Independentemente do fato de contraírem ou não o novo coronavírus, diversos especialistas vêm alertando para as consequências graves que o momento impõe à saúde das pessoas.
O problema é que o inimigo de 2020 não tem rosto e não é possível fugir dele. Como pode estar em qualquer lugar, ele representa um perigo constante, o que dispara o gatilho de tensão nas pessoas a todo momento. É como se, por exemplo, o alarme do seu carro soasse a cada instante e você ficasse atento esperando o próximo disparo.
Silencioso, porém altamente prejudicial à saúde humana, o estresse crônico pode desencadear vários outros tipos de doenças físicas ou transtornos mentais.
Em paralelo à do coronavírus, vemos surgir uma pandemia de medo. Aliás, somos a geração do medo: medo de ousar e ser demitido, medo de sair de casa e ser assaltado, medo do filho não conseguir crescer com valores que você escolheu, medo do seu cachorro passar mal porque não foi passear hoje, medo, medo, medo.
E esse medo acentuou-se muito agora com o coronavírus. É o começo de uma dura jornada mental, que pode provocar sentimentos de ansiedade, depressão e fobia, dentre outros problemas e que nos leva a uma prisão em nossa mente. Afinal, manter-se sereno dentro do turbilhão de informações e emoções que envolvem esta pandemia está sendo um desafio intenso para todo o mundo.
Avalanche de doenças psiquiátricas
Segundo dados de um levantamento realizado por pesquisadores do King’s College London, na Inglaterra, e publicados no The Lancet recentemente, se a covid-19 seguir o mesmo caminho do que aconteceu em 2002/2003, durante a pandemia de Sars, a tendência é de que tenhamos uma avalanche de doenças psiquiátricas nos próximos meses.
Para se ter uma ideia, há 17 anos, houve um aumento de 30% nos casos de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático entre as pessoas que ficaram de quarentena na China, o país mais atingido pela doença na época.
Por isso, podemos ainda não ver claramente todos os efeitos do que está acontecendo e nem o que vem pela frente, mas a verdade é que muitas pessoas estão ficando doentes silenciosamente, mesmo sem contrair o tão temido vírus.
E para enfrentar esse desafio que virá, o primeiro passo é entender e conscientizar-se de que as emoções são parte fundamental da saúde e têm a capacidade de prejudicar e de curar não apenas psicologicamente, mas também fisicamente.
Emoções negativas têm sido associadas a hipertensão, aumento da frequência cardíaca, diminuição da função do sistema imunológico e vários outros distúrbios. São inúmeros os sintomas físicos de consequência emocional.
“Permissão para sentir”
Nesse contexto, não poderia deixar de citar a relevante obra Síndrome Silenciosa, de John J. Ratey, doutor em medicina e professor de psiquiatria na Escola de Medicina de Harvard. Este foi o primeiro livro que examinou a questão das síndromes silenciosas, formas brandas de sérios distúrbios mentais, que podem afetar todo o curso de nossas vidas.
Ratey mostra como os sintomas são assustadoramente familiares, envolvendo desde o caso da criança viciada em videogames que não consegue fazer amigos até o executivo extremamente educado e passivo que sofre de enxaqueca constante.
O autor mostra os aspectos biológicos que podem estar por trás de situações que consideramos normais no dia a dia, mas que revelam uma somatização de síndromes que podem desencadear sérios problemas.
Nessa linha, é essencial reforçar a mensagem de que o indivíduo que consegue gerenciar suas emoções possui mais recursos para enfrentar as situações diárias adversas. Mas aí surge a questão: como é possível fazer isso?
Marc Brackett, diretor fundador do Yale Center for Emotional Intelligence, sugere, em seu livro Permission to feel, que estamos sempre esmagando sentimentos e interpretando papéis em todos os lugares.
Pense nisso: em apenas dois minutos, a pessoa percebe que está com raiva. Mas somente depois de relaxar os músculos dos ombros, ela se dá conta de que está nervosa há horas.
E o importante de se entender é que, mesmo parecendo que não há espaço para se falar e demonstrar sentimentos na forma como a sociedade é configurada hoje, nós temos (ou precisamos criar) permissão para fazer isso.
Afinal, a verdade é que os sentimentos podem tornar as pessoas mais inteligentes e aprimorar as habilidades do mundo real. Mas, como afirma Brackett, muitas vezes pressionamos o botão de soneca quando o “alarme” de sentimentos dispara. Tomamos as boas emoções como garantidas e tentamos ignorar ou eliminar as ruins, sem prestar muita atenção ao que elas significam ou como podem ser aproveitadas.
E que fique claro que isso não significa que ao falar de sentimentos o indivíduo desenvolverá superpoderes mentais que lhe farão passar por tudo isso de maneira leve e feliz. Mas se ele entender e buscar por essa permissão – além de estimulá-la na sua equipe de trabalho e nas pessoas à sua volta – ficará mais fácil lidar com todas essas questões.
Ao se dar essa permissão, a pessoa consegue ter uma ideia melhor de como está se sentindo, do que está sentindo falta emocionalmente e do que precisa. Assim, poderá pedir ajuda – ou ajudar pessoas – para obter exatamente o que é preciso quando as coisas ficam difíceis.
Lísia Prado – Formada em Psicologia, expert em programas estratégicos de desenvolvimento de pessoas e sócia da House of Feelings, primeira escola de sentimentos do mundo.