Hidrogênio molecular: um caminho para grandes avanços na medicina

A produção de espécies reativas (ERs) no corpo é um processo contínuo do metabolismo humano observado em diversas condições fisiológicas.

Espécies reativas são átomos, moléculas ou íons derivados do oxigênio que têm alta reatividade, formando três classes de compostos: espécies reativas de oxigênio (EROs), espécies reativas de enxofre (EREs) e espécies reativas de nitrogênio (ERNs).

Podem ser ainda divididas em duas classificações: radicais livres e compostos não radicalares. Radicais livres são átomos ou moléculas com pelo menos um elétron desemparelhado, permitindo a transferência de elétrons com moléculas próximas e podendo receber ou doar elétrons. Já compostos não radicalares são espécies menos instáveis, pois não possuem elétrons livres, mas também podem reagir com moléculas vizinhas.

As espécies reativas têm uma importante função biológica, já que durante o metabolismo elas mediam a transferência de elétrons que ocorre nas reações bioquímicas, sendo que proporções adequadas delas auxiliam na saúde.

Porém, o excesso de ERs (produção descontrolada ou desbalanço redox) pode levar ao estresse oxidativo, ou seja, ao desequilíbrio entre a produção de espécies reativas de oxigênio (EROs), espécies reativas de nitrogênio (ERNs) e outras, e sua remoção por meio do sistema de defesa antioxidante do corpo, o que leva à predominância dos oxidantes (Vellosa e colaboradores, 2021).

A partir desse desequilíbrio, ocorre oxidação de biomoléculas com perda de suas funções e potencial oxidativo contra células e tecidos.

O cérebro, por exemplo, é o órgão que mais consome metabólitos no corpo e tem baixa defesa antioxidante em comparação a outros tecidos, ficando constantemente exposto ao excesso de ERs e podendo sofrer dano neuronal. Por esse motivo, a longo prazo podem ocorrer prejuízos cognitivos que comprometem a memória e a aprendizagem.

Em pessoas com câncer, o estresse oxidativo altera a expressão dos genes que inibem a progressão do ciclo celular, aumentando a proliferação da patologia.

Já em diabéticos pode promover o desbalanço metabólico, facilitando a ocorrência de complicações inflamatórias da doença.

O estresse oxidativo também aumenta a taxa de mutações genéticas e a suscetibilidade a mutagênicos, associando-se a doenças inflamatórias e câncer de pele.

Causa ainda infertilidade masculina e feminina, provoca inflamações e está relacionado com o desenvolvimento de doenças degenerativas, além de estar presente em todas as doenças cardiovasculares (Martelli e Nunes, 2014).

São variadas as situações orgânicas em que pode ocorrer o estresse oxidativo. Isso acontece até mesmo na prática de exercícios físicos.

Além disso, fatores externos, como dietas excessivamente calóricas, tabagismo, medicações, radiação UV e poluição, também podem induzir o corpo a níveis mais altos de ERs.

Diante disso, importa interferir terapeuticamente para a redução do estresse oxidativo em prol da saúde e bem-estar humano.

Esse é o motivo pelo qual, nas últimas décadas, houve um aumento no interesse por pesquisas relativas à ação de compostos antioxidantes, já que sua utilização pode resultar no combate ao desbalanço redox, pois devido à sua estabilidade os antioxidantes doam um elétron para as espécies reativas neutralizando cargas. Com isso, ocorre uma diminuição dos níveis das ERs no corpo e a manutenção das funções orgânicas essenciais (Vellosa e colaboradores, 2021).

Dentre os efeitos desse processo, estão a inibição (ou retardamento) do surgimento de células tumorais, a prevenção contra o aparecimento de danos resultantes do desbalanço redox e as ações que atrasam o envelhecimento.

Muitas atividades humanas também são beneficiadas pela atuação dos antioxidantes. Um exemplo é a prática regular de exercícios físicos que, apesar de aumentar a produção de ERs, aumenta também a capacidade adaptativa do corpo em produzir antioxidantes, o que no final gera um saldo muito positivo. Inclusive, indivíduos que praticam exercícios físicos regularmente apresentam estresse oxidativo reduzido em comparação àqueles que não realizam atividades físicas (Vellosa e colaboradores, 2021).

Ou seja, a atividade de um antioxidante favorece a manutenção metabólica — ou status antioxidante do organismo — e o equilíbrio orgânico dos tecidos prejudicados por radicais livres e outras ERs, tornando-se importante na prevenção do desenvolvimento ou agravamento de patologias relacionadas ao processo de estresse oxidativo.

Hidrogênio molecular

Uma espécie química que vem sendo pesquisada com esse fim é o hidrogênio molecular (H2), uma das menores e mais abundantes moléculas encontradas no Universo.

Ele vem mostrando um importante efeito anti-inflamatório e antiapoptótico, por suprimir a ação das ERs (Jesus, 2018).

Os primeiros pesquisadores a estudar os efeitos do H2 como antioxidante foram Malcolm Dole, Ray Wilson e William Fife, no artigo Hyperbaric Hydrogen Therapy: a possible treatment for câncer, escrito em 1975.

Trata-se de um antioxidante que diferentemente de outros — pelo seu tamanho — consegue atravessar a membrana celular, alcançando organelas e até mesmo o núcleo da célula (Jesus, 2018), o que torna mais fácil sua ação contra a oxidação.

Estudos demonstram que, além de sua importante ação antioxidante, o gás H2 contribui para diminuir efeitos danosos provocados por processos patológicos, como nos casos de resposta inflamatória exacerbada, possuindo também propriedade anti-inflamatória (Jesus, 2018).

Devido aos resultados obtidos em sua recente pesquisa, Lebaron e colaboradores (2019) expuseram que, por suas propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, o H2 é um agente importante para a medicina do exercício, pois embora a prática regular de atividade física traga múltiplos benefícios, os exercícios também podem apresentar efeitos prejudiciais.

Na prática de exercícios de alta intensidade (treinos de elite) ou então de exercícios esporádicos em indivíduos não treinados, ocorre desregulação redox e inflamação crônica semelhante a que se dá pelo excesso de ER.

Nesse caso, a ingestão de anti-inflamatórios e antioxidantes convencionais pode prejudicar as adaptações ao treinamento. No entanto, a administração de H2 mostrou-se capaz de diminuir essas alterações sem deter as adaptações ao treino.

Dessa forma, esses pesquisadores afirmam que exercícios físicos praticados de forma benéfica e aliados à administração de H2 promovem efeitos citoprotetores, hormese, biogênese mitocondrial e produção de ATP, entre outros, evitando ou reduzindo a oxidação de biomoléculas.

Nos casos em que há um processo patológico instalado, a administração do H2 reduzirá os níveis de estresse oxidativo, evitando a piora do quadro clínico.

Assim, o H2 pode atuar como um adaptógeno redox, redutor dos danos causados por exercícios feitos de forma nociva ou potencializador dos benefícios da prática (Lebaron e colaboradores, 2019).

H2 + O2: efeitos contra a Covid-19

Diante das propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias do hidrogênio molecular, em 2020 foi realizado um ensaio clínico randomizado e multicêntrico para verificar a eficácia e segurança da inalação de uma mistura gasosa de hidrogênio/oxigênio (H2 – O2), em porcentagem de 66% e 33%, respectivamente, por pacientes hospitalizados com Covid-19.

O resultado foi que, a partir do segundo dia, os pacientes apresentaram como efeito terapêutico a redução da dessaturação, relatando diminuição da dispneia, da dor e do desconforto no peito, o que não pôde ser obtido com a mesma velocidade através de outras terapêuticas, como a oxigenoterapia.

Verificou-se, portanto, uma otimização no tratamento pelos benefícios proporcionados pela inalação de H2 associado ao O2,  sendo útil para pacientes com dispneia ou para os que se encontram em instalações sem oxigênio suficiente para a realização de oxigenoterapia.

Atribui-se esses benefícios à capacidade da mistura de reduzir os esforços inspiratórios por enfrentar menor resistência na passagem pelo trato respiratório em relação ao ar ambiente.

Além disso, o efeito antioxidante e anti-inflamatório do gás é capaz de reduzir a quantidade de novas infecções por coronavírus.

A partir dessas descobertas, nebulizadores de hidrogênio associado ao oxigênio foram apontados como dispositivos médicos nacionais no país em que o estudo foi efetuado (China), passando a ser usados em hospitais, diretamente nas unidades de terapia intensiva (Guan e colaboradores, 2020).

Efeitos terapêuticos

Outros estudos recentes corroboram os achados acima citados, mostrando que a administração de H2 em indivíduos saudáveis induz a um expressivo aumento da capacidade antioxidante, diminuição no estresse oxidativo de DNAs e redução das respostas inflamatórias e da morte de células.

Também promove maior capacidade antioxidante biológica para adultos com idade acima de trinta anos em relação aos mais jovens (Sim e colaboradores, 2020).

Num estudo realizado por Mikami e colaboradores (2019), em que foram analisados os efeitos de beber água com infusão de H2 na capacidade de resistência e em situações de fadiga, foi concluído que o H2 atua como antioxidante terapêutico pela indução de enzimas antioxidantes de forma direta ou indireta, trazendo benefícios durante a prática de exercícios leves e moderados em pessoas saudáveis.

Diante desses achados, verifica-se que o H2 é um caminho para grandes avanços na medicina, pois suas propriedades atuam para reduzir o estresse oxidativo, processo que pode implicar em um envelhecimento mais rápido e em variadas doenças ou disfunções orgânicas graves.


Profa. Dra. Janine Soares Camilo – Master em Microsemiótica Irídea, bacharel em Cosmetologia e Estética pela Unitri – Universidade Integrada do Triângulo e pós-graduada em Acupuntura pelo IPGU – Instituto de Pós-Graduação de Uberlândia e em Homeopatia pela Faculdade Inspirar.

 

Referências bibliográficas

Dole, Malcolm; Wilson, F. Ray; Fife, William P. Hyperbaric hydrogen therapy: a possible treatment for cancer. Science, v. 190, n. 4210, p. 152-154, 1975. Disponível em https://www.science.org/doi/abs/10.1126/science.1166304. Acesso em 4 de nov. 2023.

Guan, Wei-Jie et al. Hydrogen/oxygen mixed gas inhalation improves disease severity and dyspnea in patients with Coronavirus disease 2019 in a recent multicenter, open-label clinical trial. Journal of Thoracic Disease, v. 12, n. 6, p. 3448, 2020. Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7330772/. Acesso em 4 de nov. 2023.

Jesus, Aline Alves de. Hidrogênio molecular inibe a resposta inflamatória e previne o dano cognitivo em ratos submetidos ao choque séptico. 2018. 80 f. Tese (Doutorado) Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, 2018. Disponível em https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/17/17134/tde-07022019-132708/publico/ALINEALVESDEJESUS.pdf. Acesso em 4 de nov. 2023.

Lebaron, Tyler W. et al. Hydrogen gas: from clinical medicine to an emerging ergogenic molecule for sports athletes. Canadian Journal of Physiology and Pharmacology, v. 97, n. 9, p. 797-807, 2019. Disponível em https://cdnsciencepub.com/doi/abs/10.1139/cjpp-2019-0067@cjpp-esm.2019.01.issue-01. Acesso em 4 de nov. 2023.

Martelli, Felipe; Nunes, Francis Morais Franco. Radicais livres: em busca do equilíbrio. Ciência e cultura, v. 66, n. 3, p. 54-57, 2014. Disponível em http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v66n3/v66n3a17.pdf. Acesso em 5 de nov. 2023.

Mikami, Toshio et al. Drinking hydrogen water enhances endurance and relieves psychometric fatigue: a randomized, double-blind, placebo-controlled study. Canadian Journal of Physiology and Pharmacology, v. 97, n. 9, p. 857-862, 2019. Disponível em https://cdnsciencepub.com/doi/abs/10.1139/cjpp-2019-0059. Acesso em 4 de nov. 2023.

Sim, Minju et al. Hydrogen-rich water reduces inflammatory responses and prevents apoptosis of peripheral blood cells in healthy adults: a randomized, double-blind, controlled trial. Scientific Reports, v. 10, n. 1, p. 12130, 2020. Disponível em https://www.nature.com/articles/s41598-020-68930-2. Acesso em 4 de nov. 2023.

Vellosa, José Carlos Rebuglio et al. Estresse oxidativo: uma introdução ao estado da arte. Brazilian Journal of Development, v. 7, n. 1, p. 10152-10168, 2021. Disponível em https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BRJD/article/view/23823/19133. Acesso em 4 de nov 2023.