Danças circulares: saúde integral em movimento

Na simbologia das formas, o círculo está associado às ideias de perfeição, plenitude, união e continuidade. Portanto, não é à toa que os membros das sociedades ancestrais costumavam reunir-se em círculo para trocar conhecimentos e tomar decisões de interesse coletivo.

Mas o círculo também representa movimento, expansão, tempo e divindade. Por isso, essas mesmas sociedades dançavam em círculo, para celebrar eventos significativos, agradecer pelas benções e invocar os deuses. Dançar em roda (círculo) é algo que a humanidade faz desde tempos imemoriáveis.

No círculo não há hierarquia. Todos participam em posição de igualdade. Cada um traz sua história, sua energia e contribuição pessoal. E a sinergia que se forma com a união dessas individualidades é única para aquele momento e transcendente. E embora seja fugaz, não se desfaz por completo quando o círculo é desfeito, deixando em cada participante um sentimento de integração e pertencimento que o acompanha em seu dia a dia e um novo nível de percepção e consciência.

Modernamente, as danças circulares e as danças da paz universal resgatam esses valores e sensações que se originam na experiência ancestral humana.

Tanto as danças circulares quanto as danças da paz universal foram criadas e difundidas na década de 70, em comunidades que buscavam um novo estilo de vida mais próximo da natureza e embasado em valores como coletivismo e solidariedade em contraposição ao individualismo e à competição reinantes na sociedade vigente.

Entretanto, elas trazem tantos benefícios para a saúde mental, emocional, espiritual e física, que acabaram por ser reconhecidas também como práticas terapêuticas.

No Brasil, as danças circulares estão inseridas no rol das 29 práticas integrativas e complementares em saúde regulamentadas pelo Ministério da Saúde e oferecidas à população por meio do SUS (Sistema Único de Saúde). Em 2019, foram realizadas 2.044 (dados parciais) sessões de dança circular em unidades de atenção primária à saúde.

As origens

Bernhard Wosien, bailarino clássico, coreógrafo, pedagogo e pintor, nascido na Prússia Oriental, no início do século XX, foi o responsável por sistematizar a atividade da dança em roda e em grupo, que denominou de dança circular sagrada. Cabe aqui ressaltar que o termo “sagrada” não tem qualquer conotação religiosa, referindo-se ao sentido de transcendência que essa experiência oferece àqueles que dela participam.

Sendo bailarino e apaixonado pelo balé, ele começou a observar o papel que as danças folclóricas desempenhavam nas comunidades, congregando, num círculo e de mãos dadas, crianças, jovens, adultos e idosos num sentimento de união, paz e celebração.

Durante as décadas de 1950 e 1960, Bernhard percorreu o mundo estudando, coletando e registrando danças populares e folclóricas de diferentes povos, que depois foram por ele estruturadas na atividade de danças circulares sagradas.

Em meados da década de 1970, durante uma visita à comunidade de Findhorn, na Escócia, ele teve a oportunidade, pela primeira vez, de transmitir esse conhecimento, ensinando aos moradores do lugar uma coletânea de danças resultante de suas pesquisas.

Findhom era uma das muitas comunidades que se formaram em diversos países do mundo, nas décadas de 1960 e 1970, reunindo pessoas que, sensibilizadas pelos horrores da Segunda Guerra Mundial, buscavam uma forma de vida mais natural e uma vivência mais grupal em sociedade. Nesse ambiente, as danças circulares ensinadas por Bernhard encontraram um eco perfeito para o resgate de todo o seu significado e simbolismo.

A partir da experiência inicial nessa comunidade, a prática das danças circulares foi se espalhando para outros grupos e locais, com a adição de novos passos, sequências e ritmos, até chegar aos dias atuais.

Hoje, além das coreografias clássicas, as danças circulares incorporam também músicas contemporâneas de diversas origens, desde que tenham a melodia e cadência apropriadas para a realização dos movimentos.

Também no início da década de 1970, surgem nos Estados Unidos as danças da paz universal, criadas por Samuel Lewis, herdeiro de uma conhecida e rica família norte-americana, que abdicou da oportunidade de desenvolver uma promissora carreira profissional para dedicar-se à espiritualidade, tornando-se um mestre sufi, estudioso das religiões e ativista da paz.

Nessa trajetória, Samuel teve como mestres Hazrat Inayat Khan,músico, filósofo e místico indiano que trouxe o sufismo para o ocidente e Ruth St. Denis,bailarina, coreógrafa e pedagoga norte-americana, precursora da dança contemporânea, para quem a dança era um ritual e uma prática espiritual.

As danças da paz universal são realizadas com base num acervo de mais de 500 danças de diversas culturas. Diferentemente do que acontece nas danças circulares, em que é possível utilizar músicas gravadas, nas danças da paz universal, as músicas são sempre cantadas pelos participantes, na língua nativa de cada tradição de origem e com acompanhamento ao vivo de instrumentos.

Nessa metodologia, a dança é considerada como uma prática de espiritualidade e de meditação em movimento.

Danças circulares e saúde integral

Pessoas de qualquer idade e condicionamento físico podem participar da atividade de danças circulares, já que os passos e movimentos utilizados durante a prática são simples e facilmente memorizáveis. E não é necessário ter nenhuma experiência anterior em dança, já que o objetivo é tão somente vivenciar o momento em grupo.

Podem, inclusive, ser praticadas por crianças com problemas motores, portadores de mal de Parkinson ou idosos com Alzheimer, desde que isso seja feito com a devida avaliação, orientação e acompanhamento médico.

A coreografia é sempre predeterminada e deve ser seguida por todos os participantes, já que existe um conceito e uma intenção a serem trabalhados por meio desses movimentos e deslocamentos padronizados. Para tanto, o grupo precisa contar sempre com a presença e orientação de um focalizador que tenha formação, conhecimento e experiência na aplicação da prática.

Durante a dança, as pessoas permanecem de mãos dadas ou, em certas ocasiões, com os braços entrelaçados. Isso é essencial para criar o sentimento de união, fortalecer a sensação de pertencimento e permitir que a energia circule pelo grupo.

A prática das danças circulares é feita de forma coletiva, buscando trabalhar o ser de maneira integral. Traz uma série de benefícios em nível corporal, mental, emocional e espiritual. Mas para isso é necessário que a atividade seja realizada com constância e regularidade.

Trata-se de uma “cura silenciosa”, pois todos os seus benefícios são potencializados durante a própria vivência e experiência de dançar em roda, sem que nada precise ser verbalizado pelos participantes.

Do ponto de vista físico, as danças circulares podem auxiliar na melhoria da consciência corporal, coordenação motora, orientação espacial, lateralidade, psicomotricidade, tônus muscular, postura, disposição física, equilíbrio e mobilidade. Nesse aspecto, podem ser particularmente úteis, atrativas e gratificantes para os idosos.

No que se refere às questões emocionais, ajudam no processo de socialização, no manejo da timidez, no fortalecimento do vínculo entre o indivíduo e o grupo social, no desenvolvimento da tolerância e capacidade de aprender com os erros próprios e dos outros, no autoconhecimento, na melhoria da autoestima e, de forma complementar a outras terapias convencionais ou integrativas, no combate à depressão, estresse, síndrome do pânico e fobias, contribuindo até mesmo para uma possível diminuição no uso de medicamentos.

Nesse sentido, as danças circulares têm uma ação preventiva, reduzindo o risco de agravamento de um quadro emocional já instalado ou evitando que as questões emocionais sejam somatizadas para o corpo físico.

Mentalmente, melhoram a capacidade de cognição, a concentração, a atenção, a percepção e a memória.

No aspecto espiritual, levam cada participante individualmente e o grupo como um todo a refletirem sobre suas crenças e valores.

E o melhor é que todos esses benefícios podem ser obtidos de maneira lúdica, leve e prazerosa.


Patrícia Tolentino – Focalizadora de danças circulares sagradas e de danças da paz universal em áreas sociais, educacionais, empresariais e de saúde, pedagoga com especialização em orientação educacional e consultora em desenvolvimento de talentos humanos.