Imunomoduladores homeopáticos: uma visão científica da homeopatia

Os imunomoduladores homeopáticos são fórmulas complexas, contendo mais de 10 matrizes homeopáticas em cada formulação. São usados na clínica médica devido à sua ação potencializadora da imunidade inata. Sua atuação sobre o sistema imunológico ocorre de forma eficaz e suave, sem toxicidade, modulando a imunidade sem exacerbar sua atividade. Consistem em uma forma segura de melhorar as defesas orgânicas no combate aos agentes infecciosos e também no controle de tumores emergentes ou em metástases.

Pesquisas realizadas desde 1997 comprovaram a ação potencializadora desses medicamentos sobre o sistema imunológico em modelos experimentais de câncer. Como pesquisadora, tive o privilégio de prestar uma pequena colaboração nos estudos, durante a implantação dos protocolos de cultivo de macrófagos derivados de monócitos humanos, no Laboratório de Pesquisa em Células Neoplásicas e Inflamatórias da Universidade Federal do Paraná (UFPR), sob orientação da Dra. Dorly de Freitas Buchi, a grande mentora dessas pesquisas.

Como farmacêutica, acompanhei o desenvolvimento e produção dos medicamentos utilizados nas pesquisas, bem como dos medicamentos prescritos aos pacientes em tratamento oncológico. Dessa forma, observei de perto a integração dos resultados das pesquisas laboratoriais com os relatos dos pacientes que usavam esses medicamentos como adjuvantes de tratamento. Conto aqui um pouco dessa história, compartilhando uma visão científica sobre a homeopatia e atestando a importância da medicina integrativa na qualidade de vida dos pacientes.

Pesquisa científica em homeopatia: campo relativamente novo

A homeopatia é uma forma de medicina holística que tem sido usada por mais de 200 anos para tratar condições médicas agudas e crônicas. É uma especialidade médica reconhecidamente baseada em evidências. Sua utilização geral não está fundamentada em pesquisas pré-clínicas ou clínicas.

O princípio da homeopatia pode ser sintetizado como “semelhante trata semelhante”. Em outras palavras, isso significa que a substância que causa certo sintoma quando tomada como uma dose material pode ser usada para curar os mesmos sintomas em um organismo doente, se for administrada em doses altamente diluídas e dinamizadas (potencializadas). Preconiza-se que os medicamentos homeopáticos agem em um nível profundo no organismo e o estimulam a ativar seus próprios sistemas de cura.

Contudo, as bases científicas de seu mecanismo de ação ainda precisam ser esclarecidas. Na 4a Conferência Internacional de Pesquisa Homeopática, realizada em Londres, em 2019, aproximadamente 50 pesquisadores de todo o mundo apresentaram seus trabalhos, sendo que sete deles eram brasileiros. Esses pesquisadores utilizam os mais rigorosos métodos científicos disponíveis na avaliação da homeopatia e testam a sua ação nos mais diversos modelos biológicos e físicos. Um resumo dos resultados do uso dos imunomoduladores homeopáticos em modelos experimentais de câncer foi apresentado nessa conferência e isso representa somente um despontar de um novo paradigma da medicina.

Histórico dos imunomoduladores homeopáticos

A história dos imunomoduladores homeopáticos começou em 1997, no Laboratório de Células Inflamatórias e Neoplásicas da UFPR, com a Dra. Dorly de Freitas Buchi, que, após observar o efeito da administração de um complexo homeopático em um familiar com câncer, concebeu uma linha de pesquisa com foco na ação de medicamentos naturais altamente diluídos e dinamizados em modelos experimentais in vitro e in vivo.

As formulações homeopáticas estudadas foram preparadas a partir de uma série de matrizes homeopáticas de origem vegetal e mineral, em diluições na escala decimal de Hahnemann, seguindo as normas de preparo preconizadas pela Farmacopeia Homeopática Brasileira.

Em toda a experimentação, foi adotada metodologia de estudo duplo-cego. Assim, tanto as formulações homeopáticas quanto os controles (soluções hidroalcóolicas) recebiam codificações com siglas sequenciais de M1 a M16, onde “M” referia-se à palavra medicamento e a numeração à ordem de produção das formulações. Destas as que apresentaram maiores efeitos foram a M1 e M8. No decorrer de mais de 20 anos de pesquisas, essa linha publicou 12 teses de mestrado, seis teses de doutorado e 15 artigos científicos em periódicos internacionais.

Modulação nos níveis de citocinas e espécies reativas de oxigênio

Os macrófagos tratados com M1 e M8 foram ativados, exibindo mudanças morfológicas e alterações na atividade fagocítica. Uma modulação na produção de citocinas foi observada em cultura de macrófagos derivados de monócitos humanos tratados com imunomoduladores homeopáticos, após sua estimulação com lipopolissacarídeo de parede bacteriana (LPS).

O LPS é uma molécula capaz de desencadear uma resposta celular semelhante a que acontece no organismo durante uma reação inflamatória. Assim, na presença dos complexos homeopáticos pudemos observar a diminuição dos níveis de TNF-a e o aumento da interleucina 10 (IL-10)(3).  A IL-10, também conhecida como fator inibidor da síntese de citocinas humanas, é uma citocina anti-inflamatória. Os camundongos infectados com Leishmania (L) amazonensis e tratados com M1 tiveram uma diminuição na evolução e progressão da leishmaniose, aumentando a resposta Th1 em conjunto com o aumento de IL- 10, o que equilibrou a inflamação local e evitou a exacerbação desse processo(5).

O TNF-a é um mediador químico em várias patologias, principalmente nos processos inflamatórios e neoplásicos. A produção prolongada de TNF-a num organismo causa perda de células musculares e adiposas, que é uma condição chamada de caquexia. Essa perda resulta da supressão do apetite induzida pelo TNF-a. Pacientes com câncer e em tratamento com quimioterapia normalmente apresentam a condição de caquexia ou grande debilidade física.

Os pacientes que fizeram uso do M8, como tratamento adjuvante da quimioterapia, relataram um apetite normal, ausência de perda de peso e uma manutenção da resistência orgânica durante o tratamento convencional, condição que poderia ser justificada pela diminuição da produção de TNF-a pelo medicamento.

Produção de citocinas por macrófagos derivados de monócitos humanos, após estimulação com LPS e tratamento com M1 e M8

Imunomoduladores homeopáticos - infecções, inflamações e tumores
M8 diminui a produção de TNF- mais do que o M1. M1 aumenta a produção de IL-10. Fonte: Oliveira e colaboradores. BMC Complementary and Alternative Medicine 2011, 11:101.

Os níveis de espécies reativas de oxigênio foram analisados em macrófagos isolados, bem como nas células precursoras dos leucócitos na medula óssea e em células dos linfonodos. Após o tratamento com imunomoduladores homeopáticos, os macrófagos isolados mostraram diminuição dos níveis de ânion superóxido (O2) e de peróxido de hidrogênio (H2O2), mas o óxido nítrico (NO) aumentou. O NO é um produto citotóxico de macrófagos ativados, juntamente com as espécies reativas de oxigênio O2 e H2O2 que estão envolvidas em numerosas funções reguladoras e na eliminação das bactérias fagocitadas. Essas moléculas estão implicadas na fisiologia de infecções, bem como nos processos inflamatórios e no microambiente tumoral, no qual um desequilíbro bioquímico leva a um aumento dessas espécies reativas de oxigênio. Assim, a utilização dos imunomoduladores homeopáticos pode auxiliar na manutenção do equilíbrio antioxidante.

Ação do M1 e M8 nos modelos experimentais de câncer

Estudos in vivo foram realizados em modelo de metástase pulmonar em camundongos. Quando as células de melanoma B16F10 são injetadas por via intravenosa em camundongos, os nódulos de melanoma são desenvolvidos nos pulmões (Figura 1). O grupo de camundongos tratados com M8 apresentou um decréscimo no número de nódulos tumorais nos pulmões quando comparado ao grupo-controle (sem tratamento).

Uma análise molecular demonstrou que um possível mecanismo de ação do M8 observado nesse experimento seja a diminuição da expressão da molécula de Perlecan, a qual é um componente da matriz extracelular que está fortemente relacionado com vários fatores metastáticos, angiogênicos e invasivos das células tumorais. Esses resultados demonstraram uma possível dormência celular e uma redução no número de nódulos tumorais e do seu volume causadas pelo tratamento com M8, devido a um decréscimo da adesão e invasão de células malignas(1).

Imunomoduladores homeopáticos - metástase pulmonar
Figura 1 – Metástase pulmonar em camundongos, induzida por linhagem de melanoma B16F10 injetada via veia caudal. A – Pulmão normal. B – Pulmão com metástase B16F10 não tratado com M8. C – Pulmão com metástase B16F10 tratado com veículo alcóolico. D – Pulmão com metástase B16 f10 tratado com M8. O tratamento causou uma diminuição estatisticamente significativa na metástase (***P< 0,001). Fonte: Guimarães e colaboradores. BMC Cancer 2010, 10:113.

A ação antimetastática e antiangiogênica do M1 in vivo em camundongos foi demonstrada utilizando-se dois modelos: 1) metástase de melanoma B16F10 e 2) crescimento subcutâneo. O tratamento com M1 determinou uma diminuição da metástase e do tamanho dos tumores nos pulmões. O crescimento do tumor subcutâneo foi diminuído em 38% no grupo tratado com M1. Observou-se uma redução da angiogênese e da proliferação das células tumorais. A diminuição da angiogênese ocorreu devido a uma inibição da expressão de um receptor celular para angiotensina II tipo 1 (AT1R) nas células imunossupressoras (Myeloid Derived Supressor Cells – MDSC) pelo tratamento com M1(4). A redução da angiogênese, ou seja, a diminuição da formação de vasos sanguíneos ao redor do tumor, constitui um importante mecanismo antitumoral, uma vez que há diminuição do aporte de oxigênio e nutrientes para as células tumorais.

Imunofenotipagem de células do sistema imunológico após tratamento com M1 e M8

A imunofenotipagem das células da medula óssea e dos linfonodos de camundongos tratados com os imunomoduladores homeopáticos demonstrou que:

. O M8 promove um acréscimo no número de linfócitos B na medula óssea e de linfócitos T citotóxicos nos linfonodos. O aumento na imunidade inata sem alterar a imunidade adquirida sugere uma possível utilização em doenças em que a produção de anticorpos seja irrelevante, como as viroses, onde o agente patogênico é extremamente mutável.

. O M1 propicia acréscimo no número de monócitos-macrófagos e linfócitos B na medula óssea e nos linfonodos e na quantidade de linfócitos CD3 e granulócitos somente na medula óssea. Assim como o M8, o M1 promove aumento na imunidade inata (celular). Porém, propiciou também um aumento na imunidade adquirida (humoral). O tratamento com M1 demonstra uma possível ação geral no sistema imunológico, com aumento tanto da imunidade inata quanto adquirida, o que é importante para várias doenças, incluindo alguns tipos de câncer(2).

Conclusão

Os imunomoduladores homeopáticos M1 e M8 representam uma possibilidade terapêutica adjuvante aos tratamentos convencionais, pois, comprovadamente, agem na modulação das respostas imunológicas, levando a alterações bioquímicas e celulares que colaboram para a contenção da progressão tumoral e de infecções.

Podem ser usados em qualquer situação em que o sistema imunológico esteja debilitado ou encontre-se excessivamente desafiado, como nas infecções, ou ainda nos processos que exigem a participação de macrófagos na reparação tecidual, como por exemplo na cicatrização.

Por se tratar de medicamentos sem toxicidade, sem mutagenicidade e de baixo custo, podem ser prescritos como adjuvantes de tratamentos convencionais ou para a prevenção de doenças infecciosas ou de desenvolvimento tumoral. Além disso, a trajetória até aqui percorrida com esses medicamentos representa um marco inicial na construção de uma visão científica da homeopatia.


 Eneida Janiscki Da Lozzo – Farmacêutica, doutora em Bioquímica, pela UFPR – Universidade Federal do Paraná e diretora da Homeoterápica Farmácia de Manipulação.

 

Fontes

1 – Guimarães, Fernando de S. F., Andrade, Lucas Ferrari de, Martins, Sharon T., Abud, Ana Paula. R., Sene, Reginaldo V., Wanderer, Carla, Tiscornia, Inés, Bollati-Fogolín, Mariela, Buchi, Dorly de F., Trindade, Edvaldo S. In vitro and in vivo anticancer properties of a Calcarea carbonica derivative complex (M8) treatment in a murine melanoma model. BMC Cancer, v. 10, p. 113, 2010.

2 – Cesar, Beatriz, Abud, Ana Paula R., Oliveira, Carolina C. de, Cardoso, Francolino, Bernardi, Raffaello Popa Di, Guimarães, Fernando de S. F., Gabardo, Juarez, Buchi, Dorly de F. Treatment with at Homeopathic Complex Medication Modulates Mononuclear Bone Marrow Cell Differentiation. Evidence-Based Complementary and Alternative Medicine, v. 2011, p. 1-10, 2011.

3 – Oliveira, Carolina C. de, Abud, Ana Paula R., Oliveira, Simone M. de, Guimarães, Fernando de S. F., Andrade, Lucas Ferrari de, Bernardi, Raffaello Popa Di, Coletto, Ediely L. de O., Kuczera, Diogo, Lozzo, Eneida J. Da, Gonçalves, Jenifer P., Trindade, Edvaldo da S., Buchi, Dorly de F. Developments on drug discovery and on new therapeutics: highly diluted tinctures act as biological response modifiers. BMC Complementary and Alternative Medicine, v. 11, p. 101, 2011.

4 – Andrade, Lucas Ferrari de, Mozeleski, Brian, Leck, Aline Raquell, Rossi, Gustavo, Costa, Cleber Rafael Vieira da, Guimarães, Fernando de S. F., Zotz, Rafael, Nascimento, Katia F. do, Oliveira, Carolina C. de, Buchi, Dorly de F., Trindade, Edvaldo da S. Inhalation therapy with M1 inhibits experimental melanoma development and metastases in mice. Homeopathy (Edinburgh. Print), v. 105, p. 109-118, 2016.

5 –  Nascimento, Katia F. do, Santana, Fabiana R. de, Costa, Cleber Rafael V. da, Kaplum, Vanessa, Volpato, Helito, Nakamura, Celso V., Bonamin, Leoni V., Buchi, Dorly de F. M1 homeopathic complex trigger effective responses against Leishmania (L) amazonensis in vivo and in vitro. CYTOKINE, v. 99, p. 80-90, 2017.