A visão integrada sobre as irregularidades menstruais

Pode-se considerar que a menstruação consiste em um sangramento uterino natural e espontâneo. No entanto, são muito corriqueiras as queixas de mulheres entre 25 e 54 anos com relação aos distúrbios menstruais, em grande parte relacionadas ao sangramento anormal.

Vale ressaltar que os parâmetros clínicos podem ser utilizados para identificar a queixa, mas nada sobrepõe a avaliação dos sintomas clínicos apresentados.

Normalmente, um ciclo menstrual é considerado harmonioso quando o seu intervalo fica entre 25 a 31 dias, a duração do sangramento entre três a seis dias, o fluxo sanguíneo é de até 80 ml no seu decorrer e o sangramento é vermelho vivo a vermelho vinho e sem coágulos. Parâmetros fora dessa contextualização podem caracterizar o distúrbio menstrual.

As definições mais utilizadas são: menorragia (sangramento excessivo, fluxo superior a 80 ml), polimenorreia (ciclo menstrual curto, com intervalo inferior a 24 dias), oligomenorreia (sangramento com intervalo superior a 35 dias), amenorreia (ausência de menstruação superior a seis meses), menstruação prolongada (perda sanguínea superior a 10 dias) e sangramento intermenstrual (que ocorre entre os ciclos menstruais).

A mulher cíclica

A produção hormonal nas mulheres é cíclica. Os folículos ovarianos são estimulados a produzir os hormônios sexuais pelo eixo hipotálamo-hipofisário, determinando assim, o ciclo ovulatório e menstrual de cada mulher.

Todo esse processo é modulado por sistemas enzimáticos, de neurotransmissão, hormônios da tireoide, prostaglandinas, microbiota e insulina. Os distúrbios menstruais podem ser desencadeados por problemas sistêmicos. As irregularidades menstruais ocorrem caso qualquer item desse sistema esteja comprometido, podendo gerar até mesmo um bloqueio progressivo da função ovariana. Além das sequelas relacionadas ao distúrbio do fluxo sanguíneo menstrual, quando ele ocorre em excesso, pode desencadear um processo anêmico.

Adoecimento vinculado às irregularidades menstruais

O sangramento irregular pode sugerir condições de disfunção ovulatória, síndrome dos ovários policísticos e doenças endocrinológicas (alterações de tireoide e/ou prolactina).

Não se deve ainda deixar de atentar ao uso de medicamentos que podem contribuir para a alteração de sangramento, tais como anticoncepcionais, quimioterápicos, corticosteroides, antidepressivos e antipsicóticos.

Potenciais causas para as irregularidades menstruais

O excesso de peso corporal pode gerar uma produção excessiva de estrogênio, bem como o baixo peso corporal pode inibir a sua produção. Em ambos os casos, há um comprometimento do processo de ovulação, promovendo uma alteração na duração ou até mesmo na existência do ciclo menstrual.

Hábitos de ingesta de álcool e/ou fumo de forma rotineira podem provocar ciclos irregulares, ausência menstrual e dismenorreia (menstruação com dor), devido à ação tóxica dessas substâncias, influenciando diretamente no equilíbrio hormonal e afetando, inclusive, o processo de metabolização e eliminação dos hormônios.

A ação do estresse, por longos períodos, também pode gerar a irregularidade menstrual, promovendo ciclos anovulatórios (sem ovulação).

O estresse e os hormônios femininos

Grandes trabalhos já foram realizados demonstrando que o estresse psicológico pode ter papel importante na função e modulação hormonal, principalmente com relação ao ciclo menstrual. Essa observação está relatada desde o período de guerras na Europa, mostrando que os estados de estresse estão ligados a quadros de amenorreias (Sydenham,1946).

Se faz necessário observar que as condições psicológicas têm importante papel sobre o organismo, e isso inclui a resposta endócrina aos estímulos ambientais, destacando-se o estresse, principalmente em pacientes com traços de ansiedade. Essa variável psicológica tem grande influência no eixo hipotálamo-hipófise-ovário.

É comum constatar a irregularidade menstrual ou mesmo a anovulação (ausência de ovulação) após um evento estressante, podendo inibir a função hipofisária, na qual ocorre a ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, que interfere no eixo hipotálamo-hipófise-ovariano.

As consequências do estresse para o ciclo menstrual dependem da intensidade e duração desse estímulo. Essas alterações ocorrem por conta do aumento de cortisol sérico e diminuição de LH (hormônio luteinizante), fundamental para o processo de ovulação. Pode-se ainda observar o efeito do estresse sobre as concentrações de estrógenos.

Os diferentes efeitos do estresse sobre o ciclo menstrual possuem correlações hormonais conforme o período em que ele ocorre. Se o estresse se dá na primeira fase do ciclo menstrual, a fase folicular (que vai do início do sangramento até a ovulação), pode alterar a função reprodutiva, com diminuição dessa capacidade, por conta da possível supressão da ovulação. É possível ainda verificar uma variação da duração total do ciclo, uma vez que a segunda fase do ciclo menstrual, a fase lútea (que vai da ovulação até o novo sangramento), tende a ser constante na maioria das mulheres.

A caracterização da ansiedade tem também papel fundamental nas irregularidades menstruais, pois muitas vezes esse transtorno pode gerar processos de compulsão alimentar, que diretamente se relaciona ao ganho de peso e à possibilidade de resistência à insulina, que tem atuação no acionamento hormonal.

O distúrbio mais comum relacionado ao estresse e a ansiedade é o do tipo oligomenorreia.

Entendendo as fases do ciclo menstrual

O ciclo menstrual pode ser dividido, de forma didática, em duas fases.

A primeira fase do ciclo menstrual, a fase folicular, que vai do sangramento até a ovulação, tem a dominância do estrogênio, hormônio sexual produzido principalmente nos ovários. Tem como função a ciclicidade da menstruação. Estimula a produção e liberação de óvulos. Atua espessando o endométrio (estimula o crescimento celular). Desenvolve os caracteres secundários femininos, afetando músculos, ossos e pele, além de agir como estimulante do sistema nervoso central. Atua no sistema imunológico, estimulando mastócitos (células que armazenam potentes mediadores químicos da inflamação). Participa, ainda, do metabolismo da tireoide.

A segunda fase do ciclo menstrual, a fase lútea, que vai da ovulação até o próximo sangramento, tem a dominância da progesterona, hormônio sexual que favorece a menstruação, fecundação, transporte e implantação do óvulo fecundado até o útero, manutenção da gravidez e amamentação. Atua na maturação e alteração do endométrio. Constrói ossos e músculos. Age no sistema nervoso central como forma de sedação, por conta de sua ligação com GABA (principal neurotransmissor inibidor), regulando o afeto e o humor. Promove a modulação imunológica, reduz a inflamação e regula as enzimas de desintoxicação. Participa no metabolismo da tireoide, estabilizando a comunicação entre hipotálamo e suprarrenais.

Auto-observação e a saúde feminina

A auto-observação tem papel fundamental, se não essencial, para que a mulher entenda como seu organismo funciona diante de estímulos externos e internos. A aplicação dessa ferramenta possibilita a prevenção de diversos processos de adoecimento.

Preconizar um mapeamento diário de sinais e sintomas pode ser um instrumento de gerenciamento da qualidade de saúde. E as mulheres têm em suas mãos um parâmetro de sinal vital mensal que é a menstruação, a qual possibilita analisar de forma detalhada qualquer alteração da sintomatologia usual e, com isso, olhar de forma preventiva para esse episódio.

O autoconhecimento corporal proporciona um acionamento rápido e assertivo para manutenção da homeostase orgânica, muitas das vezes sem mesmo a necessidade da atuação farmacológica, mas apenas por meio de alterações de hábitos comportamentais, sociais, nutricionais e de relacionamento.

Incentivar e orientar as mulheres para esse processo é competência dos profissionais de saúde, que possuem a técnica e habilidade para tanto.

Nós, profissionais de saúde, por intermédio desse conhecimento técnico e de forma integral, olhando a pessoa como um todo, em suas esferas físicas, emocionais e mentais, somos promovedores da saúde e não mais cuidadores da doença.


Dra. Ana Macedo – Farmacêutica, com pós-graduação em Farmácia Clínica e Prescrição Farmacêutica. Homeopata, com 20 anos de atuação e formação em Homeopatia Clássica pela Universidade Federal de Viçosa e pós-graduação pela International Academy of Classical Homeopathy (Grécia). Formada em Medicina Tradicional Chinesa para Farmacêuticos, pelo Centro de Intercâmbio Internacional da Comissão de Higiene e Saúde da Província de Shanxi, na China.