico o paradigma vitalista da medicina alternativa e complementar (MAC).

A medicina ocidental convencional conta com técnicas e tecnologias já bem estabelecidas. Já a MAC tem buscado adequar-se à necessidade de maior nível de evidência em efetividade e segurança. Sabe-se que as terapias da MAC promovem bem-estar, melhoram o humor e reduzem desequilíbrios emocionais, sintomas de estresse e distúrbios do sono, além de melhorarem a qualidade de vida e fortalecerem o sistema imunológico. E por isso, cada vez mais, são consideradas componentes essenciais no cuidado ao paciente com câncer.

Fadiga, ansiedade e depressão durante os tratamentos de câncer de mama

Entre as mais prevalentes preocupações em termos de qualidade de vida está a fadiga, que afeta 30% a 70% das pacientes que concluíram o tratamento para câncer de mama.

A atividade física atenua esse sintoma e embora a fadiga, por si mesma, seja o principal obstáculo para o início e a manutenção regular de exercícios físicos, práticas mais suaves como yoga e tai chi chuan podem ser mais apropriadas para pessoas com doenças crônicas, que encontram barreiras adicionais para se engajarem num estilo de vida ativo.

Além da fadiga, a ansiedade e a depressão estão entre os sintomas mais referidos pelas pacientes em tratamento para câncer de mama. A ansiedade promove mais estresse psicológico e efeitos colaterais nos tratamentos em curso, relacionando-se a uma resposta mais pobre ao tratamento, menor adesão, mais queixas dolorosas, maior permanência hospitalar, maior número de complicações pós-operatórias e imunossupressão.

O estresse contribui para a desregulação autonômica, ou seja, ocorre um desequilíbrio do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, verificado através da elevação nos níveis séricos de cortisol e de flutuações erráticas desse hormônio ao longo do dia. Essas alterações levam à imunossupressão. Os níveis de cortisol, hormônio relacionado ao estresse, são importantes preditores de sobrevida em pacientes com doença avançada.

Sabe-se, então, que o estresse provoca uma hiperexcitação simpática em detrimento da parassimpática e o yoga possui uma série de posturas específicas, além de vários exercícios respiratórios e de relaxamento, capazes de promover a estimulação do sistema parassimpático, devolvendo equilíbrio a essa balança.

Em relação à resistência imunológica, a produção de interferon-gama (IFN-γ) de células NK está envolvida no controle da iniciação e da progressão tumoral e no crescimento metastático. Isso se dá especialmente em momentos críticos, como após remoção cirúrgica do tumor, quando os mecanismos imunológicos tornam-se fundamentais para a defesa contra células tumorais remanescentes e novas células cancerígenas.

Segundo Rao e colaboradores, o decréscimo na contagem de células NK mostra-se um importante preditor de sobrevida em pacientes com câncer de mama avançado, sendo que há evidência de que a prática de yoga ajuda na redução da imunossupressão associada à quimioterapia em pacientes com câncer de mama inicial.

Outros estudos demonstram ainda que os efeitos colaterais da quimioterapia têm mais relação psicossomática que puramente farmacológica em sua natureza. Existe ainda forte correlação entre variáveis psicossociais e efeitos adversos como náuseas e vômitos. Já existem estudos que atestam a eficácia do uso de terapias da MAC mesmo isoladas, mas também em associação com antieméticos e ansiolíticos.

Raghavendra e colaboradores verificaram em estudos que as intervenções baseadas em terapias de corpo-mente e práticas psicoespirituais, como yoga, são alternativas viáveis para aprimorar o cuidado ao paciente com câncer e melhor prepará-lo no sentido de reduzir a frequência e a intensidade de náuseas e vômitos.

A radioterapia, por sua vez, está fortemente associada a dano no DNA de linfócitos do sangue periférico, que têm seus telômeros encurtados. Esse tipo de dano já foi relacionado ao aumento de estresse, sendo que a capacidade de reparo do DNA é sabidamente prejudicada pelo estresse fisiológico e psicológico.

Banerjee e colaboradores verificaram redução de ansiedade, depressão e estresse percebido através da prática de yoga em pacientes com câncer de mama submetidas à radiação. Buettner e colaboradores, em estudo com 2.000 pacientes com câncer de mama que foram submetidas a diversos tratamentos complementares, observaram que yoga foi a técnica, entre as terapias da MAC, mais eficiente na redução de ansiedade e depressão e na melhora da qualidade de vida.

Não raro, na prática diária nos consultórios, clínicos deparam-se com pacientes que consideram os efeitos colaterais que experimentam piores que a doença de base em si, chegando a interromper o tratamento prescrito e reduzindo assim suas possibilidades de recuperação e sobrevida.

Perfil das praticantes de yoga

Atualmente, nos Estados Unidos, 38% dos adultos fazem uso de alguma terapia complementar com o objetivo de obtenção de saúde e bem-estar. A prática de yoga está entre as dez terapias da MAC mais utilizadas nesse país, tendo sido bem recebida por grupos de escolaridade e etnias variadas e também tanto entre populações de grandes centros urbanos como do interior.

A filosofia do yoga é obter, através de um aprimoramento no domínio do corpo e da respiração, o domínio da mente, buscando, como meta final, desenvolver uma consciência e uma conexão espirituais profundas.

O yoga pertence ao subgrupo das terapias de corpo-mente e combina uma série de posturas (asanas), técnicas respiratórias (pranayamas), meditação e relaxamento (shavasana).

Já vem sendo utilizado, com fins terapêuticos, no controle da asma, hipertensão, doenças cardíacas, desordens musculoesqueléticas, diabetes, câncer e outras patologias em que o estresse parece ser um importante fator associado.

Um estudo realizado no Brasil, em Florianópolis, indicando o perfil socioeconômico de mulheres com câncer de mama que são praticantes de yoga, mostrou que a idade delas variava entre 30 e 75 anos.

No que se refere ao grau de escolaridade, pesquisas mostram que a maior porcentagem das praticantes de yoga é constituída por aquelas que possuem ensino médio. Mas existem também estudos envolvendo mulheres com baixo nível de escolaridade, sendo que a quantidade de adeptas de yoga nessa população é menor.

A religião das mulheres não foi uma questão a ser estudada, porém é evidente que não há barreiras socioculturais para a realização da prática de yoga como tratamento complementar para o câncer de mama.

Nove entre dez mulheres analisadas praticam yoga apenas uma vez por semana. Apesar do baixo número de aulas, foi possível constatar a continuidade da atividade por longos períodos de tempo (durante anos), o que demonstra que essa frequência menor não impossibilitou a obtenção dos resultados positivos e dos efeitos benéficos do yoga em relação aos sintomas e efeitos colaterais decorrentes dos tratamentos convencionais do câncer de mama.

Vempati afirma que até mesmo práticas muito breves, de apenas dois dias, foram capazes de reduzir níveis subjetivos e sinais psicofísicos de estresse.

Cerca de 80% das mulheres começam a frequentar as aulas de yoga entre um ano antes e um ano depois de receberem o diagnóstico de câncer de mama.

Para Moadel e colaboradores, o início da prática de yoga, em qualquer ponto do tratamento relacionou-se com melhora do humor, independentemente dos níveis de estresse iniciais. Paralelamente, entre o grupo de mulheres com baixo nível de estresse, em que a observação do efeito da prática de yoga seria presumivelmente mais pobre, a não adesão teve relação significativa com a piora do humor, em comparação com o grupo de baixo estresse que se submeteu à atividade, o que sugere que o yoga tem efeito tanto protetor quanto promotor de bem-estar psicológico. Otimismo foi uma chave preditora de qualidade de vida em longo prazo.

O médico deve ter a iniciativa de atualizar-se sobre a segurança e a eficácia das terapias complementares, conhecendo as informações e discutindo-as abertamente com seus pacientes, de forma a possibilitar uma decisão conjunta.

Conforme estudo desenvolvido no Instituto de Oncologia de Bangalore, na Índia, a intervenção com a prática de yoga durante o tratamento convencional do câncer de mama poderia ser conduzida sem gastos adicionais de infraestrutura, através do treinamento da equipe multidisciplinar, o que a torna viável para países em desenvolvimento, onde os serviços de apoio a pacientes com câncer são raramente disponíveis para a maioria da população.

Na Índia, 56% dos pacientes com câncer valem-se de terapias alternativas e complementares com a intenção de obter algum benefício e não devido a insatisfação com o tratamento convencional. E, entre todas as terapias de MAC disponíveis, o yoga foi a mais efetiva no controle da ansiedade e depressão, influenciando positivamente a qualidade de vida de pacientes com câncer de mama.

Sintomas do câncer de mama e efeitos benéficos da prática de yoga

Dentre os sintomas mais frequentemente vivenciados pelas mulheres, foram listados em muitos estudos os seguintes: alopecia, ansiedade, náuseas, ondas de calor, ressecamento da pele, depressão, baixa autoestima, amenorreia, vômitos, dores no corpo, insônia, fraqueza, tontura, queimadura, formigamento, constipação, plaquetopenia e alterações vaginais.

Sobre a alopecia, referida por 60% das entrevistadas, algumas mulheres, em conversa informal posterior, relataram que rasparam a cabeça no início do tratamento, antes mesmo de o cabelo começar a cair, para que não tivessem que passar por esse processo. De modo que esses 60% estão superestimados.

Ondas de calor e amenorreia relacionaram-se à menopausa precipitada ou acelerada pela imunoterapia. Não foram encontrados estudos para efeito de comparação dessas observações.

Os outros sintomas e efeitos colaterais referidos assemelham-se aos de outras populações estudadas. Esse fato pode ser corroborado pelo número de estudos realizados que buscaram observar a eficiência das intervenções propostas em escores de qualidade de vida, estresse e sintomas de ansiedade e depressão e no controle da intensidade e frequência de náuseas e vômitos, que são sintomas muito prevalentes e que ainda não estão totalmente bem controlados com o uso de drogas.

Para Rao e colaboradores, em estudos com população hígida que praticou yoga, houve demonstração clara de mudanças no estado e no traço de ansiedade, num seguimento de dez dias a seis meses de intervenção. Apesar de não ter sido demonstrado qualquer benefício físico, foi revelada uma significativa melhora na qualidade de vida global e nos escores de distúrbio de humor. Percebeu-se, ainda, redução nos níveis de ansiedade reativa, no traço de personalidade ansioso e nos sintomas de estresse no grupo de yoga, quando comparado ao grupo-controle no pós-operatório, pós-radioterapia e pós-quimioterapia. Observações essas decorrentes da redução do estresse e da promoção de uma melhor forma de lidar com a doença durante as várias etapas do tratamento.

A correlação direta entre frequência e severidade de náuseas e vômitos pós-quimioterapia com estados de ansiedade, depressão, estresse e toxicidade à quimioterapia, ao lado da correlação inversa com qualidade de vida, independentemente do regime quimioterápico e do número de ciclos realizados, apontam para o efeito ansiolítico da prática de yoga.

Em estudo efetuado com cegamento dos oncologistas, observou-se que ansiolíticos foram significativamente menos prescritos para o grupo sob intervenção, além de ter havido redução expressiva na frequência e severidade de náuseas e vômitos no grupo praticante de yoga em relação ao grupo-controle, entre as pacientes que não receberam tais medicações, o que mais uma vez atesta os benéficos da prática de yoga.

Quanto aos esquemas terapêuticos prescritos para essas pacientes, os achados foram semelhantes aos de outros trabalhos. Como na maioria dos estudos, as pacientes têm ao menos estágio II de câncer de mama e o tratamento envolve cirurgia.

Em estudo com 84 mulheres com câncer de mama e sob intervenção com yoga, 2/3 realizaram quimioterapia, pouco menos de 2/3 realizaram imunoterapia e em torno de 1/5 realizou radioterapia. Entre as mulheres entrevistadas, a necessidade de radioterapia foi maior e quase 2/3 delas (60%) realizaram sessões desse tipo de tratamento.

Nenhuma das 45 pacientes do estudo de Rao e colaboradores relatou queixas musculoesqueléticas ou qualquer outro evento adverso que pudesse estar relacionado à prática de yoga, indicando que os módulos dessa atividade desenvolvidos para pacientes com câncer conseguem ser adequados e seguros para essa população.

Sabe-se que a realização de atividade física regular é um fator protetor contra o desenvolvimento de câncer de mama, mas além disso, nesse mesmo estudo, foram notados benefícios também nas mulheres que se tornaram fisicamente ativas somente após o diagnóstico de câncer de mama. Comparando-as com aquelas que permaneceram sedentárias, foi observada redução significativa da taxa de mortalidade geral, bem como da taxa de mortalidade por câncer de mama no primeiro grupo.

Inclusão das práticas integrativas no conceito amplo de saúde

Em grandes centros oncológicos nacionais e internacionais, a inclusão de práticas de medicina integrativa nos programas de assistência já se inicia. Alguns exemplos são o Cebrom, em Goiânia, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, o Memorial Sloan Kettering Cancer Center, de Nova York, o MD Anderson Cancer Center, de Houston e o Dana-Farber Cancer Institute, de Boston, entre outros.

Outro ponto de discussão em estudos sobre yoga é o cegamento, pois não existe método perfeito para essa terapêutica, devido à sua natureza, que envolve a instrução da paciente para a realização de posturas e técnicas de relaxamento, assim como o componente espiritual que implica no conhecimento, por parte dessas mulheres, de que estão praticando yoga.

Mundialmente, a Organização Mundial da Saúde teve seu conceito de saúde reformulado em 2001, de forma a abranger o completo bem-estar físico, mental, espiritual e social. Mas enquanto a inclusão da MAC não for oficializada por hospitais e universidades nos cursos de medicina, é muito importante que os médicos e os profissionais de saúde se atualizem a respeito dessas práticas e as divulguem, assim como orientem suas pacientes a praticar yoga.


Mari Uyeda – Coordenadora de Pesquisa no Centro de Oncologia Campinas e coordenadora de pós-graduação na Unyleya.

Ana Luiza N. Cassiani – Psicóloga no Centro de Oncologia Campinas.

 

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