Histórias do envelhecer: uma visão multidimensional do processo de envelhecimento saudável

O envelhecimento é um processo natural da vida que todos nós enfrentamos. No entanto, envelhecer de forma saudável é um objetivo que muitos desejam alcançar. A medicina integrativa, que busca tratar o paciente como um todo, considerando todas as dimensões da sua saúde, desempenha um papel fundamental nesse processo.

A multidimensionalidade do envelhecimento saudável é um conceito que engloba diversas áreas da vida de uma pessoa. Não se trata apenas de cuidar do corpo físico, mas também da mente, das emoções e da alma. É importante compreender que o envelhecimento não é somente uma questão biológica, mas também mental, emocional, relacional, energética e espiritual (Figura 1).

Pilares do envelhecimento saudável
Fig. 1 – As seis dimensões do envelhecimento saudável. Fonte: arquivos da autora.

Como médica integrativa e psicóloga desenvolvi um método de acompanhamento em saúde integral e envelhecimento saudável usando a autobiografia do paciente como processo de cura, numa perspectiva multidimensional.

Com o passar dos anos vamos perdendo força, memória, agilidade e a capacidade de autorregulação do organismo, mas por outro lado acumulamos histórias vividas e registradas no corpo, que podem ser contadas, recontadas e ressignificadas.

Autobiografia e saúde integral

A técnica de autobiografia é uma abordagem terapêutica que busca explorar e refletir sobre a vida de uma pessoa por meio da escrita de sua própria história.

Ela envolve a narrativa de experiências, memórias e reflexões ao longo das diferentes fases da vida.

Na antroposofia, uma abordagem filosófica criada pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner, os setênios são conceitos que descrevem as fases de desenvolvimento humano em ciclos de sete anos. Segundo essa perspectiva, cada setênio representa uma etapa distinta de crescimento e desenvolvimento, tanto físico quanto psicológico.

No contexto dos setênios, a fase idosa é associada ao último deles, que ocorre entre os 63 e 70 anos de idade. Essa fase é vista como um momento de integração e sabedoria, em que a pessoa tem a oportunidade de refletir sobre sua vida e buscar um sentido mais profundo para suas experiências.

A técnica da autobiografia pode ser especialmente relevante nessa fase, pois permite que os idosos revisitem suas memórias, reflitam sobre suas conquistas, desafios e aprendizados ao longo da vida e encontrem um senso de propósito e significado.

Escrever a autobiografia pode ajudar os idosos a se reconectarem com suas histórias de vida, a aprofundarem sua compreensão de si mesmos e a cultivarem uma apreciação maior pelas experiências que viveram.

Além disso, a escrita autobiográfica pode proporcionar uma sensação de continuidade e legado, permitindo que os idosos compartilhem suas histórias com as gerações futuras.

Essa prática também pode ser uma forma de autoconhecimento e autocura, propiciando que os idosos expressem suas emoções, processem experiências passadas e encontrem resolução em relação a eventos ou relacionamentos significativos.

A técnica da autobiografia, aliada aos conhecimentos da fisiologia e semiologia médica do envelhecer, pode oferecer uma abordagem terapêutica e de cuidado integral valiosa para os idosos, ajudando-os a encontrar um senso de completude, integração e redução de danos nessa fase de vida mais avançada.

Portanto, para alcançar um envelhecimento saudável, é fundamental contar com o acompanhamento do médico para avaliar a saúde integral do paciente, identificar possíveis doenças ou condições de risco, prescrever tratamentos preventivos adequados, orientar mudanças de estilo de vida e solicitar exames de rastreio, como mamografia, colonoscopia e densitometria óssea, que são essenciais para a detecção precoce de doenças.

Método MMH – Mergulho na Minha História

No método MMH – Mergulho na Minha História, o paciente é incentivado e orientado a como organizar o tripé de alimentação – movimento – meditação no seu dia-a-dia (Figura 2).

Envelhecimento saudável com nutrição, exercícios físicos e meditação
Fig. 2 – Tripé do método Mergulho na Minha História para um envelhecimento saudável: nutrição, movimento e meditação. Fonte: arquivos da autora.

Uma das principais dimensões do envelhecimento saudável é a alimentação. Uma dieta equilibrada e nutritiva é essencial para garantir a saúde e o bem-estar na terceira idade.

Alimentos ricos em vitaminas, minerais e antioxidantes devem fazer parte do cardápio diário, garantindo a proteção das células contra o estresse oxidativo e o envelhecimento precoce.

Uma boa distribuição dos macronutrientes para garantir o aporte proteico e calórico também é importante para mitigar a sarcopenia.

Além da alimentação, o exercício físico regular também desempenha um papel crucial no envelhecimento saudável.

A prática de atividades físicas ajuda a fortalecer os músculos, melhorar a circulação sanguínea, manter a flexibilidade e prevenir doenças crônicas, como diabetes e doenças cardiovasculares.

Além disso, o exercício físico contribui ainda para a saúde mental, reduzindo o estresse e melhorando o humor.

Os músculos são nossa “poupança” na velhice, quanto mais presentes mais autonomia e vitalidade.

A meditação é outro ponto importante. Trata-se de uma prática que auxilia o paciente nos momentos de vulnerabilidade e desafios na vida, sendo uma ferramenta de autorregulação do sistema autônomo e até dos sinais vitais, através da respiração consciente e do foco no presente.

Na avaliação médica integrativa do processo de envelhecer a ambiência do idoso é considerada como um fator de risco relevante.

Os ambientes físicos incluem as cidades e moradias, assim como as relações interpessoais e o convívio social. Afinal, nossas histórias de vida têm um cenário e personagens.

Ter uma rede de apoio social, manter relacionamentos saudáveis e estar engajado em atividades que tragam prazer e propósito são aspectos fundamentais para uma vida plena na terceira idade.

Outro ponto importante da medicina integrativa no envelhecimento saudável é olhar para a polifarmácia (uso de muitos medicamentos) e incentivar  o uso de terapias complementares para o alívio de sintomas comuns, como dores crônicas, insônia e ansiedade.

Terapias como a acupuntura e a fitoterapia podem ser eficazes no controle desses sintomas, proporcionando uma melhor qualidade de vida.

Envelhecimento da população

O envelhecimento da população é uma realidade em muitos países ao redor do mundo. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), estima-se que até 2050, o número de pessoas com 60 anos ou mais será de aproximadamente dois bilhões, representando mais de 20% da população mundial.

No Brasil, a população idosa também está em crescimento. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa de vida ao nascer aumentou consideravelmente nas últimas décadas, chegando a 76,6 anos em 2019. Além disso, estima-se que, em 2060, o número de idosos no País ultrapassará o de crianças e adolescentes.

Outro dado relevante é o impacto econômico do envelhecimento da população. O aumento do número de idosos pode gerar desafios para os sistemas de saúde e previdência social, demandando investimentos em infraestrutura e serviços específicos para essa faixa etária.


Dra. Maisa Hortal – Psicóloga formada pela UFSC, médica clínica geral formada pela UNICID, pós-graduada em Cuidados Integrativos pela UNIFESP e pós-graduanda em Psiquiatria Integrativa pela FAPES.

 

Referências bibliográficas

Organização Mundial da Saúde (OMS). (2007). Quedas. Recuperado de https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/falls.

Rubenstein, L. Z. (2006). Falls in older people: epidemiology, risk factors and strategies for prevention. Age and Ageing, 35(Supplement_2), ii37-ii41.

Tinetti, M. E., Kumar, C., e Gottschalk, M. (2011). Home-based multicomponent rehabilitation program for older persons after hip fracture: a randomized trial. Archives of physical medicine and rehabilitation, 92(7), 1-8.

Gnjidic, D., Hilmer, S. N., Blyth, F. M., Naganathan, V., Waite, L., Seibel, M. J., e Cumming, R. G. (2012). Polypharmacy cutoff and outcomes: five or more medicines were used to identify community-dwelling older men at risk of different adverse outcomes. Journal of clinical epidemiology, 65(9), 989-995.

Steiner, R. (2000). The stages of life: Seven-year periods. In The spiritual guidance of the individual and humanity (pp. 93-106). Anthroposophic Press.

Steiner, R. (1996). The stages of life and their significance for spiritual-scientific research. In The stages of higher knowledge (pp. 77-84). Anthroposophic Press.