Efeito da acupuntura nos fogachos de mulheres com câncer de mama

Os tratamentos modernos para o câncer de mama (CM), incluindo cirurgia, terapia direcionada e quimioterapia, permitiram que as pacientes sobrevivessem por mais tempo do que antigamente.

No entanto, mais de 60% das sobreviventes desenvolvem síndrome do climatério, com sintomas como fogachos. A prevalência de distúrbios do sono relacionados à menopausa também varia de 18,6% a 56,6%. Esses sintomas podem ser clinicamente significativos, impactar negativamente a qualidade de vida e limitar as atividades diárias.

A terapia hormonal (TH) é considerada o tratamento mais eficaz para os fogachos, mas essa terapia é muitas vezes inadequada para sobreviventes de câncer de mama porque várias dessas mulheres já foram submetidas à TH e a exposição ao estrogênio aumenta o risco de recorrência do câncer e de doenças cardiovasculares.

Assim, muitas pacientes com câncer de mama e síndrome do climatério procuram uma medicina complementar e alternativa para aliviar seus sintomas, como dietas especiais, yoga, fitoterapia, acupuntura e outras.

Como funciona a acupuntura

O mecanismo pelo qual a acupuntura leva a alterações fisiológicas ou clínicas ainda não está claro, mas ela é amplamente aceita como um tratamento seguro.

Além disso, a compreensão e a prática da acupuntura no mundo real variam consideravelmente.

Por um lado, a medicina tradicional chinesa propõe que a acupuntura alivia a dor e trata os sintomas regulando a energia dos meridianos (Qi).

Por outro lado, a medicina ocidental moderna examinou o mecanismo de ação da acupuntura com base em alterações nas atividades neurofisiológicas e neuro-hormonais. Alguns estudos sugerem que a acupuntura aumenta a atividade da endorfina, modulando assim a termorregulação no hipotálamo e neutralizando a termorregulação perturbada de pacientes que sofrem de síndromes vasomotoras.

Além do mecanismo desconhecido e das diversas teorias sobre a acupuntura, 5% a 71% das pacientes com câncer de mama optam por se submeter a esse tipo de terapia, devido à sua segurança, alta acessibilidade e risco mínimo de causar problemas endometriais.

Estudos clínicos

Estudos recentes examinaram o efeito da acupuntura no alívio dos afrontamentos (fogachos) e das síndromes da menopausa em pacientes com câncer de mama.

Nos últimos anos, alguns ensaios clínicos randomizados (ECR) investigaram a eficácia da acupuntura na redução de ondas de calor, distúrbios do sono, qualidade de vida, dores nas articulações e outros sintomas de pacientes com câncer de mama.

Diferentes estudos utilizaram diferentes tratamentos de controle (acupuntura simulada, terapia hormonal, relaxamento aplicado, etc.) para comparação, com o objetivo de determinar se a acupuntura supera outros tipos de terapia ou se o benefício obtido deve-se apenas ao efeito placebo.

Embora os dados tendam a mostrar que a acupuntura tem um efeito positivo, os resultados não são totalmente convincentes ou consistentes entre todos os ensaios.

Muitos estudos avaliam a gravidade dos fogachos através da escala visual analógica (EVA) ou escala de humor. Essas escalas podem não ser totalmente objetivas, porque a maioria das mulheres relata uma melhoria dos fogachos durante o tempo frio. O efeito das mudanças sazonais como um possível viés deve, portanto, ser considerado.

Não existem evidências de que a acupuntura afete o nível de estrogênio, porque a maioria dos estudos não mede os níveis hormonais. No entanto, alguns estudos indicam não haver nenhuma correlação entre os níveis de estrogênio plasmático, urinário ou vaginal e o aparecimento de fogachos.

Além disso, fatores como humor negativo, sensibilidade aos sintomas físicos, problemas de sono, maior duração dos sintomas e problemas de saúde podem contribuir para um aumento da gravidade da síndrome vasomotora da menopausa.

A acupuntura melhora significativamente os sintomas da menopausa. A maioria dos estudos utiliza o índice de Kupperman (com 21 questões), que avalia fogachos, distúrbios do sono, parestesia, depressão, dores articulares, palpitações, cefaleia, formigamento, tontura e irritabilidade. Os resultados mostram que a acupuntura proporcionou benefício.

Nedstrand e colaboradores relataram que os grupos de controle e de acupuntura tiveram melhora significativa dos sintomas do climatério. Da mesma forma, Frisk e colaboradores compararam a eletroacupuntura à terapia hormonal, relatando benefícios de ambos os tratamentos, mas constatando que a TH teve um efeito mais forte.

Estudos sobre o mecanismo do fogacho indicam que a depleção de estrogênio tem um papel importante. O fogacho ocorre na maioria das mulheres em menopausa natural ou médica e está relacionado à cessação da função ovariana.

No entanto, a depleção de estrogênio não é o único fator, porque não há diferenças nos níveis plasmáticos de estrogênio entre mulheres sintomáticas e assintomáticas.

Estudos recentes sugerem que o fogacho pode estar relacionado à disfunção autonômica e à interrupção da termorregulação no hipotálamo, levando ao aumento da temperatura corporal central.

Outras pesquisas sugerem que a taxa de alteração na concentração plasmática de estrogênio influencia o sistema termorregulador através do hipotálamo.

Como a acupuntura alivia os fogachos?

Esses intrigantes estudos citados acima levam-nos a perguntar: como a acupuntura pode aliviar os fogachos? E por qual mecanismo a acupuntura alivia os sintomas da menopausa?

Há algumas evidências de que a acupuntura pode aliviar os sintomas da menopausa e os fogachos por meio da alteração do sistema nervoso autônomo.

Além disso, a zona termoneutra das mulheres na menopausa pode ser estreitada devido à elevada atividade simpática, resultando em afrontamentos e elevação da temperatura corporal central.

Freedman observou que a regulação positiva do sistema simpático é um componente essencial do afrontamento. Consequentemente, a acupuntura pode regular positivamente o sistema parassimpático, contrabalançando o sistema simpático superexcitado e, assim, aliviando os sintomas da menopausa.

Do ponto de vista dos neurotransmissores, algumas evidências sugerem que a diminuição do estrogênio correlaciona-se com o declínio das endorfinas no hipotálamo.

Um nível reduzido de endorfinas promove a liberação de serotonina e noradrenalina, que contribuem para o declínio do ponto de ajuste no centro termorregulador do hipotálamo, desencadeando sintomas de afrontamentos e sintomas vasomotores da menopausa.

É amplamente reconhecido que a acupuntura pode estimular a secreção de endorfinas e alterar a função nervosa autônoma. Esse mecanismo pode, portanto, explicar como a acupuntura alivia os sintomas da menopausa, como dores nas articulações, distúrbios do sono, depressão e sintomas relacionados ao sistema nervoso, como parestesia e formigamento.

Recentemente, alguns estudos propuseram que a administração de neurocinina B (NKB) pode causar afrontamentos em mulheres, pois é um neuropeptídeo hipotalâmico que se liga aos receptores de neurocinina 3.

Pesquisas semelhantes também sustentam que as mudanças marcantes nos neurônios hipotalâmicos produtores de kisspeptina, neurocinina B e dinorfina (KNDy) podem contribuir para o afrontamento. Essa conclusão baseia-se em um estudo realizado em animais que observou que os neurônios KNDy modulam a secreção de LH (hormônio luteinizante) e a temperatura corporal.

Essas pesquisas mostram que a acupuntura provavelmente poderia melhorar o afrontamento regulando esses transmissores, embora ainda sejam necessários estudos mais sólidos.

O mecanismo pelo qual a acupuntura alivia a síndrome da menopausa pode ser complexo e envolver mais do que simplesmente regular as citocinas e os sistemas nervosos autônomos.

Estudos futuros devem concentrar-se nos mecanismos moleculares subjacentes à acupuntura e tentar reinterpretar a teoria tradicional dos meridianos e do Qi, de forma a identificar indicações terapêuticas no âmbito da medicina baseada em evidências.


Mari Uyeda – Professora Assistente da Saint Francis University, na Pensilvânia – EUA.

 

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